Por que a Argentina enfrenta uma constante crise da dívida
Crises econômicas são território já conhecido dos argentinos, de muito antes de Macri chegar ao poder
Ligia Tuon
Publicado em 24 de novembro de 2019 às 08h00.
Última atualização em 24 de novembro de 2019 às 09h00.
Julian Díaz estava prestes a expandir sua rede de restaurantes em Buenos Aires , com planos de abrir duas unidades além das três já apreciadas por comensais gourmet sob seu comando.
No entanto, uma recessão - mais uma - interrompeu seu projeto. O empresário de 37 anos teve de despedir funcionários e colocou seus planos na geladeira até o fim do ano.
“A parte mais difícil é não saber o que vem a seguir, não ser capaz de pensar em como você vai se desenvolver”, diz Díaz. “No nível comercial, atinge seus resultados. Mas, no nível pessoal, apenas dá náuseas.”
É um território já conhecido dos argentinos: crise econômica desencadeada por crescentes déficits e dívidas , além de instabilidade política com fortes oscilações entre governos de direita e de esquerda. Nesse clima, como Díaz afirma, é difícil prever o futuro - um motivo pelo qual o país tem uma baixa pontuação no índice de investimentos da Bloomberg como impulsionador do desenvolvimento.
O presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández , assume o comando em 10 de dezembro e promete ressuscitar a economia. Ainda assim, Fernández enfrenta demandas da extrema esquerda de sua ampla coalizão para aumentar os gastos sociais, enquanto investidores querem que o novo presidente priorize as negociações da dívida.
Há uma ampla preocupação no mercado de que Fernández e sua vice, a ex-presidente Cristina Kirchner, reverterão a postura pró-mercado de Macri.
A atual recessão começou no ano passado. Embora uma forte seca e baixas nos mercados emergentes tenham contribuído, a causa principal foi um déficit orçamentário que os investidores hesitaram em financiar, enquanto o governo do presidente Mauricio Macri perdia credibilidade.
A segunda maior economia da América do Sul deverá encolher pelo segundo ano em 2019 e também em 2020. A inflação está acima de 50%, e o peso a caminho de registrar o pior desempenho dos mercados emergentes pelo quarto ano consecutivo.
Os problemas econômicos da Argentina começaram muito antes de Macri chegar ao poder. Desde 1950, a Argentina passou 33% do período em recessão, só perdendo para a República Democrática do Congo, segundo o Banco Mundial.
Foi desenvolvido um ciclo no qual os líderes gastam mais do que o governo arrecada em receita tributária, forçando-os a emitir títulos de dívida que os investidores acabam vendendo. Esse efeito dominó geralmente termina com inflação alta, recessão e, às vezes, uma crise da dívida. Em 2001, a Argentina deixou de pagar US$ 95 bilhões em títulos soberanos, um recorde na época. Os mercados de títulos parecem esperar outra crise em breve.
Politicamente, o país oscilou entre governos pró-mercado e os mais populistas. Isso trouxe reversões de políticas que tornam muito difícil o investimento a longo prazo. As leis tributárias foram modificadas 80 vezes desde 1988, enquanto as regras fiscais foram alteradas 14 vezes. Houve 61 presidentes de bancos centrais nos 84 anos da instituição.
O resultado é uma economia que não corresponde ao país, com vastos recursos naturais e população com alto nível de escolaridade. Macri é apenas o mais recente líder a naufragar, depois de prometer resgatar a Argentina. Agora, Fernández enfrenta o mesmo assustador desafio.