Economia

Petistas radicais põem em xeque ética do partido

"Quem é amigo do mercado não pode ser amigo do trabalhador." Basta uma frase do deputado federal João Batista de Oliveira Araújo, o Babá, do PT do Pará, para entender a virulência da oposição que o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, tem dentro do próprio partido e que terá no Congresso para aprovar as reformas […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h54.

"Quem é amigo do mercado não pode ser amigo do trabalhador." Basta uma frase do deputado federal João Batista de Oliveira Araújo, o Babá, do PT do Pará, para entender a virulência da oposição que o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, tem dentro do próprio partido e que terá no Congresso para aprovar as reformas da Previdência e tributária. O PT, que sempre foi acostumado a amplos debates internos, com discussões acaloradas entre suas facções, não agiria de modo diferente com a chegada ao poder.

Os problemas de Palocci começaram quando ele indicou o tucano Henrique Meirelles para presidir o Banco Central. A senadora Heloisa Helena (AL) criticou Meirelles duramente logo depois da indicação, e a participação dela na sabatina de Meirelles pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado foi vetada pelo partido. Emocionada, a senadora deu declarações de que acataria a decisão, mas continuaria lamentando a nomeação. O deputado Babá pediu na semana passada (dez dias depois da posse) que Meirelles fosse destituído pela Comissão de Ética do Senado. "O Meirelles é pior que o Armínio Fraga", diz Babá. "O Fraga pelo menos era funcionário do George Soros, já o Meirelles sempre foi patrão." Babá lista seus argumentos a favor da queda de Meirelles:

  • Como banqueiro, ele sempre esteve a serviço do capital internacional;
  • Meirelles é defensor da política que atacou o trabalhador brasileiro. "Política que levou ao arrocho salarial, para sobrar mais dinheiro para alimentar a fome insaciável dos banqueiros", diz o deputado;
  • Ele recebe aposentadoria milionária (cerca de R$ 200 mil reais por mês) do BankBoston, e pouco mais de R$ 8 mil do governo, o que constituiria um conflito ético que poderia comprometer sua isenção na condução da política monetária.

    Membro da ala radical do PT, Babá é o único representante da Corrente Socialista Trabalhista, de orientação trotskista, na Câmara dos Deputados. Por ironia, a mesma linha ideológica de Antônio Palocci no início de sua carreira política. O ministro da Fazenda, afirma Babá, mudou muito desde que começou a militar pelo partido: "Ele tem uma visão de mundo que está a anos luz de distância da que defendia quando era trotskista. Agora, ele age a favor do mercado porque acredita. Não é nenhuma criança". A principal crítica dos radicais petistas aos 15 primeiros dias de Palocci na Fazenda é a continuidade dos oito anos de política econômica do ex-ministro Pedro Malan e do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. "Hoje, a única diferença entre Palocci e o Pedro Malan [ex-ministro tucano] é o sotaque e a barba", diz Babá.

    O ministro petista manteve as metas de inflação e o compromisso de manutenção do superávit primário acertados com o FMI (Fundo Monetário Internacional). Ganhou, assim, elogios do mercado financeiro. No Banco Central, trocou o presidente, mas manteve temporariamente os diretores que trabalhavam com Armínio Fraga. Eles continuam responsáveis para usar a taxa de juros como mecanismo de controle da inflação e garantia da estabilidade da moeda, o principal legado do governo Fernando Henrique Cardoso. Ganhou, assim, credibilidade, na visão dos investidores, e o dólar recuou para baixo de 3,40 reais. "O ministro Palocci não mudou nada com o objetivo de agradar o mercado", afirma Babá. "Somos contra o superávit primário porque é corte de gastos públicos. Deveria haver um rompimento dessa política."

    Do outro lado, os caciques petistas, como o presidente do partido, José Genoino, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, ou os senadores Aloizio Mercadante e Eduardo Suplicy correm para defender o ministro e o governo Lula. "O Palocci está agindo com muito equilíbrio e clareza", diz Suplicy. "Não vejo o Palocci como uma continuidade do Fernando Henrique." O senador afirma que o superministro de Lula tem o respaldo do partido: "Antônio Palocci deixou claro que o governo irá respeitar contratos, mas também irá colocar em prática os projetos sociais do PT. Transferir renda e erradicar a fome são objetivos que serão certamente alcançados".

    Suplicy também sai em defesa de Meirelles: "Respeito a posição do deputado Babá e da senadora Heloisa Helena, mas não concordo com eles". Para o senador, Meirelles foi convidado a conduzir o Banco Central de acordo com os propósitos do presidente Lula. "Henrique Meirelles me disse que tinha total afinidade com o presidente Lula", afirma. "Quero dar um crédito de confiança a ele."

    Previdência em xeque

    O radicalismo de gente como Babá ou Heloisa Helena pode não ficar apenas nas palavras. Além de reprovar a condução da política econômica, os radicais do PT também não concordam com a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo ministro Ricardo Berzoini, deputado petista. "Hoje eu votaria contra", diz Babá. "Não podemos aceitar a proposta do ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, sem antes discutir com os trabalhadores." De acordo com Babá, o governo não pode mudar o direito adquirido do funcionalismo público de receber aposentadoria integral: "O governo precisa sinalizar positivamente para os trabalhadores e atacar o mal de todos os males, que é o capital financeiro. A Previdência tem de ir atrás dos sonegadores."

    A bancada radical do PT tem 26 dos 91 deputados eleitos nas eleições de outubro. Nas contas do partido para a aprovação de matérias no Câmara, eles estarão do lado do presidente Lula. Resta saber se os líderes do partido, em especial o presidente José Genoino e o ministro José Dirceu, serão hábeis o suficiente para reverter a oposição que, por enquanto, está acampada na ala esquerda do próprio partido. Na opinião do cientista político Fernando Abrúcio, professor da PUC-SP e da Fundação Getúlio Vargas, o trabalho de Genoino e Dirceu não será muito grande: "Os radicais do PT são minoria e, no fim, vão acatar a decisão da cúpula do partido. Eles não serão obstáculo para a aprovação da reforma da Previdência".

    Ética de Maquiavel

    Mas a revolta da ala radical do PT chama a atenção para um outro aspecto, muito caro ao PT: a ética. Ao continuar atacando o modelo econômico que todo o partido criticou durante o governo Fernando Henrique, mantém-se, por trás da retórica revolucionária da ultra-esquerda, pelo menos uma certa coerência. Seria correto o PT criticar o governo quando era oposição e, ao se eleger, seguir a cartilha de Fernando Henrique? "O PT feriu a ética dos trabalhadores", diz o deputado Babá. "O programa de governo mudou muito. Foi a saída para a vitória de Lula ser aprovada pelo mercado financeiro."

    Para o Fernando Abrúcio, no entanto, o PT foi coerente dentro da ética pregada pelo filósofo florentino Nicolau Maquiavel. "A ética pública, dizia o filósofo do século XV, muda ao longo das circunstâncias", afirma o cientista. "Desde julho, a Carta Compromisso do PT já dizia que Lula iria cumprir contratos, manter metas e zelar pela responsabilidade fiscal." Se o controle dos radicais livres, como quer Abrúcio, não desafiar o PT nos próximos quatro anos, pelo menos o partido terá de admitir ao longo do tempo algo que esses radicais já ousam dizer: o PT, hoje, está cada vez mais próximo das idéias tucanas e do governo Fernando Henrique.

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