Exame Logo

Pesquisa analisa transformação de fábricas em cooperativas

Movimento sindical teve papel decisivo no início desse processo, mas sua representatividade hoje é questionada pelos cooperados

Recuperação de fábricas falidas por meio da autogestão foi a forma dos trabalhadores manterem a renda
DR

Da Redação

Publicado em 31 de janeiro de 2012 às 15h07.

São Paulo – O processo de transformação de fábricas falidas em cooperativas administradas por ex-trabalhadores dessas empresas foi tema de uma pesquisa da Universidade Estadual de Campinas ( Unicamp ).

Os resultados mostram que o movimento sindical, por meio de apoio teórico, político e financeiro, tiveram papel decisivo para o sucesso da empreitada no início. Mas, atualmente, a representatividade dos sindicatos é questionada pela maioria dos cooperados.

“Dez anos depois da formação desses grupos, percebemos que os sindicatos ainda não sabem como representar esses trabalhadores, que não são mais assalariados”, afirmou Maria Cecília Camargo Pereira, autora da tese de doutorado "Relações Complexas: sindicalismo e autogestão em debate", financiada pela FAPESP.

O trabalho faz parte do Projeto Temático "A crise do trabalho e as experiências de geração de emprego e renda: as distintas faces do trabalho associado e a questão de gênero", desenvolvido na Unicamp desde 2007 sob coordenação de Marcia de Paula Leite.

Pereira entrevistou cooperados de duas empresas da cidade de Salto, no interior de São Paulo: a Cooperativa de Produção Industrial de Trabalhadores em Conformação de Metais (Metalcoop) e a Cooperativa de Produção dos Metalúrgicos de Salto (Coopersalto).

Também fizeram parte da pesquisa outras três empresas da região do ABC: Cooperativa Central de Produção Industrial de Trabalhadores em Metalurgia (Uniforja), Cooperativa Industrial de Trabalhadores em Ferramentas de Metal Duro (Uniwidia) e Cooperativa Industrial de Trabalhadores em Usinagem e Fundição de Alumínio (Uniferco).


“Escolhemos cooperativas que tiveram apoio dos sindicatos desde sua fundação e que parte dos dirigentes também fazia parte do movimento sindical”, explicou a pesquisadora.

Outro traço comum entre as empresas foi o fato de terem entrado em processo de falência no fim dos anos 1990 e início de 2000. “Nessa época, o Brasil começava a sentir as consequências do neoliberalismo e da globalização, entre elas o desemprego”, avaliou.

Nesse contexto, os trabalhadores começaram a procurar alternativas para manter a renda. Uma delas foi a recuperação de fábricas falidas por meio da autogestão, movimento conhecido no país como Economia Solidária.

“O sindicalismo tomou para si a responsabilidade de repensar as formas de trabalho nesse cenário de desemprego. Muitos sindicalistas eram assalariados que tinham virado cooperados e foram importantes na fundação de entidades que ajudaram a fomentar a economia solidária no Brasil”, disse Pereira, referindo-se à Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários (Unisol) e à Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS) – ambas ligadas à Central Única dos Trablhadores (CUT).

Essa aproximação entre sindicalismo e economia solidária é um fenômeno raro, verificado apenas no Brasil e na Itália, segundo a autora. “Para muitos, isso pode ser entendido como a defesa da precarização do trabalho e dos direitos”, disse.

Mas, nos cinco casos estudados, os sindicatos foram fundamentais na organização dos grupos que assumiram a gestão das fábricas. “Deram cursos para ensinar o que é cooperativa, o que é autogestão. Viabilizaram empréstimos e atuaram como fiadores para que os trabalhadores pudessem continuar nos imóveis ou alugar outro local”, contou.


Exploração do trabalho

Os dados da pesquisa mostram ainda que, com passar dos anos, essas empresas foram se afastando de alguns princípios básicos do cooperativismo, como a autogestão. Esse conceito pressupõe que todos os trabalhadores participem de assembleias, elejam seus representantes e, de alguma forma, se envolvam nos processos de decisão da cooperativa.

“Percebemos que os cooperados elegem representantes, mas esses vão se mantendo nos cargos ao longo do tempo”, disse Pereira.

Além disso, acrescentou, o número de assalariados contratados pelas cooperativas nos últimos anos vem crescendo e, em casos como o da Metalcoop, já supera o número de cooperados.

“Se esse movimento continuar, vai chegar um momento que não vai haver mais cooperado. As empresas voltarão ao sistema antigo de gestão o que, em minha opinião, não é desejável, pois significa o retorno da situação de exploração do trabalho”, apontou.

Ao descrever, por exemplo, a experiência da empresa Metalcoop – formada a partir do processo de fechamento da Picchi S/A, ex-líder do mercado de forjados a frio –, a pesquisadora conta que a cooperativa não conseguiu até o momento realizar transformações no processo de trabalho que pudessem diminuir a divisão de tarefas e “promover o enriquecimento dos postos de trabalho, uma iniciativa fundamental para propiciar um aprofundamento das condições da autogestão”.

Como a figura do patrão nessas empresas foi substituída pela dos dirigentes cooperados, que muitas vezes também são sindicalistas, a representatividade dos sindicatos nas negociações salariais ficou comprometida. “Eles assumem uma posição dúbia”, disse.

“A grande maioria dos entrevistados questiona essa representatividade, já que o sindicato historicamente sempre defendeu os assalariados e essa realidade do assalariamento também está presente nesses empreendimentos”, disse Pereira.

Veja também

São Paulo – O processo de transformação de fábricas falidas em cooperativas administradas por ex-trabalhadores dessas empresas foi tema de uma pesquisa da Universidade Estadual de Campinas ( Unicamp ).

Os resultados mostram que o movimento sindical, por meio de apoio teórico, político e financeiro, tiveram papel decisivo para o sucesso da empreitada no início. Mas, atualmente, a representatividade dos sindicatos é questionada pela maioria dos cooperados.

“Dez anos depois da formação desses grupos, percebemos que os sindicatos ainda não sabem como representar esses trabalhadores, que não são mais assalariados”, afirmou Maria Cecília Camargo Pereira, autora da tese de doutorado "Relações Complexas: sindicalismo e autogestão em debate", financiada pela FAPESP.

O trabalho faz parte do Projeto Temático "A crise do trabalho e as experiências de geração de emprego e renda: as distintas faces do trabalho associado e a questão de gênero", desenvolvido na Unicamp desde 2007 sob coordenação de Marcia de Paula Leite.

Pereira entrevistou cooperados de duas empresas da cidade de Salto, no interior de São Paulo: a Cooperativa de Produção Industrial de Trabalhadores em Conformação de Metais (Metalcoop) e a Cooperativa de Produção dos Metalúrgicos de Salto (Coopersalto).

Também fizeram parte da pesquisa outras três empresas da região do ABC: Cooperativa Central de Produção Industrial de Trabalhadores em Metalurgia (Uniforja), Cooperativa Industrial de Trabalhadores em Ferramentas de Metal Duro (Uniwidia) e Cooperativa Industrial de Trabalhadores em Usinagem e Fundição de Alumínio (Uniferco).


“Escolhemos cooperativas que tiveram apoio dos sindicatos desde sua fundação e que parte dos dirigentes também fazia parte do movimento sindical”, explicou a pesquisadora.

Outro traço comum entre as empresas foi o fato de terem entrado em processo de falência no fim dos anos 1990 e início de 2000. “Nessa época, o Brasil começava a sentir as consequências do neoliberalismo e da globalização, entre elas o desemprego”, avaliou.

Nesse contexto, os trabalhadores começaram a procurar alternativas para manter a renda. Uma delas foi a recuperação de fábricas falidas por meio da autogestão, movimento conhecido no país como Economia Solidária.

“O sindicalismo tomou para si a responsabilidade de repensar as formas de trabalho nesse cenário de desemprego. Muitos sindicalistas eram assalariados que tinham virado cooperados e foram importantes na fundação de entidades que ajudaram a fomentar a economia solidária no Brasil”, disse Pereira, referindo-se à Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários (Unisol) e à Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS) – ambas ligadas à Central Única dos Trablhadores (CUT).

Essa aproximação entre sindicalismo e economia solidária é um fenômeno raro, verificado apenas no Brasil e na Itália, segundo a autora. “Para muitos, isso pode ser entendido como a defesa da precarização do trabalho e dos direitos”, disse.

Mas, nos cinco casos estudados, os sindicatos foram fundamentais na organização dos grupos que assumiram a gestão das fábricas. “Deram cursos para ensinar o que é cooperativa, o que é autogestão. Viabilizaram empréstimos e atuaram como fiadores para que os trabalhadores pudessem continuar nos imóveis ou alugar outro local”, contou.


Exploração do trabalho

Os dados da pesquisa mostram ainda que, com passar dos anos, essas empresas foram se afastando de alguns princípios básicos do cooperativismo, como a autogestão. Esse conceito pressupõe que todos os trabalhadores participem de assembleias, elejam seus representantes e, de alguma forma, se envolvam nos processos de decisão da cooperativa.

“Percebemos que os cooperados elegem representantes, mas esses vão se mantendo nos cargos ao longo do tempo”, disse Pereira.

Além disso, acrescentou, o número de assalariados contratados pelas cooperativas nos últimos anos vem crescendo e, em casos como o da Metalcoop, já supera o número de cooperados.

“Se esse movimento continuar, vai chegar um momento que não vai haver mais cooperado. As empresas voltarão ao sistema antigo de gestão o que, em minha opinião, não é desejável, pois significa o retorno da situação de exploração do trabalho”, apontou.

Ao descrever, por exemplo, a experiência da empresa Metalcoop – formada a partir do processo de fechamento da Picchi S/A, ex-líder do mercado de forjados a frio –, a pesquisadora conta que a cooperativa não conseguiu até o momento realizar transformações no processo de trabalho que pudessem diminuir a divisão de tarefas e “promover o enriquecimento dos postos de trabalho, uma iniciativa fundamental para propiciar um aprofundamento das condições da autogestão”.

Como a figura do patrão nessas empresas foi substituída pela dos dirigentes cooperados, que muitas vezes também são sindicalistas, a representatividade dos sindicatos nas negociações salariais ficou comprometida. “Eles assumem uma posição dúbia”, disse.

“A grande maioria dos entrevistados questiona essa representatividade, já que o sindicato historicamente sempre defendeu os assalariados e essa realidade do assalariamento também está presente nesses empreendimentos”, disse Pereira.

Acompanhe tudo sobre:Direitos trabalhistasEmpregosSindicatos

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Economia

Mais na Exame