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Perderemos novamente a chance de deixar a instabilidade econômica no passado?

Diante da elevação, em janeiro, da Índia a grau de investimento, da notícia de Produto Interno Bruto (PIB) 10% maior para o Brasil com a nova metodologia de medição e das projeções de estoque de reservas em dólar igual à dívida externa total do país até o fim do ano, paira no ar a pergunta: […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h58.

Diante da elevação, em janeiro, da Índia a grau de investimento, da notícia de Produto Interno Bruto (PIB) 10% maior para o Brasil com a nova metodologia de medição e das projeções de estoque de reservas em dólar igual à dívida externa total do país até o fim do ano, paira no ar a pergunta: terá o Brasil deixado de vez para trás a instabilidade?

A resposta infelizmente deve ser: ainda não. E vai aumentando cada vez mais o risco de perdermos a maior oportunidade em quase um século de fazer a curva na direção da bandeirada do reconhecimento como economia estável e capaz de crescimento sustentado. Para tanto, vale relembrar quatro momentos em que parecíamos estar bem perto da saída da curva quando derrapamos, para em seguida retomar a análise do momento atual.

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1926, o mundo em crescimento sem inflação, em regime de taxas de câmbio flutuantes; e o Brasil desfrutando de saldos positivos na balança comercial graças às exportações de café, crescimento econômico e continuidade democrática. E eis que em 1929 advém a Depressão. O preço do café cai 60%, o PIB real desaba em mais de 30%, o déficit fiscal dispara e o Governo, para preservar o crédito externo e levantar urgentes recursos adicionais, é levado a hipotecar a totalidade de sua reserva-ouro e assumir junto ao Banco da Inglaterra compromissos de austeridade fiscal e monetária. Estes eventos coincidem com a disputa política para a sucessão de Washington Luiz. Getúlio Vargas, instalado no poder como presidente provisório em 1930, acaba fechando o Congresso e decretando em 1937 o regime do Estado Novo. Desta crise econômica e política só iria o Brasil sair com o início da Segunda Guerra Mundial e o retorno do preço do café aos níveis de 1926.

1978, 14 anos já passados de regime militar, da introdução da correção monetária dos ativos financeiros como forma de convívio com a inflação enquanto se atacariam de forma gradual suas causas, e também da reforma do sistema financeiro nacional com a criação do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central. O país crescendo a 8% ao ano, com inflação estável mas em patamar elevado, próximo de 40% ao ano. E eis que advém a crise política no Irã, fazendo disparar novamente o preço do petróleo e, por conseqüência, as taxas de juros (Libor de 7% ao ano em 1977, 14% ao ano em 1980 e 20% ao ano em 1982). Tentativa de reação por parte do governo brasileiro, combinando maxidesvalorização de 30% e maior abertura comercial, ainda permite crescimento de 7% em 1979; mas a inflação salta do patamar de 40% para 110% em 1980. Seguem-se as necessárias medidas de aperto fiscal e monetário e a sofrida, e a essa altura inevitável, evolução negativa do PIB no triênio 1981-1983. Voltaria finalmente o Brasil a crescer em 1984 e 1985, mas com inflação de 235% em 1985, mal que se agravaria por mais uma década até o seu enfrentamento pelo Plano Real.

1997, superados os efeitos da crise mexicana de fins de 1994 crescia o Brasil a uma taxa anualizada de 5% com inflação de 5% e saldo negativo, mas modesto, na balança comercial (menos de 2% do PIB). Caíam as taxas de juros internas e alongava-se o crédito em reais. E eis que se abate a crise da Ásia e, no ano seguinte, a da Rússia. Em busca da proteção do real e do controle da inflação, sobrevêm apertos fiscal e monetário (este em dose cavalar). Segue-se crescimento nulo em 1997 e 1998 e salto da relação dívida pública/PIB, de 33% para 50%. Desvalorização cambial em janeiro de 1999, esforço redobrado de ajuste fiscal (incluindo a bem-vinda Lei de Responsabilidade Civil) e estabelecimento de um certo consenso quanto ao bom tripé de política econômica (responsabilidade fiscal, flexibilidade cambial e meta de inflação) recolocam o país nos trilhos mas, infelizmente, em cima de perigosos dormentes, uma dívida pública elevada para o seu custo de carregamento.

Abril de 2002, superados os efeitos da crise externa anterior - e também da falta de chuva de 2001 - caminhava o país com inflação sob controle (abaixo de 8% ao ano), saldo na balança comercial já positivo (cerca de 2% do PIB), taxa de câmbio relativamente estável ( 2,20 reais por dólar), queda das taxas de juros internas e alongamento do crédito em reais. E eis que sobrevém o default argentino. Secam os fluxos voluntários de capitais para o País. Dispara o real e, apesar da providencial carta do candidato Lula à Nação comprometendo um novo Governo com o respeito aos contratos, chega-se ao quarto trimestre de 2003 com taxa de câmbio de 3,90 reais por dólar, taxa de inflação anualizada de 29% e dívida pública/PIB de 55%. Conjuntura internacional favorável alimentada por taxa de juros extraordinariamente baixa nos Estados Unidos (inferior a 2% ao ano entre 2002 a 2004) permite o espantoso aumento das exportações (principalmente de matérias-primas para industrialização em outros países) e a bem-vinda redução do endividamento externo brasileiro aos níveis atuais. Mas importantes pontos de crescimento do PIB são na mesa deixados em razão da necessidade isolada do país de antídotos fiscal e monetário em doses cavalares. Fôra a relação dívida pública/PIB em meados de 2002 da ordem de 35% e não 50% ou tivera o País seu endividamento público essencialmente em reais e em títulos com prazo de dez anos a taxas fixas da ordem de 10% ao ano (como na Índia), provavelmente a crise nem tivesse ocorrido. Afinal, por que poderia desejar um novo governo reescalonar uma dívida longa em reais a custos suportáveis e decrescentes?

Conquanto exibindo robustez em suas contas externas nunca dantes vista, segue o Brasil com endividamento público elevado para o seu custo (juros reais de 8% ao ano), e a taxas flutuantes. E conquanto apontando para crescimento de PIB superior a 4%, segue modesto o nível de investimento (inferior a 20% do PIB, pífio na infra-estrutura). Enquanto isso, embora ainda bastante líquidos os mercados globais, vão crescendo as incertezas quanto ao médio prazo. O que esperar dos Estados Unidos, elevação da taxa de juros? E da locomotiva chinesa, possível manter o ritmo atual à luz das pressões sociais e ambientais que se acumulam?

Muitos e preciosos pontos do PIB já foram deixados na mesa por não ter sido o Brasil capaz de aproveitar o momento de calmaria para completar o conjunto de ações garantidoras da estabilidade econômica permanente. Fundamental seria total sentido de urgência para a condução das chamadas reformas estruturais - a fiscal (tributadora do consumo e do lucro e desoneradora da produção), a trabalhista (redutora dos custos indiretos da força de trabalho e estimuladora do emprego formal) e a da previdência (respeitadora do direito adquirido e estimuladora da poupança futura) como condição precedente para que a competente conjunção de políticas fiscal e monetária permitisse que transformássemos superávits fiscais primários heróicos a cada ano em perspectiva confiável de equilíbrio fiscal nominal natural e sustentado.

Aí sim, com crédito farto em reais, prazos de dez anos ou mais, a juros anuais fixos de 10% ou menos, poderíamos com confiança celebrar a perspectiva de crescimento sustentado a taxas condignas com o potencial da economia brasileira. Mas isto parece exigir um grau de convicção e articulação política que o Brasil pode até reconhecer como importante mas nunca trata como urgente e, portanto, vai deixando de alcançar.

*Fernando B. Sotelino é professor da Columbia University e do IBMEC - São Paulo

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