O CHEFE E OS CHEFIADOS: “o maior problema com a comunicação é achar que ela aconteceu” / Exame.com
Da Redação
Publicado em 28 de maio de 2016 às 09h30.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h55.
Não é de hoje que pensadores os mais variados enfatizam a importância das perguntas. No século 18, o escritor e filósofo iluminista Voltaire disse: “Julgue um homem por suas perguntas, não por suas respostas”. Na mesma linha foi o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss: “Um sábio não é aquele que fornece as repostas verdadeiras; é o que coloca as questões verdadeiras”. E o autor de teatro Eugene Ionesco: “Não é a resposta que ilumina, é a pergunta”. E o físico Albert Einstein:“O importante é nunca parar de perguntar”.
A ideia, basicamente, é que os grandes avanços em todos os campos do conhecimento provêm da capacidade de fazer perguntas novas, de estabelecer uma perspectiva original, capaz de trazer respostas diferentes.
A não ser quando se trata de coaching, a arte de treinar seu pessoal. Aí, as perguntas podem ser sempre as mesmas – pelo menos é o que diz Michael Bungay Stanier, um advogado australiano que estudou filosofia na Inglaterra, trabalhou nos Estados Unidos e montou sua empresa de coaching, a Box of Crayons, no Canadá. Stanier presta serviço para algumas das maiores empresas do mundo e é autor do recém-lançado The Coaching Habit (“O Hábito de Treinar”, numa tradução livre). Para ele, bastam sete perguntas para revolucionar o seu modo de liderar as pessoas. O livro, com 242 páginas, parece mais com um pequeno manual de conduta. Mas ele é agradável – e suas regras fazem muito sentido. Melhor ainda: uma vez que você incorpore as sete perguntas ao seu dia a dia, suas sessões de coaching poderão durar não mais do que dez minutos.
A essência do livro é que perguntar é melhor do que responder. Quando você faz perguntas em vez de entregar respostas, seu time tem a chance de se tornar mais independente, você fica menos sobrecarregado de trabalho e a eficiência aumenta (porque você deixa de ser o gargalo no processo de produção).
Até aí, nada de muito brilhante. E as sete perguntas que ele sugere também não são lá muito originais. Onde Stanier de fato entrega algo novo é nas explicações que dá para as suas sete perguntas.
As perguntinhas mágicas
É comum, nas interações de líderes e liderados, ocorrerem três tipos de situação. A primeira: a conversa girar em torno de banalidades e jamais chegar ao ponto. A segunda: a conversa ficar fossilizada em rituais que já não se tornaram vazios, como… a reunião de avaliação, por exemplo. A terceira: o líder, em sua pressa e sua vocação para papai-sabe-tudo, pular para uma resposta ótima que infelizmente não tem nada a ver com o problema que foi trazido.
Para todas essas situações, o antídoto de Stanier é começar a interação com um simples “O que você está pensando?”. É uma pergunta aberta o suficiente para a pessoa apresentar suas ideias, fechada o bastante para que ela se atenha ao que importa.
A segunda pergunta é ainda mais trivial: “E o que mais?”
A vantagem dessa segunda pergunta, diz Stanier, é que ela possibilita criar mais alternativas. No início do milênio, o professor Paul Nutt, da Universidade de Ohio, avaliou centenas de decisões tomadas por executivos para escrever o livroWhy Decisions Fail (“Por que as Decisões Falham”, numa tradução livre). Uma de suas conclusões foi que, quando as decisões eram binárias (sim ou não), a chance de fracasso era de mais de 50%. Quando havia mais uma opção, a taxa caía para cerca de 30%. O simples fato de encorajar a pessoa a oferecer mais alguma ideia, afirma Stanier, cria uma percepção melhor sobre a questão.
Também não é preciso exagerar.Ter opções é saudável, mas ter opções demais é contraproducente. A partir de cinco alternativas, nossa capacidade de processar as informações decai assustadoramente.
A terceira pergunta de Stanier é “Qual o real desafio para você aqui?”. Esta pergunta tem uma vantagem tripla, afirma. Ao perguntar qual o real desafio, você obriga a uma escolha. Dentre todos os problemas que cercam a situação, qual deve ser atacado? Em segundo lugar, ela evita o que ele chama de “treinar o fantasma”. É comum que as pessoas se queixem de colegas, ou da falta de recursos, ou do clima geral da companhia. São os fantasmas, que não estão presentes na conversa. Não adianta concordar sobre outras pessoas. “Você só pode treinar a pessoa que está na sua frente”, diz Stanier. Ao enfatizar o “desafio para você”, na pergunta, o líder direciona as ações para o terreno do factível. Finalmente, é comum que as pessoas comecem a falar de uma situação como se não tivessem nada a ver com ela – como se fossem meros espectadores. Essa pergunta traz a conversa para a esfera da responsabilidade individual.
Engajamento e estratégia
Existem dois tipos de coaching: o que se preocupa com o desempenho – realizar as tarefas necessárias – e o que trata de desenvolvimento – permitir que as pessoas adquiram novas habilidades e cresçam. As três primeiras perguntas estão mais ligadas à primeira parte: focar no que precisa ser feito.
A quarta pergunta começa a transitar também na segunda função do coaching. Ela é a de formulação mais simples, mas talvez a mais difícil de responder: “O que você quer?”
Em geral, as pessoas não têm muita clareza do que desejam. Uma das funções do líder é trazer essa discussão para a mesa. Quando cada um dos interlocutores sabe o que quer, diz Stanier, trava-se uma conversa de verdade, entre adultos.
Se bem feita (no tom correto, na hora certa), esta pergunta ajuda a fazer o liderado se sentir parte integrante da companhia. Ajuda na construção de autonomia.
E leva à quinta pergunta: “Como eu posso ajudar?”
Aqui, a vantagem é dupla. De um lado, o liderado é instado a especificar o que precisa, o que o ajuda a esclarecer, para si próprio, o trabalho. De outro lado, evita que o líder cometa um dos erros mais comuns em gente com poder: precipitar-se com uma resposta que julga “resolver o assunto”, mas que na verdade é baseada em experiências passadas e não se aplica à atual situação. Stanier cita uma frase do escritor George Bernard Shaw: “o maior problema com a comunicação é achar que ela aconteceu”.
A sexta pergunta é o que Stanier chama de estratégica. Sua inspiração é a definição de estratégia do guru da gestão Michael Porter, professor da Universidade Harvard: “a essência da estratégia é escolher o que não fazer”.
A pergunta, portanto, é: “Se você está dizendo sim para isso, para o que você está dizendo não?”
Em outras palavras, que projetos terão de ser abandonados ou adiados, que relacionamentos receberão menos cuidados, que reunião deixarão de ser realizadas, que recursos serão desviados para o novo projeto? “Um sim não é nada sem o não que lhe dá os limites e a forma”, diz Stanier.
Finalmente, a sétima pergunta é a que torna a interação completa (da apresentação do problema ao encaminhamento do trabalho) um processo de aprendizado: “O que foi mais útil para você?”
Essa pergunta convida à reflexão, sedimenta as descobertas, marca as lições e o crescimento pessoal. E, não menos importante, relembra como o líder foi importante para ajudar a chegar até ali.
O hábito de perguntar
Embora seja relativamente fácil convencer-se de que as perguntas são um caminho melhor para a construção de autonomia e eficiência do que impor respostas, aplicar a receita é outra história. Em geral, quem atinge posições de poder tem hábitos arraigados de ditar caminhos. Além disso, dar conselhos, como Stanier bem aponta, traz uma recompensa psicológica. Mesmo se o conselho for errado, ele leva o conselheiro a se sentir sábio, benemérito… líder.
Ao longo do livro, de forma um tanto repetitiva, Stanier dá a mesma dica de como quebrar esse hábito de pular para as respostas. Trata-se, principalmente, de identificar o gatilho que dispara esse comportamento – pode ser uma pessoa, uma ação determinada, um estado de espírito que faz você adotar o modo “respondedor”. A partir daí, tentar substituir a ação habitual com uma nova ação, previamente ensaiada para que esteja pronta para uso (em geral, uma das sete perguntas).
Não é que as respostas e orientações não tenham o seu lugar. Elas têm. Apenas não são apropriadas para o coaching. A cada vez que você responde algo, usurpa a possibilidade de a pessoa chegar a uma conclusão própria.
Mas, claro, se alguém lhe perguntar qual o valor da encomenda de um cliente, simplesmente dê a resposta.
Outro ponto de Stanier é: não faça perguntas retóricas. Se tiver que fazer uma afirmação, ou dar uma ideia, dê. Não finja que está fazendo uma pergunta, falando algo como “você pensou em…?”.
Outro tipo de pergunta que Stanier não recomenda são as que começam com “por quê”. Peter Senge, nos anos 90, lançou o livro A quinta disciplina, em que frisava a importância do “por quê”. Recentemente, o autor Simon Sinek fez sucesso afirmando que o “por quê” vem antes de tudo. “Esqueça os dois. Há lugar para o ‘por quê’ numa empresa, mas não é durante o coaching”, diz Stanier.
Ele cita dois motivos para isso. Esse tipo de pergunta (“por que você fez isso?”) coloca as pessoas na defensiva e coloca você de volta ao modo de operação “solucionador”, que leva a equipe à dependência e você a ficar sobrecarregado. Em vez disso, reconstrua a pergunta para começar com “o quê”. No exemplo acima, seria: “o que fez você tomar essa decisão?”.
Exemplos como esse fazem o livro todo parecer um pouco simples demais, esquemático demais. Talvez seja. Mas para a maioria dos líderes essa troca do ponto de exclamação para o ponto de interrogação – inclusive no trato consigo mesmos – pode fazer um bem danado.
(David Cohen)