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O populismo na era Trump

The Populist Explosion – How The Great Recession Transformed American and European Politics Autor: John Judis Editora: Columbia Global Reports Páginas: 198 —————– José Eduardo Barella A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, a decisão dos britânicos de retirar o Reino Unido da União Europeia e a ascensão em série de políticos com agenda […]

TRUMP: Judis bate na tecla de que a crise econômica é o principal fator de impulsão do populismo / Kevin Lamarque/ Reuters
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Da Redação

Publicado em 8 de abril de 2017 às 08h19.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h38.

The Populist Explosion – How The Great Recession Transformed American and European Politics
Autor: John Judis
Editora: Columbia Global Reports
Páginas: 198

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José Eduardo Barella

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A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, a decisão dos britânicos de retirar o Reino Unido da União Europeia e a ascensão em série de políticos com agenda radical em vários países da Europa fazem parte de um fenômeno recente que causou surpresa mundo afora. Como é possível países de longa tradição democrática, dotados de sistemas partidários centenários e elevado poder econômico se renderem ao populismo descarado, seja de direita ou de esquerda?

Esse e outros questionamentos estão contemplados em The Populist Explosion – How The Great Recession Transformed American and European Politics (“A Explosão Populista – Como a Grande Recessão transformou a política americana e a europeia”, em tradução livre), livro atualíssimo assinado pelo jornalista e escritor americano John Judis. A obra é indispensável por dissecar as nuances que cercam o atual avanço populista e também por mostrar como esse fenômeno, quando ressurge – ele sempre rondou o poder no Primeiro Mundo –, costuma contaminar os dois lados do Atlântico de forma praticamente simultânea, evidenciando a interdependência mútua.

Como o longo título do livro indica, Judis bate na tecla de que a crise econômica é o principal fator de impulsão do populismo – e seu crescimento deve ser visto sempre como um sinal de alerta de que o establishment político e econômico está perdendo a conexão com o povo. Fatores como xenofobia e racismo podem ajudar, mas ficam sempre em segundo plano. Já é um bom começo para entender um movimento que coloca, no mesmo saco, um populista de direita como Donald Trump e o jovem esquerdista espanhol Pablo Iglesias, do recém-criado partido Podemos. O autor resolve essa equação com uma narrativa didática, pontuada pela contextualização econômica.

Judis tem longa experiência em veículos considerados de esquerda nos Estados Unidos – foi editor da revista The New Republic e hoje atua como editor sênior do Talking Points Memo, revista eletrônica que abre espaço a artigos e debates. Apesar disso, Judis passa longe do debate ideológico rançoso. Sua contribuição é mostrar por que o populismo não pode ser definido em termos de esquerda, direita ou centro. “Não se trata de ideologia, mas de lógica política – ou a maneira de pensar a política”, escreve. O populismo segue uma fórmula em que se muda o cenário e os personagens, mas o roteiro é sempre o mesmo, tendo como pano de fundo uma crise econômica esgarçando o tecido social.

Se o sinal ideológico pouco importa para identificá-lo, há uma diferença clara entre o movimento populista de esquerda e o de direita. O de esquerda coloca no centro de sua agenda o antagonismo entre o povo e uma elite, mas não prega o conflito de classes nem defende a abolição do capitalismo. Já o populismo de direita prega o enfrentamento do povo contra uma elite que afaga ou protege um grupo, que pode ser de imigrantes, negros ou outras minorias – a quem são atribuídas as mazelas do país. A conclusão é que tanto o populismo de direita como o de esquerda são essencialmente reformistas, operando sempre dentro do contexto democrático.

Perdas econômicas

A crise financeira de 2008, que atingiu os Estados Unidos e Europa simultaneamente, deu o impulso para a atual onda populista. A recessão causada pela crise aumentou as dificuldades daqueles grupos sociais que perderam com a globalização. Na Europa, os países com uma melhor condição econômica – como Holanda, Dinamarca, França e Inglaterra, situados no norte do continente –, viram a clássica fórmula do populismo de direita avançar, com o discurso contra a elite política que nada faz contra a imigração, o vilão do momento. Além dos efeitos da recessão, o avanço do terror islâmico no continente (foram nove grandes atentados entre 2011 e 2016) ajudou a vitória do Brexit no Reino Unido, por exemplo. Nos países mais ao sul, como Espanha, Grécia e Itália – onde a crise de 2008 teve um impacto econômico e social maior –, o discurso populista mirou mais a elite representada pela burocracia de Bruxelas e organismos como o Fundo Monetário Internacional do que propriamente a questão imigratória.

Nos Estados Unidos, a primeira manifestação recente do avanço populista se deu com o surgimento do Tea Party – reação conservadora à candidatura de Barack Obama que, aliada à crise de 2008 e ao desencanto dos americanos com o establishment, se consolidaria oito anos depois com a eleição de Donald Trump. Por outro lado, a reação de Obama à crise do sistema financeiro, considerada por parte do eleitorado como leve demais com os responsáveis pelas quebradeiras, provocou o surgimento de um populismo de esquerda. Primeiro, com o Ocupe Wall Street, um movimento efêmero, sem liderança central. Depois, com a candidatura de Bernie Sanders, que disputou a nomeação democrata contra Hillary Clinton.

Embora Judis consiga comprovar a importância do fator econômico como motor do movimento populista, é de se lamentar que seu livro sequer cite o populismo latino-americano, com uma história rica de líderes de massas ­­– Juan Domingo Perón, Getúlio Vargas e Hugo Chávez, para citar os mais conhecidos. Para fazer essa ponte, outro livro recente, What Is Populism? (“O que é populismo?”, em tradução livre), do cientista político americano Jan-Werner Müller, avança mais ao descrever o roteiro seguido por um movimento populista básico ao chegar ao poder. A fórmula inclui o aparelhamento do Estado por aliados, o constante confronto com a imprensa e o açodamento das relações com os demais poderes. Alguém aí lembrou de alguma recente presidente argentina?

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