O ímã da Zona Norte

O Hospital e Maternidade São Luiz, um dos mais adicionais de São Paulo, tem duas unidades, uma no bairro do Morumbi, outra no Itaim, ambas na zona sul da cidade. Uma pesquisa realizada há três anos revelou que 12% dos pacientes eram da zona leste. O resultado animou a diretoria do hospital a tomar uma decisão: levar o São Luiz para perto de onde vivem esses clientes. Comprou um terreno na rua Francisco Marengo, no bairro do Tatuapé, onde vai construir sua primeira unidade na região. As obras vão exigir um investimento de 100 milhões de reais. "É uma região carente de hospitais de primeira linha", diz Andre Staffa, diretor financeiro do São Luiz. A mesma análise foi feita pela Amil, uma das maiores empresas de medicina de grupo do país. Ela vai construir um hospital num quarteirão em frente ao Shopping Anália Franco, no pedaço mais chique da região, com um investimento de 78 milhões de reais. "Quando o hospital ficar pronto, devemos aumentar o número de conveniados na zona leste", diz Antonio Jorge Kropf, diretor técnico da Amil. Os dois hospitais devem ser inaugurados no início de 2005.

Esses não são os únicos empreendimentos que estão migrando para a região mais rica da zona leste. Em janeiro de 2003, a Universidade São Marcos, instituição de ensino que nasceu no bairro do Ipiranga, na zona sul, deverá abrir um campus no Tatuapé -- mais precisamente dentro do Shopping Silvio Romero Plaza. Vai ocupar dois andares de um complexo que inclui um dos mais modernos centros de diagnósticos por imagem do país e uma torre comercial de 18 andares. A instalação de um campus no local é parte da estratégia da Lúcio Engenharia, proprietária do shopping, para aumentar o fluxo de pessoas e enfrentar a concorrência de dois shoppings vizinhos de maior porte, o Metrô Tatuapé e o Anália Franco. "As pessoas não vêm mais ao shopping só para fazer compras. Agora, elas sempre têm outro propósito", diz Firmino Matias Lúcio Junior, diretor da Lúcio Engenharia.

Prova de que há uma demanda reprimida para cursos superiores na região é o crescimento de outra universidade, a Cruzeiro do Sul (Unicsul). Fundada há 32 anos no bairro de São Miguel, também na zona leste, tem 13 000 alunos no seu primeiro campus, que está saturado e sem espaço para crescer. Há um ano e meio, a Unicsul abriu uma unidade no Jardim Anália Franco, a área mais nobre na vizinhança do Tatuapé. O novo campus abriga 2 200 alunos e também já está lotado. Para poder criar novas turmas no ano que vem, a Unicsul vai construir mais um prédio no local, com 34 salas de aula.

Guerra dos shoppings

Se o Shopping Silvio Romero aposta num campus universitário para gerar mais tráfego, seus concorrentes não estão de braços cruzados. O que está em jogo não é pouca coisa. No total, a zona leste tem cerca de 4 milhões de habitantes, 37% da população do município de São Paulo. O Tatuapé tem a maior renda da região e é seu grande pólo consumidor -- 75% dos moradores pertencem às classes A e B, segundo dados da consultoria Urban Systems. O crescimento do Tatuapé está influenciando bairros vizinhos, principalmente Mooca, Água Rasa e Vila Formosa. Aos poucos, esses bairros estão formando uma espécie de quadrilátero de riqueza da zona leste.

De olho nesses consumidores, o Condeshop, um consórcio de shopping centers, montou há seis anos o Shopping Metrô Tatuapé, o primeiro do bairro. Voltado para um público mais popular, o empreendimento fica colado à estação do Metrô Tatuapé e aos terminais de trem e ônibus. Só no metrô embarcam por dia 51 000 passageiros, que ajudam a engrossar o movimento das 400 lojas do shopping. No total, passam pelo shopping cerca de 3 milhões de pessoas por mês. Nos fins de semana, circular pelos corredores ou encontrar uma mesa na praça de alimentação é uma aventura. O movimento é tão intenso que o Condeshop resolveu ampliar as instalações. No outro lado da avenida Radial Leste será erguido mais um prédio, ao qual o visitante poderá ter acesso por uma das passarelas do metrô.

O Condeshop decidiu expandir o shopping depois de realizar uma pesquisa sobre o potencial econômico da região, em julho do ano passado. O estudo indicou que a área de abrangência do empreendimento (bairros a 15 minutos de carro) compreende 1,4 milhão de pessoas, cuja capacidade de gasto no varejo atinge 2,3 bilhões de reais por ano. Cerca de 70% dos moradores dessa área de influência pertencem às classes B e C e têm renda média de 1 200 reais por mês.

Voltado para um público com poder aquisitivo maior, o Shopping Jardim Anália Franco surgiu três anos depois do Shopping Metrô Tatuapé -- e também já planeja expandir as instalações. O novo espaço será construído numa área do estacionamento atualmente subaproveitada. Segundo Luiz Estanislau Medici, superintendente do shopping, a ampliação deve contemplar um centro médico com clínicas especializadas. "Estamos numa região onde os antigos moradores passaram a ter nova condição econômica e, por isso, exigem novos serviços", diz Medici. Com lojas de grife e endereço privilegiado, o shopping abriga também um hipermercado Carrefour. O complexo todo possui 199 000 metros quadrados de área construída. As 230 lojas e o hipermercado venderam 416 milhões de reais no ano passado. A previsão para este ano é chegar a 484 milhões de reais. "Para um shopping com apenas três anos de vida, é um excelente crescimento", afirma Medici.

Mercado imobiliário

O Tatuapé é um dos campeões em lançamentos imobiliários na cidade. O bairro tem hoje 141 prédios de alto padrão, segundo Manoel Gonçalves, dono da Ação Imóveis, a maior corretora da zona leste. "Há terrenos para a construção de pelo menos 50 torres residenciais", afirma Gonçalves. Os imóveis de alto padrão ainda se concentram no Jardim Anália Franco, mas toda a região vem se beneficiando com essa vizinhança de endinheirados. "O Jardim Anália Franco emprestou valorização para as outras áreas", diz Luiz Paulo Pompéia, diretor da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp). Nos últimos três anos, o preço médio dos imóveis no bairro ficou em 433 dólares o metro quadrado, 61 dólares a menos que o valor médio no Morumbi, segundo levantamento da Embraesp.

A valorização do Tatuapé vem atraindo construtoras de grande porte, como a Goldfarb, que há dois anos ergueu um edifício de 13 milhões de dólares que seria destinado à moradia de executivos. O projeto acabou tomando outro rumo: o prédio, com 134 apartamentos, abriga hoje um hotel da rede Blue Tree Towers. Quando assumiu a administração do hotel, o plano do Blue Tree era atender principalmente os turistas de negócios que freqüentam as feiras dos centros de convenções Anhembi e Expo Center Norte. Não imaginava que haveria demanda também das pequenas e médias empresas espalhadas pela zona leste. "Hoje, esses clientes são o nosso carro-chefe", diz Janaina Weiss, gerente-geral do Blue Tree.

Outro hotel, o Meliá Confort Tatuapé, instalou-se na região em março de 2001. O empreendimento fica nos arredores da praça Silvio Romero, onde se concentram as agências bancárias, os bares e os restaurantes do bairro. "Apesar de ser uma área com oferta de comércio e serviço, tem o sossego e a tranqüilidade de um bairro", diz Guntfried Schwarz, gerente-geral do hotel. Cerca de 80% dos hóspedes são executivos de grandes empresas instaladas na região, como Goodyear, Souza Cruz e Editora Moderna.

Depois de shoppings, universidades e hotéis, há quem aposte que o próximo alvo dos investimentos na zona leste serão os negócios na área cultural. "Ainda há poucas opções de lazer na região, principalmente para as classes A e B", diz o arquiteto Fábio Duarte, coordenador de projetos da Urban Systems.

Canteiro de obras