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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h35.
Chegando à metade, o governo Lula pode estar diante de um ponto de inflexão. Seu primeiro ano foi percebido, por distintos atores políticos e sociais, segundo um misto de três sensações: esperança condescendente, desilusão ressentida e ceticismo perplexo.
A primeira veio daqueles que, acreditando na possibilidade de grandes transformações sociais a ser promovidas pelo primeiro governo liderado por um partido de esquerda em nossa história republicana, não tiveram motivos ao longo dos doze meses iniciais para notar mudanças relevantes. Mas também não tiveram razões para profundas decepções, já que a administração Lula em seus momentos iniciais era algo muito distinto de um desastre e parecia contar com um arsenal de boas intenções, cuja concretização poderia se dar na medida em que o aprendizado governativo ocorresse. Havia algumas áreas em que o governo saia-se bem e outras em que as falhas mais gritantes localizadas aqui ou ali e normais em qualquer governo poderiam ser corrigidas sem grandes traumas.
A desilusão ressentida veio principalmente daqueles que, também depositando grandes esperanças de que um governo petista poderia empreender profundas transformações, viram no conservadorismo macroeconômico e na retomada de reformas do período FHC indesculpáveis retrocessos para não dizer traições. A condução de ações políticas nessas duas frentes implicava uma incorporação de tudo o que o PT atacara ao longo de seus vinte e dois anos de história pregressa: monetaristas no leme econômico, arrocho fiscal, juros altos, acordo com o FMI, reformas orientadas para o mercado etc. As tensões já haviam se iniciado em 2002, decorrentes da aliança com o PL e da Carta ao Povo Brasileiro. São alguns dentre esses desiludidos ressentidos que hoje formam o PSOL.
Finalmente, o ceticismo perplexo proveio sobretudo dos opositores, particularmente tucanos e pefelistas, que esperavam um grande desastre e políticas irresponsáveis. A esses, a adoção de política econômica similar à do período FHC, assim como algumas de suas propostas de reforma, deixava sem um claro discurso de oposição. Não casualmente, as baterias se dirigiram ao suposto aparelhamento do Estado e à nomeação de petistas derrotados nas urnas. Embora o primeiro problema fosse palpável e notado pelos mais diversos observadores da vida política em Brasília, o segundo era uma bobagem. De qualquer forma, muitos desses opositores acreditavam inversamente aos portadores da esperança condescendente que o pior estava por vir.
As previsões céticas (ou pessimistas) pareciam se confirmar no início do segundo ano, na esteira do episódio Waldomiro Diniz. Como se não bastasse o escândalo em si, o governo e o PT lograram piorar as coisas, metendo os pés pelas mãos. O governo, editando uma MP proibindo os bingos (cuja regulamentação estava havia meses em discussão no governo), permitindo o bate-boca interno de seus membros, privando a sociedade de respostas satisfatórias. O partido, tentando redirecionar o foco da crise para a gestão macroeconômica. O PT chegou a soltar nota questionando os rumos seguidos por Palocci e Meirelles e, com isso, pôs em risco uma das poucas áreas em que o governo contava com uma política com começo, meio e fim. Daí para frente foi uma sucessão de patacoadas, com a tentativa de expulsão do jornalista Larry Rohter, a proposta de criação do Conselho Nacional de Jornalismo, as estrelinhas nos jardins do Alvorada, culminando com o anúncio presidencial de obra federal em São Paulo, transformado em palanque para a eleição municipal o que acarretou a Lula uma punição pela justiça eleitoral. O governo parecia ter perdido o rumo.
Todo esse cenário tinha como pano de fundo o conflito entre o principal atingido pelo escândalo Waldomiro Diniz o seu chefe, José Dirceu e o ministro da Fazenda, Antônio Palocci. O sucesso do ministro da Fazenda e os estragos do escândalo pareciam ameaçar a prevalência inicial incontestável de Dirceu à frente do governo. Palocci tomava-lhe o posto de figura mais influente da Esplanada. O imbróglio começou a se desfazer apenas com o fim das eleições municipais e com as avaliações do rescaldo das urnas. O PT vitorioso nessas eleições foi, predominantemente, aquele que logrou obter o apoio das classes médias, passando-lhes a imagem de moderação, lhaneza e eficiência. A posse ou não de tais características explicaria vitórias como a de João Paulo, no Recife, e Fernando Pimentel, em Belo Horizonte, assim como as derrotas de Marta Suplicy, em São Paulo, e Raul Pont, em Porto Alegre. Curiosamente, tais atributos também diferenciam as imagens públicas de Palocci e Dirceu.
Essa distinção apresenta-se agora como uma bifurcação para o governo Lula. Ele pode seguir pela senda de um "oposicionismo de governo", mais preocupado com a ampliação imediata do poder e com o ataque aos adversários que com a obtenção de resultados concretos, ou pelo acerto pragmático de políticas e estratégias que, mesmo significando uma ruptura com o legado ideológico e com o predomínio de certos caciques do partido, mostrem-se rentáveis política e eleitoralmente. Talvez esteja nessa segunda opção a saída para o fiasco que se mostrou a área social nos dois anos iniciais. A isso também se associa a opção por uma postura mais hegemônica ou mais pluralista na relação com a sociedade.
Chama a atenção o fato de que o governo é mais bem-sucedido justamente naquelas pastas ministeriais que não se encontram com ministros petistas (salvo as honrosas exceções da Fazenda e de Minas e Energia): Justiça, Relações Exteriores, Desenvolvimento e Agricultura. Iniciando a sua segunda metade, o governo Lula poderá agora providenciar acertos de rumo que permitam ao presidente chegar a 2006 com algo mais para mostrar ao eleitor que a retomada do crescimento econômico. Afinal, de um governo de esquerda é razoável esperar serviço no campo social. Embora um acerto de rumo pareça estar em curso na Educação, os resultados estão muito aquém do esperado em Saúde e Assistência Social. E os parcos resultados não são apenas fruto do aperto fiscal. Eles decorrem da descoordenação dos ministérios responsáveis por essas políticas setoriais, dos desacertos hierárquicos entre os ministros e seus subordinados e, finalmente, da falta de projetos minimamente consistentes que permitam ao governo saber o que quer fazer nessas áreas. Até quando o presidente está disposto a esperar?
O cientista político Cláudio Gonçalves Couto é professor da PUC-SP