Economia

Duhigg e o enigma da produtividade

A maior parte dos livros de receita de sucesso profissional nos últimos anos escolhe um de dois caminhos. Ou bem se propõe a desvendar os segredos da produtividade, ou a desatar as amarras da criatividade. É natural, porque estas são as duas grandes questões atuais no campo do trabalho. Todo mundo quer ser mais produtivo, […]

SEDE DO GOOGLE:  empresa representa junto com o Facebook 20% da publicidade mundial / Justin Sullivan/ Getty Images

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Da Redação

Publicado em 29 de abril de 2016 às 21h12.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h24.

A maior parte dos livros de receita de sucesso profissional nos últimos anos escolhe um de dois caminhos. Ou bem se propõe a desvendar os segredos da produtividade, ou a desatar as amarras da criatividade. É natural, porque estas são as duas grandes questões atuais no campo do trabalho. Todo mundo quer ser mais produtivo, mais eficiente, porque vivemos numa era de ultraconcorrência e pressão descomunal por prazos. E todo mundo quer ser mais criativo, mais inovador, porque no mundo do excesso é preciso estar sempre um passo à frente, ter um novo produto para apresentar assim que o seu produto ficar obsoleto.

Mas pouca gente tenta atacar os dois problemas ao mesmo tempo. A dificuldade é que, em geral, eficiência e criatividade estão em polos opostos. A eficiência costuma vir da repetição, do treino, do ganho de escala e da curva de aprendizado facilitada pela experimentação cuidadosa, dentro de parâmetros razoavelmente estáveis. A criatividade, ao contrário, tem a ver com desafiar o status quo e fazer conexões com campos mais distantes do seu foco. Uma se beneficia da padronização, outra da fuga dos padrões.

Pode-se qualificar, então, de ambiciosa a nova obra de Charles Duhigg, um repórter do jornal The New York Times que alcançou merecido sucesso, em 2012, com o excelente livro “O poder do hábito”. Desta vez, Duhigg promete uma receita para tornar o leitor tanto mais produtivo como mais criativo – como diz o título, “mais esperto, mais rápido, melhor” (em inglês, Smarter, faster, better), com o complemento “os segredos de ser produtivo na vida e nos negócios”.

Duhigg trilha um caminho aberto por Malcolm Gladwell, repórter da revista New Yorker, um dos mais bem-sucedidos autores a misturar a narrativa jornalística com um punhado de estudos para propor teses de conduta nos negócios ou na vida pessoal. No elogio de David Allen, outro autor de best-sellers com foco na produtividade, “Duhigg usa um atraente storytelling para destacar pesquisas fascinantes e princípios chave que todos podemos aprender e usar em nossas vidas”.

O poder das histórias
Storytelling, a arte de contar histórias, é um processo tão velho quanto a raça humana, mas ganhou status de ferramenta de gestão na última década, quando livros que usam storytelling passaram a destacar estudos que diziam que o storytelling é o modo natural de os seres humanos organizarem sua relação com o mundo. Em outras palavras: só compreendemos a informação quando ela se encaixa em alguma narrativa.

O método tem lá seus limites. O principal deles é que narrativas costumam apresentar causalidades que nem sempre correspondem à vida real. O próprio fato de que nosso cérebro anseia por explicações nos torna com frequência vítimas de explicações enganosas. Ou, no mais das vezes, incompletas. Em 2002, Malcolm Gladwell extraía lições a partir do exemplo de um time de sucesso, os responsáveis pelo programa humorístico americano Saturday Night Live: “nos primeiros dias do programa todo mundo conhecia todo mundo e cada um estava sempre se metendo nos assuntos dos outros, e esse fato ajuda muito a explicar a química extraordinária entre os artistas”. A narrativa de Duhigg sobre o mesmo caso é bem diferente: ele apresenta os conflitos do elenco, o rancor às vezes além da generosidade, o individualismo. E, obviamente, chega a outras conclusões.

Para além do embate das narrativas, há outra questão, mais crucial, sobre a escolha dos exemplos. Duhigg apresenta o processo de reuniões do Google. Mas por que o processo de reuniões (ou qualquer outro) do Google deve nos servir de exemplo? Esta é uma falácia em que tão comumente incorrem jornalistas, escritores, consultores. Como explicou o professor de gestão Phil Rosenzweig no livro Derrubando mitos, o sucesso cria uma aura que nos leva a encarar tudo como positivo. (Um CEO centralizador que faz sucesso é assertivo, um que fracassa é autoritário).

É inegável que o Google é uma empresa de sucesso. Mas como saber se o modo como faz reuniões tem a ver com isso? Talvez o Google tenha um algoritmo tão fantástico que consiga prevalecer apesar de sua gestão, e não por causa dela.

Duas técnicas de motivação
Isso não quer dizer que as narrativas não valham nada, apenas que é preciso recebê-las criticamente. Tendo estes cuidados em mente, é possível extrair bons frutos das receitas de Duhigg. Ao contrário do primeiro livro, em que se concentrou num único tema (a formação dos hábitos), desta vez ele faz uma espécie de colagem de estudos e casos inspiradores, que abarcam desde a motivação e o foco até o processo de decisão e a busca de informações.

O início de tudo é a motivação, e Duhigg tem uma recomendação dupla para aumentar o seu poder de realização. A primeira parte é criar instâncias de tomada de decisão.

Estudos neurológicos indicam que, quando somos instados a tomar decisões, nosso cérebro ativa centros de atenção e prazer. “A maioria dos recrutas não sabe como forçar a si mesmos a começar algo difícil”, diz o general Charles Krulak, comandante dos marines americanos que Duhigg entrevistou. “Mas se nós conseguirmos treiná-los a dar o primeiro passo, fazendo algo que lhes dê a impressão de estar no controle, é mais fácil continuar.” Pode ser algo pequeno, não tem importância. O essencial é que você sinta que está seguindo suas próprias escolhas. “Quando os recrutas exercem o controle em algumas poucas situações, eles começam a aprender o quanto isso lhes faz sentir melhor”, diz Krulak. “Nós ensinamos que liderança não é inata, é aprendida, é um produto do esforço.”

Trata-se de trazer para dentro de si o locus de controle – criar a sensação de que os resultados dependem mais das suas ações do que de condições externas. Este é o procedimento básico para a postura que a psicóloga Carol Dweck chama de mentalidade de crescimento: a crença de que temos o poder de melhorar em qualquer aspecto da vida (em oposição à mentalidade fixa, de quem acredita que suas qualidades são imutáveis).

O segundo ponto de Duhigg é vincular sua tarefa a um propósito. Quando as ações têm um significado mais amplo, quando cumprem um plano que fazemos para nós mesmos, fica mais fácil nos comprometermos com elas. “Forçar-nos a explicar por que estamos fazendo algo nos ajuda a lembrar que essa tarefa é um passo em um caminho maior e que, ao realizá-la, estamos nos aproximando de objetivos mais importantes”, diz.

São conselhos tão sensatos que é difícil argumentar contra eles. Outras pesquisas, no entanto, sugerem que não abusemos da receita. No livro “Simple rules”, os pesquisadores de estratégia Donald Sull e Kathleen Eisenhardt descrevem estudos que apontam que a força de vontade parece ser um poço finito. Quer dizer: se você exerce muita força em alguma decisão, tem menos para outras. (Alguns estudos indicam que controlar-se para não comer doces “gasta” tanto o cérebro que, ao final do dia, a pessoa tem mais propensão a tomar decisões piores.)

Foco e metas
Uma das histórias mais fortes do livro é sobre o voo da Qantas Airways entre Singapura e Sydney, e seu capitão, Richard de Crespigny. O caso é estudado em manuais de aviação, descrito como o Airbus mais danificado da história a pousar em segurança. Crespigny atribui isso ao seu hábito de imaginar, antes do voo, diversos cenários – e preparar-se mentalmente para os problemas.

A prática é bem conhecida de alguns profissionais que trabalham em situações de emergência, como cirurgiões e bombeiros. Quando algo inesperado acontece, há pouco tempo para examinar as probabilidades ou buscar alternativas. A reação tem de estar ensaiada, ou pelo menos pensada.

Duhigg sugere que se faça isso em qualquer situação. Vários estudos apoiam a recomendação. Um exemplo: estudantes que fazem a prova antes de estudar a matéria costumam aprender melhor. Isso provavelmente ocorre porque, ao saber quais problemas terá de resolver, o cérebro canaliza a atenção. O estudo se torna mais eficiente.

Mentalizar o que você espera que aconteça torna seu cérebro mais atento aos detalhes – e ele tem algo com que comparar a realidade.

É algo parecido com a sugestão do professor de finanças Frank Partnoy, no livro “Como fazer a escolha certa na hora certa” (Wait, no original), em que apresenta o método do pre mortem, idealizado pelo psicólogo Gary Klein. Trata-se de imaginar que o plano fracassou e tentar estabelecer o que teria levado a isso (é uma autópsia sem o corpo).

Os conselhos de Duhigg soam, em sua maioria, como um bom apanhado de recomendações mais antigas. No capítulo sobre metas, por exemplo, ele defende objetivos audaciosos – ecoando o consultor Jim Collins, que em 1994, no livro “Feitas para durar” (escrito com Jerry Porras), já afirmava que uma das características das empresas excepcionais era ter metas “grandes, cabeludas e audaciosas”.

Ele nota, porém, que há uma tênue fronteira entre metas ousadas que motivam e metas ousadas que tiram o moral da tropa, por impossíveis. Então acrescenta outra recomendação, inspirada no método desenvolvido pela GE… na década de 80 – tornar as metas específicas, mensuráveis, alcançáveis, realistas e com prazo (Smart, no acrônimo em inglês).
Em gestão de pessoas, Duhigg também se ancora no case da fábrica Nummi, que a Toyota montou em parceria com a General Motors… na década de 80.

Erros e acertos
Ao final das contas, o que Duhigg faz é um apanhado de técnicas em vários campos – não necessariamente novas. E, sobretudo, desiguais. Alguns capítulos são decepcionantes: dificilmente algum leitor razoavelmente instruído precisa que lhe lembrem que os fracassos ensinam tanto quanto os sucessos (“da próxima vez que um colega for demitido, pergunte por quê”, ele aconselha…).

Mas há bons insights em vários capítulos. Sobre criatividade, cita um artigo de 2013, de pesquisadores da Northwestern University, que mostraram que a inovação é feita na maioria das vezes não de ideias originais, mas sim de combinações originais de ideias antigas.

Sobre a coleta de informações, cita estudos que indicam que prestamos muito mais atenção a informações truncadas do que a… narrativas fluentes. Parece não fazer sentido. Desde pequenos, somos instados a adquirir fluência de raciocínio. Mas pense no repórter Gil Gomes, que fez sucesso no programa Aqui Agora, nos anos 80, com uma fala truncada e para todos os efeitos imune aos sinais de pontuação recomendados pela boa gramática – era impossível deixar de prestar atenção nele.

De certa forma, Duhigg cumpre o que promete. Ele não diz que tornará seu leitor eficiente. Apenas mais eficiente. Para isto, bastaria que desse uma ou outra recomendação positiva. Seu livro tem bem mais que isso.

A principal delas vem no capítulo de tomada de decisões. Neste caso, ele não recorre a estudos de 30 anos atrás. Recorre a um pastor presbiteriano do século 18, o filósofo e estatístico Thomas Bayes.

Melhorado pelo matemático francês Pierre-Simon, o marquês de Laplace, o teorema de Bayes é até hoje a pedra angular de uma das vertentes da ciência estatística. Em poucas palavras, o método bayesiano consiste em lançar uma hipótese, relacionando o evento que você procura entender a alguma taxa base, lançando mão de informações precárias, ou mesmo estereótipos. Soa como dar um chute com base em seus preconceitos. Mas a grande diferença do método bayesiano para o império do preconceito é que seu teorema permite ir afinando a previsão conforme a experiência vai trazendo novos resultados.

Para que ele dê certo, é preciso sair com um premissa pelo menos razoável – e por isso ele pressupõe que se abra os olhos a situações as mais diversas possíveis, para encontrar uma boa taxa base. Depois, é não se deixar aprisionar pelo resultado, é entender que a realidade, embora jamais seja de todo apreendida, permite sempre aproximações melhores. Talvez este método não torne ninguém mais rápido. Mas certamente levará a decisões mais inteligentes e melhores.

(David Cohen)

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