O Congresso, sozinho, não vai resolver os problemas do país, diz Zeina
A economista-chefe da XP falou em evento nesta semana, em São Paulo. Do painel, também participou o professor Carlos Melo, do Insper
Ligia Tuon
Publicado em 6 de julho de 2019 às 08h00.
Última atualização em 6 de julho de 2019 às 10h06.
São Paulo — Se tem uma coisa que a literatura acadêmica nos mostra é que o Congresso , sozinho, não vai resolver os problemas do Brasil, o que depende muito da liderança do poder Executivo.
A afirmação é da economista-chefe da XP Investimentos, Zeinal Latif, que participou nesta semana de evento promovido pela corretora, em São Paulo. Também participaram do painel Carlos Melo, cientista político que é professor do Insper, e o jornalista Augusto Nunes.
"Desenhar uma reforma é complicado, o diabo mora nos detalhes. Mas mais difícil que isso é aprovar o projeto no Congresso, ainda mais no nosso sistema político. Não é como se a gente estivesse nos Estados Unidos, onde há dois partidos, com pautas nacionais", disse Zeina.
Ela cita como exemplo a MP do Saneamento, que modernizariaa regulação do saneamento básicoabrindo mais espaço para o setor privado, mas que acabou caducando diante da resistência da oposição. Quase metade da população brasileira não tem acesso à coleta de esgoto.
"Tinha que ter sentado com os governadores, com as empresas de saneamento. Esse desafio é muito maior do que o técnico. Mas a decisão final é da politica, que reflete a nossa sociedade. Não basta um ministro da Economia reformista. A Casa Civil também precisa ser", afirma Zeina.
A economista vê, no entanto, uma evolução do debate econômico desde o ano passado, ainda que a agenda do governo represente uma continuidade da gestão de Michel Temer.
"A agenda vai avançar, não sei em que velocidade, mas deve permitir um debate mais saudável em 2022", prevê.
A velha nova política
A ideia de "velha política", usada com frequência pelo presidente Jair Bolsonaro, não passa de um clichê, segundo o professor Carlos Melo.
"O que é velha política? O que nós temos é a politica e as características do presidencialismo de coalizão brasileiro, que chegou a um esgotamento", diz.
O termo foi criado pelo sociólogo Sergio Abranches para descrever a dinâmica brasileira na qual o presidente compartilha poder e recursos com outras forças políticas em prol de um projeto comum.
"O que temos também é o chamado 'toma lá, dá cá', que existe em qualquer parlamento do mundo. O problema é que, no Brasil, o "da cá" foi dominando. Quando o país parou de crescer e começamos a ter problemas econômicos, esse processo chegou a um esgotamento", diz Melo.
O professor criticou a resistência do presidente em fazer concessões: "Mas alguma concessão ele tem que fazer. Se não, não temos um processo fluido", afirma. Mesmo porque, diz Melo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, montou uma coalizão própria.
"Se não houver isso, depois de superada a pauta da Previdência, o Congresso vai voltar à sua agenda e os conflitos podem aumentar. As vaidades contam no campo da politica no Brasil", completa.
'5 crises terríveis'
Carlos Melo lista cinco "crises terríveis" pelas quais o país passa. Além das crises do modelo econômico e do presidencialismo de coalizão, haveria uma "crise do país de meia entrada" diante do domínio de corporações em defesa dos seus privilégios.
A quarta crise é a politização da justiça: "Na justiça brasileira é clara a existência de grupos. Alguns são a favor de tudo, alguns de nada. O que se deve temer na democracia é a lei, não o juiz".
A quinta crise é a de liderança politica. Sem ela, segundo Melo, as outras poderiam ser mais brandas ou nem existir.
"E não é só no Brasil, é no mundo. Olhem para as liderança que o mundo tinha nos anos 80 e 90. Nos Estados Unidos, Ronald Reagan. Na Europa, Margaret Thatcher, Mikhail Gorbatchov... Hoje, temos Trump, Bolsonaro..."
No Brasil, essa tensão se intensifica para uma crise institucional. "Cadê o estadista que olha para frente e e diz que temos que tocar esse barco? Tem um monte de gente louca pra investir no Brasil, e eles não estão esperando pelas reformas, mas sim pela redução das incertezas", diz.
A crise de liderança não vai se resolver sozinha, alerta o professor, e exige um pontapé inicial que é incerto: "Nós temos uma elite politica preparada pra fazer frente a essas crises? A elite do Brasil tem condição de fazer um diagnóstico e agir?".
Melo concluiu com um trocadilho: "Temos que tomar cuidado com a mitificação, se é que vocês me entendem, da politica brasileira. A crise é séria".