EXAME.com (EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h27.
O Banco Central (BC) indicou claramente na segunda-feira (26/5) que quer reduzir o total de dívida pública indexada ao dólar. Embora o comunicado de Brasília não tenha sido explícito, é consenso que haverá cada vez menos papéis cambiais em circulação. Essa decisão é correta do ponto de vista econômico e financeiro, mas vai aumentar a volatilidade e os riscos do sistema financeiro e tornar mais difícil a vida das empresas.
Qualquer governo se arrisca muito ao vincular sua dívida interna a uma moeda estrangeira. Basta fazer as contas. Hoje, cerca de um terço do total da dívida pública brasileira está vinculada ao dólar. Segundo dados do BC, no dia 14 de maio passado havia em circulação no mercado 67,8 bilhões de dólares em compromissos federais corrigidos pelo câmbio. Desse total, 58% são swaps cambiais e 42% são títulos públicos, como as Notas do Banco Central, série Especial (NBC-E) e Notas do Tesouro Nacional da série D (NTN-D).
Esses compromissos são emitidos em reais, mas são corrigidos pelo dólar. Quando o câmbio sobe, a fatura cresce: o governo tem de gastar mais dinheiro para pagar o principal e os juros de sua dívida. "Uma alta do dólar, ainda que pequena, tem um forte impacto sobre o passivo nominal do governo", diz Rodrigo Azevedo, economista-chefe do Credit Suisse First Boston, em São Paulo.
Um rápido exemplo numérico mostra a importância de reduzir a dívida interna vinculada ao dólar. Ao divulgar as medidas na segunda-feira, o Banco Central fez o dólar subir de 2,90 reais para 3,03 reais. Essa oscilação de treze centavos aumentou o estoque da dívida pública em 8,8 bilhões de reais. Ou seja: em poucas horas, o aumento do estoque de dívida corroeu 89% do superávit primário obtido a duras penas durante todo o mês de abril. Daí a importância de vincular a quase totalidade da dívida à moeda nacional.
Risco
Se a decisão de reduzir a dívida em dólar é tecnicamente correta, onde estão seus riscos? "Ao não se comprometer com a rolagem integral dos papéis, o governo sinaliza que deixará de ser um grande fornecedor de hedge para a economia", diz Azevedo. "Com isso, o comportamento do dólar será bem menos previsível."
Hedge é o termo financeiro que traduz o movimento de uma empresa que tem dívidas em dólar (ou depende de produtos importados) e quer garantir antecipadamente que poderá honrar compromissos nessa moeda. Há várias maneiras de buscar hedge. Uma delas é comprar dólares diretamente, a outra é comprar títulos corrigidos pelo câmbio. Como o Brasil ainda não consegue gerar todos os dólares de que precisa por meio das exportações, boa parte da necessidade de hedge é satisfeita por meio da compra de papéis cambiais.
A emissão desses títulos cresceu muito no ano passado, quando a incerteza eleitoral aumentou a incerteza das empresas e diminuiu os investimentos estrangeiros. O governo teve de assumir essa função. Com a decisão da segunda-feira, o BC aumentou a incerteza na hora de as empresas assinarem contratos internacionais, captarem dinheiro ou renegociarem suas dívidas.
Refazer as contas
A decisão do BC foi anunciada na segunda-feira quando o dólar estava cotado a exatamente 2,90 reais. "Pode não ter sido a intenção do BC, mas ficou claro na cabeça do mercado que esse é o piso que Brasília quer para o dólar", diz o diretor de tesouraria de uma empresa de telecomunicações regional. O que isso muda? "Depois de procurar um piso, todo mundo vai ficar especulando se o dólar tem um teto", afirma o executivo.
Assim, os diretores financeiros das empresas vão fazer muitas teleconferências com os gerentes de conta de seus bancos nos próximos dias, terão de refazer suas contas e estratégias. "Tínhamos um cenário para o câmbio nos próximos meses, mas agora precisamos ver se é preciso refazer as contas", diz o executivo. "Pode ser que fique mais difícil captar dinheiro lá fora, por isso temos de parar para pensar."
O cenário ficou mais arriscado, o dólar potencialmente mais volátil: portanto, não é mais possível simplesmente fechar negócio com a primeira linha de crédito externa oferecida. "Se as taxas não forem muito atraentes, o risco implícito não compensa", diz o executivo. No ano passado o dólar disparou e o mercado financeiro simplesmente cortou o crédito, o que machucou muitas empresas. "Essas feridas ainda não cicatrizaram, é preciso esperar para ver", diz o executivo.