Novas reservas brasileiras não afetam preço mundial do petróleo, diz especialista
Para o canadense Peter Tertzakian, o potencial da Bacia de Santos coloca o Brasil numa posição privilegiada, mas não vai impedir uma crise global de abastecimento
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h27.
O economista e geofísico canadense Peter Tertzakian é uma das maiores autoridades mundiais em petróleo. Chefe do fundo de private investment ARC e especializado em administração de recursos do setor energético, ele afirmou, em entrevista a EXAME, que a descoberta de novas reservas do óleo negro na Bacia de Santos coloca o Brasil na lista dos grandes exportadores do produto, mas não altera o preço ou a dinâmica mundial do petróleo. Ele também manteve a previsão feita em seu livro "A Thousand Barrels a Second", lançado em 2006, de que a economia mundial vai enfrentar uma nova crise de abastecimento, pior do que a de 1973. Leia abaixo entrevista com o autor.
Qual a sua avaliação sobre as novas reservas anunciadas pela Petrobras?
Peter Tertzakian - Elas colocam o Brasil numa posição bastante atraente. O Brasil vai se juntar a um pequeno clube de grandes países exportadores de petróleo do hemisfério Ocidental, aqueles não pertencem à OPEP e que têm tecnologia para explorar seus recursos. Eles são apenas o Canadá, a Noruega e agora, o Brasil. A descoberta é grande e muito significativa. Nos últimos dez ou vinte anos, esse tipo de reserva que a Petrobras anunciou está se tornando cada vez mais difícil de encontrar.
As reservas estão em campos ultra-profundos. Isso pode tornar os custos de exploração inviáveis?
Tertzakian - Não conheço especificamente a política brasileira de royalties e custos relacionados à extração de petróleo, mas existe uma tendência de que quando se tratam de águas profundas e super-profundas - um fenômeno que eu chamo de "ir até o fim do mundo" - para encontrar óleo, a descoberta de novas reservas no Brasil é a validação do fato de que nós estamos indo cada vez mais longe para encontrá-lo. Os custos são uma questão importante. Os campos mais complicados têm custos de extração da ordem de 50 dólares por barril. O ponto mais importante é o seguinte: trazer quantidades substanciais de petróleo até o mercado está se tornando muito, muito mais caro do que costumava ser.
Que impacto o anúncio da Petrobras terá sobre os mercados futuros?
Tertzakian - A Petrobras vai levar entre seis a sete anos para extrair esse óleo, um tempo consistente com a situação de águas profundas. Isso nos leva a 2015 e acontece que nós precisamos dessa quantidade de petróleo imediatamente. Esses campos deverão produzir um milhão de barris por dia e isso é muito bom. Entretanto, a demanda global de petróleo tem crescido na ordem de 1,5 milhão de barris de petróleo por ano. Portanto é improvável que a descoberta tenha um impacto significativo no preço do petróleo, porque a demanda tem crescido velozmente e cada gota de petróleo que é produzido vai ser necessário.
De que forma os novos poços brasileiros vão mudar a dinâmica geopolítica do mercado de energia?
Tertzakian - Não creio que os novos campos poderiam alterar significativamente o panorama geopolítico. O petróleo é uma commodity global - ele é precificado globalmente. Creio que é positivo para os Estados Unidos do ponto de vista da segurança energética que o petróleo tenha sido encontrado no hemisfério ocidental, num país com quem mantêm boas relações diplomáticas. Mas tenho certeza de que o interesse brasileiro será vender o petróleo para os países que oferecerem os termos mais atraentes. Logo, isso quer dizer que esse petróleo não irá necessariamente para os americanos.
Existe algum lado negativo em se tornar um país exportador de petróleo em tempos de globalização?
Tertzakian - Aqui no Canadá nós compreendemos muito bem a "maldição do petróleo." Por um lado, ter muito petróleo é positivo, porque ele nos traz prosperidade. Mas por outro, ele pode nos trazer problemas, porque quando você tem recursos tão valiosos, isso tende a criar inflação. No Brasil a situação seria melhor porque a sua população é muito maior do que a canadense. Portanto, quando acontece uma busca por investimentos em nossos recursos energéticos, nós não temos a mão-de-obra necessária para explorá-los. Nós tivemos um aumento tremendo de inflação por conta disso. Isso não acontecerá no Brasil, porque vocês têm muita mão-de-obra. Mas é importante que quando você tem essa prosperidade, você a administre bem.
Ao anunciar os novos poços, a Petrobras alterou as regras do jogo, cancelando o leilão de 41 blocos que aconteceriam na região das jazidas. Qual a sua opinião a respeito?
Tertzakian - Isso é muito consistente com o que está acontecendo com o resto do mundo onde empresas nacionais produzem petróleo. Elas estão se tornando cada vez mais confiantes e protetoras de seus recursos. E quando elas percebem que têm novas reservas e o preço do petróleo sobe, estando agora perto de 100 dólares por barril, o valor desses recursos deixa de ser medido apenas como uma commodity para se tornar um bem estratégico, que pode ser usado pelo governo para fazer política.
Em seu livro "Mil Barris de Petróleo por Segundo," o senhor dizia não acreditar que o etanol venha a ser a solução para a crise no mercado de energia. Ainda tem a mesma opinião?
Tertzakian - Sim. Não é que eu esteja dizendo que não existem oportunidades no mercado de etanol. Existem muitas, mas a maioria das pessoas não compreende a escala e o tamanho do problema - aquilo que chamo de vício do petróleo. Nos EUA, por exemplo, o consumo diário de gasolina chega a dez milhões de barris por dia. Essa é uma quantidade assustadora, correspondente a 400 milhões de galões por dia. Logo, como as quantidades são enormes, o etanol terá seu lugar, à medida em que houver uma infra-estrutura capaz de distribuí-lo. Mas em termos de resolver a questão, não creio que o etanol tenha a escala necessária para resolver a crise do mercado de energia. E existem também as questões relativas à competição entre o etanol e a produção de alimentos. Os EUA não têm como plantar cana-de-açúcar. Existem muitas diferenças entre os EUA e o Brasil, onde o etanol de fato tem escala.