Nelson Barbosa defende flexibilizar teto de gastos para investir
Ex-ministro da Fazenda disse ainda que o Brasil precisa se mover para produzir um superávit primário entre 1% e 1,5% do PIB
Estadão Conteúdo
Publicado em 9 de setembro de 2019 às 21h34.
O ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa voltou a afirmar que, na sua opinião, vale a pena flexibilizar o teto dos gastos para se investir mais. "Eu acho que vale a pena porque uma das condições que se avalia para saber se vale a pena investir mais é justamente a diferença entre a taxa de crescimento da economia e a taxa de juro", disse Barbosa, nesta segunda-feira, 9, no 16º Fórum de Economia que a Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo.
O que se vê hoje, segundo ele, é a taxa básica de juro caindo - a expectativa dele é a de que a Selic caia a 4,5% em termos nominais. "E o crescimento do nosso PIB, se pegarmos uma inflação de 3,5% mais um crescimento do PIB, está em 4,5%. Então o crescimento do PIB e o juro nominal estão quase na mesma taxa. Os financiamentos do governo são ligeiramente mais altos do que isso, mas a Selic é um bom guia", disse Barbosa.
De acordo com ele, quando se tem o "G" ficando ligeiramente superior ao "R", todas as teorias fiscais dizem que o governo pode fazer uma expansão fiscal limitada, obviamente, mas que aquilo tem menos custo fiscal. "O ponto é: com a taxa de juro se aproximando da taxa nominal de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), nunca foi tão barato para o governo emitir dívida e investir. Tem gente que acha que não é barato o suficiente, mas não tem como discordar de que nunca esteve tão barato para se financiar investimento", observou.
Para ele, a necessidade da economia em termos de desemprego e infraestrutura justifica uma iniciativa limitada e focada no investimento.
Superávit primário
O ex-ministro disse ainda que o Brasil precisa se mover no sentido de produzir um superávit primário da ordem de 1% a 1,5% do PIB, valor que as pessoas acham necessário para manter a dívida pública estável em proporção à renda da economia. "Estamos hoje com um déficit da ordem de 1% a 1,5%. Esse ajuste tem que ser permanente. Nada contra usar as receitas do petróleo e antecipação, coisas que todo governo faz, pode ser utilizado, mas como isso acontece todo ano, você tem que fazer também um ajuste estrutural do lado da receita e da despesa", disse.
Segundo Barbosa, o próximo passo deveria ser a reforma administrativa. Ele diz discordar do governo, que quer transformar isso numa discussão da estabilidade. "É o mesmo erro de querer transformar a discussão da Previdência na discussão sobre a capitalização quando a discussão mais importante nos servidores públicos é sobre qual é a carreira e qual é a remuneração.
"Você tem que criar novas carreiras com salários iniciais mais baixos para que os novos concursados já entrem numa estrutura mais racional. Tem que controlar gasto e tem que recompor a arrecadação também. A ironia é que o governo fala que não quer aumentar a carga tributária, por questões ideológicas, mas quer cortar desonerações, que eu concordo. Só que cortar desonerações é aumentar a carga tributária porque a arrecadação vai subir", avalia.
Para Barbosa, seja via corte de desonerações, seja via ajuste de alguns impostos de renda e patrimônio, que poderiam ser mais progressivos, por meio de "a história econômica mundial mostra que experiências bem sucedidas de ajuste fiscal combinam medidas do lado das receitas e do lado das despesas.
"Dificilmente alguém faz tudo do lado da receita ou só do lado das despesas. A gente, por questões ideológicas está Fla-Flu, mas o Brasil com uma sociedade avançada, quando chega ao Congresso ele esse encarrega de fazer o equilíbrio", afirmou a Barbosa.
Segundo Barbosa, parte a carga tributária está baixa porque a economia não está crescendo. Para ele, se a economia crescer 2 5%, as estimativas são de que a receita em termos de arrecadação cresça de 1% a 1,5% com a mesma estrutura de tributos porque as empresas têm mais lucro, os trabalhadores têm mais salários.
"Então, sem mudar a alíquota, se arrecada mais. Na questão da reforma tributária, o grande desafio é aumentar a progressividade na tributação direta e com isso se consegue fazer a reforma da tributação indireta e ai pode ter alguma desoneração de modo que no líquido fica estável".
O problema, de acordo com o ex-ministro, é que como todas as questões de tributação ela é basicamente uma questão de conflito distributivo porque mesmo que, na média fica estável, alguém sempre vai pagar mais e alguém pagar menos. "Este é o teste da sociedade brasileira de hoje. Vamos ter maturidade suficiente para discutir isso", questionou Nelson Barbosa.
Proposta de Jaques Wagner
O ex-ministro da Fazenda disse que apoia o programa que o senador Jaques Wagner (PT-BA) apresentou dias atrás no Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que propõe flexibiliza o teto dos gastos, autorizando o governo a investir até 1,5% do PIB todo ano.
Barbosa salienta que 1,5% do PIB é o investimento mais alto que o Brasil já fez. "Hoje estamos investindo 0,3%. Então o negócio é pegar este 1,5% do PIB e focar inicialmente em terminar as obras paradas. Não começar coisas novas, mas dar sequencia às várias obras de metrô, pavimentação, construção. Se você focar naquilo ali, com pouco recursos já termina aquela obra e já tem um grande impacto sobre a produtividade, gera emprego na construção civil e a Regra de Ouro permite que você emita dívida para financiar investimento", comentou o ex-ministro.
Barbosa destacou que a proposta de Jaques Wagner recebeu apoio de senadores do PSDB, do DEM e de vários outros partidos. "É uma proposta suprapartidária, está no Senado e se for aprovada vai para a Câmara. É uma autorização, utiliza se quiser, mas pelo menos tem esta autorização. Se você não está investindo é porque não quer porque o Congresso deu autorização para investir até 1 5% do PIB", disse, ressaltando que o que mais se precisa hoje é reativar a economia mais rapidamente.
"Então, se tiver espaço fiscal, se for para emitir dívida, é para gerar investimento que gera emprego e não para dar aumento real de salário mínimo nem aumentar outras transferências neste momento. A prioridade é gerar emprego e renda para quem está desempregado e não necessariamente aumentar o salário real de quem já está empregado. Não estamos mais nesta fase. Já teve fase que foi isso, mas hoje o crucial é combater a recessão, o alto desemprego", disse o ex-ministro, para quem dar essa autorização para o governo é uma saída.
Ainda de acordo com Barbosa, os investimentos hoje também não acontecem por questões fiscais e também regulatórias. "Esse é outro desafio porque os investimentos hoje não acontecem em parte, mesmo com recursos que o governo tem, gerando os chamados empoçamentos, por problemas regulatórios. Isso nós enfrentamos, o Temer enfrentou, o Bolsonaro está enfrentando. É suprapartidário. Tem muita coisa que não acontece porque nosso sistema de auditoria e controle não está funcionando no sentido das agências e as diversas autoridades conversarem entre si e destravarem o problema", explicou.