Economia

Na economia real, impacto do corte dos juros será só psicológico

A redução na taxa Selic foi surpreendente, não pelo montante envolvido, mas pelo fato de o Banco Central ter deixado de lado seu conservadorismo exacerbado dos últimos meses. Ë um tremendo engano imaginar que a inflação foi domada pelos juros elevados. Quando o Banco Central começou a elevar a Selic, a inflação já estava perdendo […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h28.

A redução na taxa Selic foi surpreendente, não pelo montante envolvido, mas pelo fato de o Banco Central ter deixado de lado seu conservadorismo exacerbado dos últimos meses.

Ë um tremendo engano imaginar que a inflação foi domada pelos juros elevados. Quando o Banco Central começou a elevar a Selic, a inflação já estava perdendo força, conforme se observa no quadro abaixo, no qual aparece uma série histórica a partir de janeiro de 1997 (veja o quadro abaixo).

Ao contrário. O aumento dos juros piorou o nível de desemprego, desistimulou mais ainda o investimento produtivo e gerou um desnecessário pessimismo entre os agentes econômicos, influindo diretamente no consumo.

Como a inflação do 2.o semestre do ano passado foi uma inflação de custos, puxada pela rápida desvalorização do real, medidas como a elevação dos juros pioram o cenário futuro. E foi realmente o que ocorreu.

Apesar de outros indicadores positivos, como a valorização do real e a diminuição do risco Brasil, o consumo mergulhou mesmo com a inflação em franca desaceleração.

A queda da Selic, ainda que tardia, melhora a percepção do mercado em relação à retomada das atividades econômicas nos próximos meses. Além disso, do ponto de vista macroeconômico, o impacto verdadeiramente positivo será no custo da dívida interna, que é diretamente influenciado pela taxa Selic.

Na economia real, no entanto, o impacto será apenas psicológico. É verdade que a redução da Selic aparece em um momento mais propício para boas notícias. A reforma da Previdência foi aprovada na Câmara em 1a votação e o Banco Central liberou parte do depósito compulsório dos bancos. Ao mesmo tempo, o governo começou uma intensa batalha de comunicação, como pôde ser observado no último fim de semana pela exposição do presidente da República em vários órgãos de imprensa.

Mas de prático mesmo não teremos grandes mudanças.

Em primeiro lugar, é duvidoso que o dinheiro liberado do depósito compulsório seja dirigido para a produção e o consumo. Nos últimos anos, os bancos giraram os recursos disponíveis nas suas tesourarias, e 22% ao ano continuam sendo extremamente atrativos para aplicações em títulos públicos. Além disso, uma maior liquidez no sistema financeiro poderá, em situações pontuais, aumentar a especulação com o dólar. Se a profecia estampada na pesquisa semanal Focus se auto-realizar, existe a oportunidade de ganhos de até 10% em apenas 4 meses.

É duvidoso também que as taxas de juros caiam a níveis adequados nos empréstimos que alimentam a produção e o consumo. Os spreads bancários estão tão elevados que a variação de 2,5 pontos percentuais na taxa Selic (base para a captação de recursos) terá repercussão mínima nas taxas vigentes. A produção é financiada a taxas médias de 45% ao ano, enquanto, para financiar o consumo, essas taxas chegam facilmente a 100%. Em casos pontuais, como no cheque especial e no financiamento rotativo dos cartões de crédito, as taxas atingem 250% ao ano. Isso mostra que não há relação de causa e efeito entre taxa Selic e queda no custo do financiamento a atividades produtivas. Em razão desses fatos, os apressados anúncios feitos na tarde ontem de que as taxas já estavam caindo obedecem mais às estratégias de marketing dos bancos que a medidas práticas.

Finalmente o principal fator que desistimula o consumo é queda brutal na renda média da população. Simplesmente não há poder aquisitivo para realimentá-lo.

Desse modo, apesar de a sinalização do Banco Central ser positiva, ainda há muito a fazer para que o Brasil retome o caminho do desenvolvimento de forma sustentada. O esperado espetáculo do crescimento continuará adiado pelo menos até o segundo semestre do próximo ano.

Um bom começo nessa direção poderia ser desonerar tributária dos salários, da produção e do consumo, passando a taxar apenas a renda e o lucro. Essa é uma grande oportunidade para os novos defensores das reformas no Brasil.

NELSON BARRIZZELLI é economista, professor da FEA-USP e especialista em Marketing de Varejo

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