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Mundo está mais instável e empresas têm que monitorar risco geopolítico, diz especialista

Julien Imbert, diretor do Boston Consulting Group (BCG), afirma que o modelo tradicional, que busca apenas cortar custos e ser eficiente, enfrenta desafios maiores devido a conflitos globais e eventos climáticos extremos

Guerra impactam empresas: especialsita diz que os choques recentes expuseram fragilidades estruturais em diversas indústrias (Fadel ITANI/AFP)

Publicado em 12 de janeiro de 2025 às 09h30.

Última atualização em 12 de janeiro de 2025 às 12h20.

Conflitos pelo mundo, como a guerra da Ucrânia e entre Israel e o Hamas,impactam diretamente como as empresas produzem e entregam seus produtos. Por isso, Julien Imbert, diretor do Boston Consulting Group (BCG), uma das maiores consultorias do mundo, afirma que as companhias precisam repensar as cadeias produtivas e monitorar riscos geopolíticos para não afetar a produção e distribuição.

"Tem que monitorar o risco geopolítico. Tem que ter, dentro da empresa, uma unidade que monitore isso para entender o que está acontecendo. Além disso, é preciso criar transparência na cadeia, entender melhor seus fornecedores e os fornecedores dos seus fornecedores", disse em entrevista à EXAME.

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Segundo o especialista, o modelo tradicional, que busca apenas cortar custos e ser eficiente, enfrenta desafios maiores devido aconflitos globais e eventos climáticos extremos, como guerras, secas e enchentes, que interrompem o fluxo de mercadorias.

Imbert diz queos choques recentes expuseram fragilidades estruturaisem diversas indústrias, desde o setor automotivo até o agronegócio, e defende que empresas adotem ferramentas para monitorar riscos em tempo real.

"A gestão proativa é essencial para evitar impactos severos, como interrupções de produção por falta de componentes críticos", afirma.

O diretor cita o exemplo da Apple, que está diversificando sua produção com fornecedores fora da China, como na Índia.

"Essa movimentação visa reduzir vulnerabilidades em situações de risco político ou climático", diz.

Veja a entrevista completa:

Como você avalia as mudanças nas cadeias globais nos últimos anos?

Nosso relatório destaca que o mundo está enfrentando uma fragmentação crescente, com maior desconfiança e encurtamento de cadeias de suprimentos. Fatores como guerras, mudanças tarifárias e crises climáticas aumentaram os riscos para as empresas, que precisam se adaptar a essa nova realidade.

Como essas mudanças começaram a ser percebidas?

Esses temas já vinham sendo discutidos antes de eventos recentes, como guerras e a pandemia. A quebra das cadeias começou a aparecer no período do COVID-19, mas a estabilidade geopolítica, que prevaleceu por décadas, já estava se deteriorando. Além disso, a estabilidade climática também mudou, trazendo impactos diretos para diversas indústrias.

Que tipo de impacto isso tem nas empresas?

Indústrias de bens estão entre as mais afetadas. No modelo tradicional, as cadeias de suprimentos eram otimizadas para custo e eficiência, como o just-in-time. No entanto, esse sistema é frágil diante de mudanças abruptas. Um exemplo claro foi a crise de semicondutores, que paralisou o setor automotivo. Outro exemplo, no Brasil, no setor automobilístico, tivemos fabricantes que ficaram parados porque dependiam de um único fornecedor para um componente específico do carro, como retrovisores. Era uma peça super barata, que não parecia crítica, mas, se o fornecedor para de entregar, você não consegue finalizar o carro. Sem retrovisor, o carro não pode ser vendido. Esse é o tipo de fragilidade que estamos vendo nas cadeias de suprimentos.

"E como as empresas podem lidar com esse mundo de encurtamento de cadeias,nearshoringe todos os choques disponíveis?

Tem que monitorar o risco geopolítico. Tem que ter, dentro da empresa, uma unidade que monitore isso para entender o que está acontecendo. Além disso, é preciso criar transparência na cadeia, entender melhor seus fornecedores e os fornecedores dos seus fornecedores. A crise dos semicondutores no setor automobilístico, por exemplo, poderia ter sido prevista há anos, porque já dava para ver sinais disso. As empresas precisam olhar mais profundamente para essas cadeias e ter mais clareza sobre os riscos críticos.

A regionalização pode ser uma alternativa eficaz?

Sim, a regionalização é uma tendência em crescimento. Fabricar tudo em um único local, como na China, era viável quando custos de transporte eram baixos e os riscos geopolíticos eram menores. Hoje, com tarifas, guerras e mudanças climáticas, faz mais sentido ter fábricas menores e mais próximas dos mercados consumidores. Isso também pode ser uma oportunidade para a reindustrialização em países como o Brasil.

Tem exemplos?

A Apple é um bom exemplo. Eles dependem muito da Foxconn, que fabrica quase todos os seus produtos. Nos últimos anos, a Apple e a Foxconn têm trabalhado para diversificar essa produção, que era quase toda concentrada na China. Agora, eles começaram a abrir fábricas em outros lugares do mundo, como na Índia. Esse movimento é interessante porque reduz os riscos geopolíticos e climáticos, como os que mencionamos antes.

E quanto às políticas de Trump? Como elas influenciaram o comércio global?

O primeiro mandato de Trump mostrou que ele usou tarifas como arma política de negociação. Não necessariamente implementou tudo o que falou, mas demonstrou que o mundo pode ter mais barreiras tarifárias. Isso vai depender de cada setor. Para alguns setores, como o de aço nos Estados Unidos, pode ser uma oportunidade, pois protege a indústria local. Por outro lado, setores que dependem de aço mais barato podem ser prejudicados. O impacto varia de setor para setor, e as empresas precisam mapear isso, porque esses equilíbrios tarifários estão sempre evoluindo

Como as mudanças climáticas entram nesse cenário?

Elas têm dois impactos principais: no transporte e na produção. Por exemplo, a seca no Canal do Panamá reduziu em 29% o fluxo de mercadorias este ano, afetando empresas que dependiam dessa rota. Já enchentes, como as no Rio Grande do Sul, paralisaram fábricas e dificultaram o escoamento de produtos agrícolas. Esses eventos estão cada vez mais frequentes e exigem atenção das empresas.

A tecnologia pode ajudar na gestão desses riscos?

Sem dúvida. No BCG, desenvolvemos ferramentas como o Supply Chain Risk Management Tool, que monitora riscos em fornecedores. Ela detecta sinais de problemas, como mudanças no padrão de faturamento, permitindo que as empresas ajam antes de serem impactadas.

Qual é a principal recomendação para as empresas neste cenário?

É fundamental que as empresas incorporem a gestão de riscos em suas estratégias. Ignorar esses riscos ou ser apenas reativo pode custar caro, seja em receitas, lucros ou até na sobrevivência da própria empresa. A resiliência precisa ser uma prioridade.

Para finalizar, você acha que isso tem que virar prioridade das empresas, especialmente para aquelas que dependem de fornecedores e estão inseridas em cadeias globais?

O mundo está mais instável, e as empresas precisam estar preparadas para mudanças rápidas e imprevistos. Os eventos climáticos severos, como secas e enchentes, são cada vez mais frequentes, e as transformações geopolíticas, como guerras e mudanças nas regras comerciais, podem acontecer de forma abrupta. As empresas não podem mais ser reativas; precisam incorporar a resiliência em suas estratégias, pois a falta de preparo pode custar caro, tanto em termos financeiros quanto de sobrevivência.

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