Mercado já aposta no 10º calote da dívida da Argentina
Quando a Argentina saiu do último grande default, em 2005, o spread dos novos títulos era menos da metade do atual.
Ligia Tuon
Publicado em 20 de agosto de 2020 às 18h13.
Última atualização em 21 de agosto de 2020 às 23h22.
Nas próximas semanas, se tudo correr conforme o plano, autoridades argentinas darão os toques finais em um acordo de reestruturação de títulos e encerrarão o nono episódio de calote da dívida na história do país.
Operadores do mercado de títulos já estão se preparando para o décimo. Eles se recusam a subir o valor dos títulos antigos que serão trocados até o preço acertado pelo governo e os principais grupos de credores. Ao fazer isso, manifestam profundas dúvidas sobre a capacidade do governo de honrar suas obrigações, mesmo após o acordo que reduziu em US$ 38 bilhões o montante devido na próxima década.
O preço vigente em Wall Street para os títulos antigos — cerca de 44 por cento do valor de face — implica que os novos títulos concedidos em troca serão negociados inicialmente com rendimento de quase 12%. Ou seja, mais de 11 pontos percentuais acima da referência estabelecida pelos títulos do Tesouro americano.
Esse spread faz com que a dívida seja considerada em “estresse” e sinaliza alto risco de inadimplência. Quando a Argentina saiu do último grande default, em 2005, o spread dos novos títulos era menos da metade do atual.
Mas as circunstâncias eram muito diferentes naquela época, tanto em casa quanto no exterior. A economia chinesa crescia à velocidade da luz, embalando a demanda pelas principais exportações argentinas: soja e milho. Os cofres públicos em Buenos Aires ficaram subitamente cheios e a economia local estava se expandindo.
Hoje, com a pandemia do coronavírus devastando a economia mundial e a demanda por commodities, a Argentina está atolada em uma profunda recessão. Especialistas preveem contração de aproximadamente 12% este ano. O presidente Alberto Fernandez, de esquerda, não demonstra inclinação para tratar as falhas estruturais nas contas públicas. Com um enorme déficit no orçamento e incapaz de atrair investidores para obter novos empréstimos, a nação imprime dinheiro tão rápido que recentemente esgotou sua capacidade de impressão e precisou importar cédulas.
“Não vejo como isso poderia acabar bem”, disse Joaquin Almeyra, operador de renda fixa da Bulltick, em Miami. “O país tem problemas demais e esta é uma das razões para não haver novos investidores comprando papéis da Argentina.”
O mercado está enviando um recado claro: apesar de todos os esforços para tornar seu endividamento mais administrável, a Argentina aceitou pagar aos credores mais do que poderia, cerca de 55 por cento do valor de face dos títulos.
A assessoria de imprensa do Ministério da Economia não quis comentar os termos do acordo nem os preços praticados no mercado.
Em 4 de agosto, durante uma análise predominantemente elogiosa do acordo recém-anunciado, o ministro da Economia, Martin Guzman, disse que ainda existem riscos. “No âmbito de uma notícia muito positiva, nós também precisamos manter alguma cautela e entender que os problemas não terminam aqui, mas que este é um passo importante”, disse ele a repórteres.