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Maciel, da Bloomberg: “queda de juros é precipitada”

Camila Almeida O recente corte na taxa Selic, que determina os juros básicos na economia brasileira, surpreendeu analistas. O Banco Central, em janeiro, baixou a taxa de 13,75% para 13% em janeiro, após quedas sucessivas desde outubro, quando a taxa estava em 14,25%. Apesar dos cortes, a taxa segue sendo a mais alta do mundo […]

MARCO MACIEL: queda nos juros devem trazer impacto econômico apenas em 2018 / Divulgação
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Da Redação

Publicado em 23 de janeiro de 2017 às 13h43.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h17.

Camila Almeida

O recente corte na taxa Selic, que determina os juros básicos na economia brasileira, surpreendeu analistas. O Banco Central, em janeiro, baixou a taxa de 13,75% para 13% em janeiro, após quedas sucessivas desde outubro, quando a taxa estava em 14,25%. Apesar dos cortes, a taxa segue sendo a mais alta do mundo e a nova expectativa do mercado é de que ela fique abaixo dos 10% até o final deste ano. A menor taxa que o Brasil já viu foi de 7,25%, entre outubro de 2013 e abril de 2013.

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Para o economista Marco Maciel, analista para o Brasil da Bloomberg Intelligence, agência especializada em geração e análise de dados para o mercado financeiro, as investidas são precipitadas. Num momento em que a economia brasileira ainda vai piorar – ao menos até o meio do ano – e num cenário desfavorável internacionalmente, a palavra da vez deveria ser “cautela”. Marco Maciel é PhD em macroeconomia e tem mais de 15 anos de experiência na cobertura da economia brasileira, tendo trabalhado em diversos bancos de investimento. Em entrevista a EXAME Hoje, Maciel explicou porque alterações na política monetária só vão surtir efeito no ano que vem, quando o país tiver voltado a crescer.

A projeção que você fez para este ano, inicialmente, já precisou ser alterada, com a alteração da taxa Selic pelo Banco Central. O que essa baixa de juros mais brusca do que se imaginava vai significar para a economia brasileira?

Quando a economia está muito aquecida, a política monetária funciona muito rápido. As pessoas pouco endividadas, o desemprego baixo, os bancos com apetite de risco. Então, a política monetária funciona muito rápido. O que acontece: queda de juros gera um aumento de atividade rapidinho quando está tudo bem na economia. Principalmente quando as pessoas físicas e jurídicas estão pouco endividadas. Isso é o contrário do que está acontecendo agora no Brasil. A defasagem de política monetária agora é a mais alta, podendo variar entre 9 e 12 meses. Então, por mais que o Banco Central insista em derrubar o juro, o canal está emperrado.

Então, o fato de abaixar os juros agora não quer dizer que isso vai gerar um aquecimento rápido na economia. Por quê?

Porque o desemprego ainda sobe até o final do primeiro trimestre; vai chegar a 13%. Os bancos ainda estão emperrados. O apetite de banco grande para crédito pessoal é baixo nesse momento, falando de bancos privados. E os bancos públicos não têm mais a mesma disponibilidade em relação ao próprio patrimônio para emprestar recursos, especialmente para pessoa física. O governo, com déficits primários persistentes, não tem como capitalizar os bancos públicos para sair dando empréstimo ao bel prazer, ou para cumprir vontades políticas. Por isso que, para mim, o crédito continua emperrado até o meio do ano, quando as coisas começam a melhorar, o desemprego começa a cair no quarto trimestre. Por isso, a política monetária vai ter mais eficácia no ano que vem.

Por que o desemprego vai melhorar no quarto trimestre?

As empresas estão com um nível de produção na economia que já está começando a encontrar o fundo do poço. Ele continua caindo, mas antes caía a dois dígitos, agora cai a um dígito, daqui a pouco vai ficar no zero a zero. Não tem mais para onde demitir, estamos chegando no osso. Demitindo mais gente, se tiver qualquer retomadazinha na economia, o empresário não vai ter o mínimo de mão-de-obra especializada nas suas fileiras. Essa é a ideia do desemprego chegando ao seu patamar máximo. Quando o desemprego e os índices de inadimplência estabilizarem, e isso tende a acontecer mais para o meio do ano, todo mundo começa a olhar para o cenário um pouco mais favoravelmente. Além disso, o risco político no Brasil caiu muito, e isso afetou bastante os índices de confiança.

O senhor está falando como se fosse tudo muito cíclico. O governo defendeu que adotaria políticas que iam ajudar a melhorar a economia. Essas medidas, apesar de anunciadas, ainda não tiveram impacto real sobre as nossas vidas. Entretanto, já estamos vendo os sinais de melhora na economia. Essas medidas não têm impacto direto nesses ciclos?

As medidas acabam tendo impacto sobre a expectativa empresarial. Isso é um ponto muito importante. O teto de gastos, uma reforma da previdência extremamente dura, a possibilidade de uma reforma trabalhista também dura… Essas medidas, mais a queda de juros, o câmbio estável e obviamente a boa notícia de uma expectativa de inflação mais baixa, colaboram para ancorar as expectativas. O governo apresentou tudo isso. Por mais que boa parte da população brasileira discorde desse tipo de reforma, o empresariado não discorda, e o mercado financeiro também não. Isso traz uma calmaria para o câmbio e para o risco Brasil muito grande. Bate na veia na melhora dos índices de expectativas empresariais. Teve um impeachment. Se o governo não fizesse absolutamente nada, se não apresentasse reforma alguma, o câmbio estaria em 4 reais por dólar, o índice de expectativa estaria no beleléu, o desemprego estaria talvez pior do que está e a crise duraria mais tempo. Eu projetaria mais uma recessão este ano, mais uma recessão ano que vem – ou uma leve recuperação, por vergonha de dizer que viria mais uma recessão.

Por que essa crise é tão longa?

São ciclos. Exageramos nos investimentos, se criou capacidade para caramba no país, o desemprego chegou – olhando a Pnad – a 6%, isso é muito baixo. O problema é que a gente agora está num fundo do poço muito mais baixo do que seria para um ciclo normal da economia brasileira. Isso tem a ver com excessos. Famílias se alavancaram, principalmente a nova classe média – quem ganha de 2 a 6 salários mínimos, que são 120 milhões de brasileiros. Fiz uma estimativa quando trabalhava no Banco Pine, com base em dados do varejo. O endividamento de quem ganhava de 3 a 5 salários chegou a 65% do total do rendimento. Em 2003, era abaixo de 10%. Então, o ciclo se tornaria mais longo naturalmente pelos excessos. Esse não é um bom termo: pela mudança da economia. Famílias se endividaram mais, empresas se endividaram mais, bancos se alavancaram mais, bancos de médio porte adentraram no varejo e, naturalmente, esse novo Brasil já viveria uma crise mais longa. É o que a gente chama de estrutura. Qualquer setor que investiu demais, depois que esses investimentos maturam, em algum momento ele vai se encontrar com um excesso de capacidade. E aí ele para de investir, para de contratar, para de puxar o setor produtor de bens de capital, para de puxar as importações de bens, e isso começa desenhar um descenso cíclico – e depois a crise. Isso com tudo funcionando bem. Agora imagina com tudo funcionando mal. Com problemas fiscais de descontrole fiscal e a própria Lava-Jato, que pegou no coração da indústria de infraestrutura brasileira, que responde por pelo menos 60% dos investimentos brutos no Brasil. A crise é muito violenta.

O Banco Central está sendo precipitado em baixar os juros antes de a economia ter melhorado o bastante?

À luz da minha projeção, é precipitado. Mas dentro do que o Banco Central reproduz dentro do modelo dele, não. Sempre que eu projeto um juro abaixo de 10% este ano, a inflação do ano que vem vai para 5%. Quando o Banco Central olha para o modelo dele, dá uma inflação para o ano que vem de 3,6%. Mas eu coloco várias coisas dentro que o Banco Central também coloca, mas não fala. Eu simulo choques no câmbio, que pode sofrer uma desvalorização com muita volatilidade, por exemplo.

Os juros vão mesmo cair mais até o final do ano?

Eu tenho que dizer pra você o que o Banco Central vai fazer, e ele está com toda a cara de que vai levar esse juro para 10% até o final do ano, porque ele acha que não aumenta a inflação. Ele tá muito confiante nisso. Com essa mudança, o Banco Central está dizendo é: fiz o meu trabalho na inflação, agora eu posso focar na atividade. A minha Selic para o final deste ano era de 11,25%. Já mudei para 10,75%. Agora, o Banco Central vai fazer o que ele acha. Dane-se minha projeção de inflação para o ano que vem.

Por que o senhor está tão preocupado com essa inflação?

Porque é uma inflação que, para um juro que começa a procurar um dígito, não cede. E a verdade é que temos que buscar uma inflação cadente no Brasil, com um centro da meta também cadente. Em 2019, temos que cobrar o centro da meta sendo reduzido para 4% ou 3,5%, e não rezar para que a inflação no resto do mundo volte a subir. A economia brasileira está sempre muito sujeita a choques, pelos ciclos eleitorais, por problemas de commodities… Ano que vem é ano de eleição e o Lula pode aparecer como candidato. O mercado hoje odeia o Lula e qualquer coisa que se diga do PT. E o cenário externo não é mais tão favorável. Os juros vão começar a subir lá fora e tudo isso gera uma instabilidade potencial sobre a moeda muito grande, que bate sobre a inflação. Hoje, estamos passando por um processo desinflação por ser um momento de apreciação grande do real ou por que estamos vivendo uma recessão que dura dois anos? Mudou alguma coisa para melhor? O padrão de produtividade cresceu? Não. Num momento em que a produtividade é baixa, o desemprego é alto, as famílias estão endividadas, os bancos restringindo créditos, é o momento de reduzir os juros o mais rápido possível? Minha resposta é não, não é. Pelo contrário. Nós estamos saindo do poço diante de um cenário externo potencialmente desfavorável. O momento é para ter cautela.

Há alguma chance de haver influência política nessa decisão?

Acho que não. Não acho que o Ilan entraria numa conversa dessas, ele não precisa disso. Ele é funcionário de carreira no Banco Central, tem uma belíssima carreira no setor público como ex-diretor de política econômica, tem uma belíssima carreira no setor privado, como economista gestor do Gávea, da Ciano e depois como economista chefe do Itaú, onde fez um belíssimo trabalho à frente da instituição. Acho díficil. Se o presidente tiver dito: “Ilan, precisamos reduzir essa taxa”. Ele deve ter respondido: “É, presidente, também acho, na hora oportuna reduziremos”. Isso é bem o tipo do Ilan.

O FMI fez uma previsão bem pessimista em relação ao Brasil e revisou nosso crescimento para baixo, prevendo uma alta de meros 0,2%, e está também pessimista em relação à América Latina. Por que esses fundos têm um olhar mais negativo sobre nós, enquanto ainda conseguimos ser um pouco mais otimistas?

Acho que inverteu o papel. Eles costumavam ser bem mais otimistas do que nós. Eles olham muito para o superciclo de commodities, e elas estão infladas para burro agora. O FMI está olhando para o cenário externo: o juro vai subir nos EUA, em algum momento vai subir também na Europa e isso tende a afetar a atividade mundial. A china vem sofrendo desaceleração do crescimento. O superciclo de commodities acabou. Portanto, Brasil, México, Peru, Chile… Esses países vão apanhar. Nossos modelos de crescimento não são tão atrelados assim ao superciclo de commodities. E eu não acho que estamos sendo otimistas. Estou projetando 0,5%, e não mudei minha projeção em nenhum momento. Eu tenho que falar isso porque, todo mundo estava com 2%, falaram que eu estava maluco. Agora que todo mundo está com 0,5%, eu sou o otimista? Vão para o inferno, né.

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