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Lula constroi narrativa de aclamação com discurso de "museu de grandes novidades", diz Meirelles

Desafio do ex-presidente será dialogar com o centro e com uma nova juventude, menos fabril e mais conectada; "Ele terá que falar de futuro", avalia o pesquisador Renato Meirelles

Renato Meirelles, pesquisador e sócio do Instituto Locomotiva: "A medida tem um potencial grande de estrago a curto prazo para o governo" (Claudio Belli/Divulgação)
FS

Fabiane Stefano

Publicado em 11 de março de 2021 às 17h37.

Última atualização em 11 de março de 2021 às 17h37.

Diferentemente do discurso de quando deixou a prisão em Curitiba, em novembro de 2019, as falas do ex-presidente Lula no Sindicato dos Metalúrgicos nesta quarta-feira (10) tiveram um tom mais conciliador. Em busca de diálogo com o centro político, o petista revisitou os tempos áureos de seu governo, lembrando muito mais o Lula de 2002 - que redigiu a "Carta ao Povo Brasileiro" e cujo vice era José de Alencar - do que o estridente Lula de 89.

Na avaliação do pesquisador Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, mesmo sendo um "museu de grandes novidades" (em alusão à musica de Cazuza, O Tempo não Para), o discurso de Lula é o primeiro passo na construção de uma narrativa de aclamação - daí, inclusive, a não-confirmação da sua candidatura de imediato.

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"Não está posto que o Lula será candidato. O que ele precisa é estar em condições de ser o principal eleitor, o principal influenciador da campanha eleitoral de 22. Se ele vai ou não se candidatar, é uma decisão futura", disse Meirelles em entrevista à EXAME.

Para funcionar, entretanto, essa narrativa precisa conversar não só com o centro político, mas também com a nova juventude, menos fabril e mais conectada, que nasceu na bonança econômica e sente agora, pela primeira vez, os efeitos de uma crise política e econômica. "Nenhuma dessas duas tarefas é fácil, pela simbologia do Lula e do PT. Possível é, mas o legado, ainda que indiscutível, não bastará. Ele terá que falar de futuro", afirmou o pesquisador.

Apesar de o mercado não ter sido impactado pelo pronunciamento do ex-presidente, Meirelles lembra que há um descontentamento grande por parte do capital produtivo e financeiro com a deterioração do cenário econômico brasileiro, e que Lula já provou mais de uma vez seu perfil conciliador - nas Diretas e novamente em 2002.

"Ao mesmo tempo, Lula também não corre o risco de cair em uma discussão de costumes durante o processo eleitoral, como aconteceu com a esquerda em 2018, porque ele sabe que o debate que importa, tanto para o mercado quanto para a população, é emprego, renda e oportunidade", disse.

LEIA ABAIXO A ENTREVISTA COMPLETA

EXAME: Como você avalia o discurso do Lula ontem? Ele está mesmo de volta ao jogo? Vai ser candidato?

O discurso do ex-presidente Lula ontem teve a postura de um estadista, ainda que fosse num tom "museu de grandes novidades".  Mas essa narrativa contrasta com a postura do atual chefe de estado como há muito tempo não se via. Ontem, pela primeira vez em muito tempo, quem falou foi o Lula de 2002/2003, o Lula Paz e Amor, e não o de 89. Ele falou para o centro, não para os extremos, e com uma genialidade retórica que eu, como analista de opinião pública, não tenho como não notar.

Já foi possível avaliar o impacto desse discurso no eleitorado?

Nos grupos qualitativos que montamos neste pouco tempo, a percepção é de que Lula resgatou um passado distante, quase nostálgico, que parece outra vida para os brasileiros. E não é só saudade da bonança econômica, mas de uma narrativa que ofereça perspectiva de futuro e de união, sem divisão da sociedade. Isso tem uma adesão gigantesca.

Como você avalia o reação do mercado financeiro?

Um erro bastante comum na análise sobre o mercado é achar que o mercado é uma coisa só. Traders são uma coisa, grandes investidores são outra. Seja no capital produtivo ou financeiro, há um descontentamento com o governo Bolsonaro, porque não há segurança jurídica, não tem crescimento... Sem contar a deterioração da reputação internacional do Brasil, que torna o processo de atração de investimento externo mais difícil.

O Lula participou das diretas e, diferente do Bolsonaro, ele sabe a importância de se fazer políticas de conciliação - inclusive sinalizou isso ao lembrar que todos ganham com o crescimento do país. Ele também debochou do negacionismo, que prejudica os mercados… O que o mercado quer, de verdade, é o fim dessa instabilidade política.

Mas o mercado financeiro iria preferir Lula a Bolsonaro?

Uma coisa que já estava clara mesmo antes dos acontecimentos dessa semana é que, caso Bolsonaro fosse reeleito, não seria pelos mesmos votos que o elegeram em 2018. A estratégia dele é semelhante a do Lula: foi eleito pela classe média e depois migrou sua popularidade para as classes mais baixas, beneficiadas pelo governo dele.

Isso significa que, se Bolsonaro quiser manter suas chances de ir ao segundo turno em 2022, ele terá que tomar medidas que fazem o mercado não gostar dele, como controlar preços e ampliar os programas sociais. Ao mesmo tempo, diferentemente do que fez a esquerda em 2018, o Lula não corre o risco de cair em uma discussão de costumes durante o processo eleitoral porque ele sabe que o debate que importa é emprego, renda e oportunidade.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro ainda é muito popular, com apoio de cerca de 30% dos brasileiros. Como fica esse jogo?

Com essa postura mais populista do Bolsonaro, a popularidade dele vinha crescendo nas classes C, D e no Nordeste. Isso tende a diminuir com a entrada do Lula no jogo, porque a memória dessa parcela da população em relação ao governo dele é muito presente.

Por outro lado, o Lula faz com que uma parte da classe média volte a votar no Bolsonaro, contra o “mal maior” que era o PT. A questão é o tamanho disso. A definição do resultado virá da capacidade de um candidato de centro crescer, rompendo o processo. A disputa é pelas franjas, não é pelos convertidos.

O que o eleitor de 2022 quer dos candidatos à Presidência?

Em cenários de crise, as pessoas procuram candidaturas fortes. Mas em uma disputa entre dois ex-presidentes, existe uma comparação dos legados. Precisamos lembrar que o Lula não é a Dilma e, ao contrário dela e do próprio Bolsonaro, tem um legado que é inquestionável.

Podemos discutir ou não se foi por conta do boom commodities, mas Lula deixou a presidência com aprovação alta e o então presidente americano, Barack Obama, dizendo que ele era “o cara”. No discurso, ele relembrou a melhor fase dos governos do PT, quando o Brasil era respeitado internacionalmente, falava com os investidores estrangeiros e havia uma coalizão entre ricos e pobres que criou um processo de distribuição de renda. Isso é inquestionável do ponto de vista narrativo.

O Brasil está muito diferente do que era há 10 anos, quando Lula deixou o poder. As mesmas estratégias do passado funcionam no Brasil de hoje?

O Lula lembrou de um passado que o brasileiro estava com saudade de lembrar, mas talvez não foi capaz de falar sobre o futuro. Se ele quiser se firmar como candidato, o desafio é ele se mostrar atual, contemporâneo, para dialogar com uma juventude que é diferente das fábricas, que nasceu conectada e que quer ser dona do próprio negócio.

Outro desafio, claro, é unir o Brasil. Nenhuma dessas duas tarefas é fácil, pela simbologia dele e do PT. Possível é, mas o legado não bastará. Ele terá que falar de futuro.

Mas essa conexão pelas redes sociais o Bolsonaro consegue fazer, não?

Ele soube e sabe. Mas essa ferramenta é mais eficiente num cenário de revolta da população, quando se questiona o establishment. Fica mais difícil quando você é o establishment. Além disso, os mais jovens têm ojeriza a processos de manipulação e está começando a ficar cansada da polarização.

A valorização do jornalismo profissional e a aversão a fake news tende a crescer nessa juventude, porque ela tende a não querer ser manipulada. A esquerda está mostrando um aprendizado nisso, e a campanha do Guilherme Boulos, do PSOL, à prefeitura de São Paulo, prova isso cabalmente. Foi uma campanha propositiva que conversou com os jovens usando o humor, mesmo perdendo nas urnas. Existem outras formas de utilizar as redes - ao invés da lógica da denúncia, ir pelo caminho da construção de consensos.

Qual deve ser a estratégia de Lula para criar esses consensos em meio à tamanha polarização?

Lula sabe mais que qualquer político que a oposição está desarticulada, e a prova disso foi a incapacidade da oposição de capitalizar o auxílio emergencial, que o Bolsonaro era contra, mas acabou levando os louros. Um erro desse não deve se repetir daqui pra frente.

Não está posto que o Lula será candidato, mas o primeiro passo foi dado ontem, pela construção de uma narrativa de aclamação. O que ele precisa, independente da candidatura, é estar em condições de ser o principal eleitor, ser o principal influenciador da campanha eleitoral. Se ele vai ou não se candidatar, é uma decisão futura.

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