Economia

Limite de 500 reais é balde de água fria para impacto econômico do FGTS

Mercado estima que saques de contas ativas e inativas devem gerar impacto de apenas 0,1 ponto percentual no crescimento do PIB deste ano

 (Cris Faga/NurPhoto/Getty Images)

(Cris Faga/NurPhoto/Getty Images)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 24 de julho de 2019 às 13h50.

Última atualização em 5 de agosto de 2019 às 12h06.

São Paulo - O governo federal confirmou nesta quarta-feira (24) que vai fazer uma nova liberação do saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

Ele vale para contas ativas e inativas. O valor a ser retirado depende do saldo, mas todos terão limite de 500 reais. 

Não haverá mudanças na multa de 40% sobre o saldo total do FGTS a ser paga pelos empregadores em caso de demissão sem justa causa.

A expectativa oficial é de que a medida atenda 96 milhões de trabalhadores, donos de 260 milhões de contas ativas e inativas no fundo. 80% dessas contas tem saldo abaixo dos 500 reais.

A ideia é gerar um estímulo de curto prazo enquanto o andamento de reformas estruturais, como a da Previdência, não surta maior efeito.

“É algo emergencial, sim, é emergencial, porque a nossa economia não vai bem, né, se bem que já está dando sinais de recuperação. E eu acho que dá para a gente ajudar bastante no corrente ano, entrando um dinheirinho no comércio aí”, disse Bolsonaro nesta manhã em entrevista.

O Ministério da Economia estima um acréscimo de 0,35 ponto percentual no crescimento da economia nos próximos 12 meses e a criação de três milhões de empregos formais em 10 anos, mas as estimativas do mercado são bem mais modestas.

O valor total a ser liberado é similar ao do governo Temer (cerca de R$ 40 bilhões), mas o impacto no crescimento econômico deve ser menor pois será mais diluído ao longo do tempo. Além disso, como o valor liberado é baixo, há o risco de que muitas pessoas nem irão sacar.

"Antes, o impacto já era pequeno. Agora, limitando a 500 reais o valor do saque, não vejo como poderia ajudar", diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

As previsões tanto do governo quanto do mercado são de crescimento do PIB na faixa de 0,8% neste ano. Nos cálculos de Vale, considerando que parte dos saques será direcionado a pagamento de dívidas, o impacto no PIB deste ano ficaria entre 0,1 e 0,2 ponto percentual extra.

 

Andre Perfeito, economista-chefe da Necton Corretora, também estima um impacto de 0,10 ponto percentual levando o crescimento do ano de 0,5% para 0,6%, na ponta mais pessimista do mercado.

Vitor Velho, economista da LCA Consultores, estima um impacto de 0,15 p.p. no PIB de 2019 e de 0,10 p.p. no PIB de 2020 caso o governo liberasse R$ 46 bilhões nos 6 meses a partir de setembro,

O Ministério da Economia informou que R$ 30 bilhões seriam liberados neste ano (R$ 28 bilhões do FGTS e R$ 2 bilhões do PIS/PASEP) e R$ 12 bilhões no ano que vem, num impacto total de R$ 42 bilhões.

"Eles (governo Temer) soltaram de uma vez só, nós vamos soltar todo ano", disse o ministro Paulo Guedes a jornalistas ontem.

Em 2017, a gestão de Michel Temer liberou saques das contas inativas do FGTS. A injeção de recursos na economia foi de aproximadamente R$ 44,3 bilhões, equivalente a 0,71% do PIB.

Com base em pesquisas qualitativas do Ibre/FGV em 2017 e de um mapeamento feito pelo Banco Central no início de 2018, Vitor Velho, da LCA, um terço deste valor virou consumo e o impacto no PIB foi de 0,2 ponto percentual.

O motivo é que uma parte do valor é utilizada para o pagamento de dívidas. O percentual de famílias brasileiras com dívidas estava em 62,4% em março, praticamente a mesma taxa registrada no final de 2017, segundo dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

O valor total médio das dívidas com pagamento em atraso, no entanto, está caindo: foi de R$ 2.980 em 2017 para R$ 2.615,98 em 2018, segundo estudo do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) com a CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas).

O SPC ressaltou que isso não reflete uma melhora no poder aquisitivo e sim que com a crise econômica, as famílias não estão contraindo novas dívidas, porque sabem que não vão conseguir pagar.

Vai e volta

O anúncio dos novos saques do FGTS estava marcado para a semana passada, durante a solenidade de 200 dias de governo Bolsonaro, mas acabou sendo adiada por conta de pressão por parte das empresas da construção civil.

O motivo é que uma retirada maciça de recursos do FGTS afetaria o setor, já que o fundo é usado para o financiamento de imóveis, de saneamento básico e infraestrutura a juros mais baixos.

O anúncio do limite de R$ 500 para este ano seria uma forma de não atrapalhar a construção civil, um dos setores mais prejudicados na crise econômica e que tem entre seus apoiadores o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

Futuro

O secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, disse ontem que as mudanças no FGTS não serão “repeteco” das anunciadas pelo governo Michel Temer porque terão impacto de “curto e longo prazos”.

A partir do ano que vem, a ideia do governo é permitir que os trabalhadores tenham direito a uma nova modalidade de retirada dos recursos: o “saque aniversário”.

Se escolher essa opção, o trabalhador abre mão de resgatar a totalidade do fundo caso seja demitido sem justa causa e continuaria a sacar a parcela dos recursos anualmente até acabar.

Para Vale, o governo precisa focar em soluções estruturais, inclusive para o FGTS, "e não perder tanto tempo com elementos que vão causar desgaste e não vão ajudar tanto a economia".

Uma opção seria usar o FGTS como fundo-base para um eventual regime de capitalização na Previdência, proposta de Guedes que acabou sendo excluída da reforma no Congresso.

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