CONSTRUTORAS: companhias endividadas tem alta na bolsa, mas ainda enfrentam desafios / Germano Lüders
Letícia Toledo
Publicado em 6 de janeiro de 2017 às 18h55.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h34.
Letícia Toledo
Donald Trump assumirá a presidência dos Estados Unidos. A Câmara brasileira elegerá um novo presidente. França e Alemanha irão às urnas. O partidão chinês vai escolher novas lideranças. Sobram eventos para mexer com a economia brasileira em 2017. Mas nada vai ser tão decisivo quanto as oito reuniões do Comitê de Política Monetária, responsável pela definição da taxa de juros, atualmente em 13,75%. Na visão de economistas e empresários ouvidos por EXAME Hoje, o país nunca esteve tão dependente de uma queda de juros. “Não é a taxa de juros baixa que vai fazer o país ter um crescimento sustentado. Mas isso é hoje o único impulso para a retomada da economia”, diz Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos.
A visão de especialistas é de que enfim a inflação vai fechar 2017 perto do centro da meta de 4,5% – as previsões estão em 4,87%. A previsão é que, em 2016, o índice tenha ficado pouco abaixo do teto da meta. Isso dá uma liberdade ao Banco Central para fazer ajustes que estimulem a economia. A redução dos juros, neste contexto, será um alívio sentido nos mais diversos setores da economia. As empresas sofrem com pesadas dívidas e uma grande capacidade ociosa. O governo federal e os governos estaduais, endividados e sem caixa, precisam sair do buraco. Com juros menores, todos ganham um alívio.
“O peso da taxa de juros é incompatível com o atual momento da economia. A política monetária tem a inflação perto da meta, então há espaço para um corte de juros”, diz Cristiano Oliveira, economista-chefe do banco Fibra. Em sua visão, o Banco Central deve reduzir os juros em 0,75 ponto percentual já na reunião que termina na próxima quarta-feira 11. “Os números recentes da atividade estão fracos. Os dados do primeiro trimestre deste ano apontam para um crescimento anêmico. É preciso de uma redução maior de juros para estimular a economia”, afirma Oliveira.
O consenso do mercado é de uma queda um pouco mais amena. A maioria espera um corte de 0,5 ponto percentual, iniciando assim um novo ciclo – após o corte de 0,25 em cada uma das últimas duas reuniões. Para o fim do ano, as projeções variam entre uma Selic em 10,25% até 9%. O Comitê de Política Monetária tem afirmado que a calibragem da taxa básica depende do comportamento da inflação e da atividade e são esses componentes que têm feito o mercado baixar suas previsões. “Temos um juro real muito elevado por conta da inflação futura. Os juros estão em 13,75% e a inflação deve terminar o ano em 4,7%. Isso dá um juro real de 9%. Essa inflação projetada é compatível com juro de 9,75% no fim deste ano”, afirma Carlos Kawall, economista-chefe do banco Safra.
Nesta semana, o crescimento de apenas 0,2% da produção industrial em novembro, divulgado pelo IBGE, assustou muitos economistas que previam um crescimento de 1,5% no mês e mostrou que o caminho da recuperação ainda é lento. A maioria dos economistas projeta que o quarto trimestre de 2016 e o primeiro deste ano ainda serão de perdas em torno de 0,3% em cada um dos períodos na atividade econômica.
Os impactos
A redução de juros traz um impacto imediato na dívida das companhias brasileiras, já que grande parte delas está atrelada à Selic. Entre as grandes empresas do país, metade não está gerando receita suficiente para pagar aos credores, segundo a consultoria Tendências. A dívida das companhias de capital aberto está em 943 bilhões de reais, segundo dados da consultoria Economatica.
A expectativa é de que a queda de juros também estimule novos investimentos no país, principalmente na parte de infraestrutura. O governo federal tem uma lista 34 projetos de áreas como energia, aeroportos, rodovias, portos, ferrovias e mineração para serem desenvolvidos neste e no próximo ano.
Por fim, a queda de juros deve servir ainda para ajudar na retomada de dois dos setores mais afetados pela crise: o de construção civil e o de automóveis. Para o presidente da associação que representa as montadoras, a Anfavea, Antonio Carlos Botelho Megale, a queda de juros deve ser um dos fatores fundamentais para a retomada do crescimento na venda de veículos este ano. A Anfavea estima um crescimento de 4% no número de veículos licenciados em 2017, totalizando cerca de 2,13 milhões de automóveis.
“A queda de juros deve dar segurança aos bancos para que eles voltem a oferecer crédito para os consumidores”, afirma Megale. Em novembro de 2016, a proporção de automóveis comprados por financiamentos chegou ao menor nível da história, com 51%. Em dezembro, o financiamento fechou em 53% do total – ainda abaixo do patamar anterior à crise, que historicamente fica acima dos 60%. “Os financiamentos caíram e as pessoas não têm dinheiro para pagar à vista. Esse aumento no financiamento teria um papel importante na retomada das vendas, que viria no segundo semestre”, afirma Megale. Segundo ele, cerca de 52% da capacidade das montadoras ficou ociosa em 2016.
No setor de construção civil, os juros são ainda mais decisivos. O setor opera hoje com um terço de sua capacidade total no país, segundo Rubens Menin, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias. “O nosso setor depende de três fatores: demanda, renda e crédito. A renda é a primeira a se recuperar, a partir do momento em que a economia voltar a crescer e as empresas voltarem a empregar”, afirma.
Para Menin, o impacto de uma queda de juros no crédito imobiliário só acontecerá a partir do momento em que os juros recuarem para um patamar abaixo de 11% (o que é esperado para o segundo semestre). A teoria é de que esse patamar deve tornar a caderneta de poupança atrativa novamente para pequenos investidores, amenizando o saldo negativo de 2016, que ficou em 41 bilhões de reais. Com a poupança aumentando, os bancos devem ter mais recursos disponíveis para financiamento. Pelo Sistema Financeiro da Habitação, 70% da captação das contas de poupança dos bancos deve ser destinada obrigatoriamente a financiamentos habitacionais.
“O desemprego e os juros altos são hoje os dois principais fatores da crise no setor. O juro atrapalha tanto a retomada de financiamentos quanto a dívida das companhias do setor. Sem dúvida estamos vivendo a pior crise no setor dos últimos 20 anos”, diz Fernando Miziara, diretor financeiro e relações com investidores da construtora Rossi.
A Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) prevê que a liberação de crédito para construção e comercialização de imóveis no país alcance um patamar entre 45 bilhões e 50 bilhões de reais em 2017 – alta de até 11% em comparação com 2016. Os juros dos financiamentos, que hoje estão entre 10% e 15%, também devem diminuir. A expectativa é de que no ano que vem este patamar possa voltar para algo próximo do patamar de 8,5% praticado até meados de 2014.
O que pode dar errado
Embora tida como certa, a trajetória de queda de juros ainda pode enfrentar percalços. Se há uma lição que 2016 deixou para economistas é que o imprevisível está logo ali. “O principal limitador da queda de juros é o cenário local. A crise política, a crise fiscal dos estados, a operação Lava-Jato, a reforma da previdência. Todas essas questões podem comprometer o ajuste de juros em caso de surpresas negativas”, diz Silvio Campos Neto, analista da consultoria Tendências.
A visão do mercado é que problemas como o nome de ministros ou do próprio presidente Michel Temer em investigações da operação Lava-Jato ou dificuldades para aprovar a tão esperada reforma da previdência poderiam levar a uma saída de investidores estrangeiros do país. Com isso, a taxa de câmbio mudaria, a dinâmica da inflação não seria mais tão benigna e a expectativa de uma queda de juros mudaria junto.
Do exterior, o maior temor é que o presidente americano Donald Trump e sua política expansionista atrapalhem o corte de juros por aqui. Trump, vale lembrar, prometeu reduções de impostos e aumento de gastos em infraestrutura, o que poderia fornecer uma grande dose de estímulo fiscal. Em teoria, isso estimularia a economia a crescer rapidamente e a inflação a subir, o que levaria para o banco central americano a aumentar as taxas, e tirar investimentos do Brasil. Entre terça e quarta-feira todos os olhos estarão no Setor Bancário Sul Quadra 3, em Brasília, onde o Banco Central define as taxas de juros.