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História mal contada

Tudo começou na Guerra do Paraguai. Até hoje, irmãs e filhas de militares e magistrados recebem pensão do Estado

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h58.

A reforma da Previdência de 1998 estabeleceu limites à concessão de benefícios, mas não mexeu em direitos adquiridos que beiram o surrealismo. Continua em vigor, por exemplo, um decreto assinado há mais de 100 anos pelo marechal Deodoro da Fonseca. Sua razão de ser, na época, era amenizar traumas da Guerra do Paraguai. A peleja é ho je história. Mas filhas solteiras de militares, e hoje magistrados e ministros do Tribunal de Contas da União -- com ou sem guerra -- continuam a ter direito a pensão paga pelo Estado.

"A reforma não encarou o fato de que alguns benefícios concedidos no passado se tornaram inviáveis", diz Berenice Matück, diretora do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (Ipesp). "Somos o único país do mundo que paga pensão a filhas e netos." Oficiais formados pelas academias militares após 1998 perderam o benefício, mas os magistrados que contribuem com 4% do salário para o Montepio Civil da União continuam com o privilégio. Para ministros do Supremo Tribunal de Contas, do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal Militar, a pensão pode ser estendida a irmãs solteiras, viúvas ou divorciadas, desde que os magistrados não tenham dependentes diretos (mulher e filhos).

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No estado de São Paulo, a lei que rege a Previdência Social admite como beneficiários do servidor morto o cônjuge sobrevivente, os filhos incapazes e inválidos e as filhas solteiras de até 21 anos, "ou até a idade de 25 se estiver freqüentando curso superior".

Muito casamento já foi adiado por causa dessa lei. Em 1992, a menção às "filhas solteiras" foi removida, mas manteve-se a ressalva: "Fica assegurado o direito adquirido às filhas solteiras que já estejam percebendo a pensão".

Até agosto de 2001, os funcionários do município de São Paulo também podiam adquirir pensão "vitalícia" para suas filhas solteiras maiores de 21 anos, mediante o desconto de apenas 3% do salário. "Acabamos com esse benefício, mas respeitamos as pensões já concedidas", afirma Alencar Ferreira, superintendente do Instituto de Previdência Municipal de São Paulo (Iprem). "Tínhamos 4 000 funcionários pagando. Cancelamos tudo e paramos de descontar." Para Ferreira, uma sociedade carente como a brasileira não pode suportar essas distorções. "A idéia da pensão vitalícia para filhas vem da época em que as mulheres eram passivas e dependentes dos homens", diz. "Hoje, virou uma excrescência."

No estado de São Paulo, a maioria das pensões no Ipesp está na faixa dos 225 reais por mês. Mas há casos como o do desembargador Roberto Tobias Mortari, morto em 1993, que deixou 12 512 reais de pensão para três beneficiários: 6 256 reais para a viúva, Aureluce Frias, de 80 anos, e 3 128 reais para cada uma das netas, Vanessa, de 23 anos, e Danielle, de 24. Uma mesada respeitável. "Esses benefícios são insustentáveis", diz Berenice, do Ipesp. "A Previdência não pode transferir para o Estado o dever paterno. Sobretudo num país como o Brasil."

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