Eduardo Giannetti, economista e cientista político (Nacho Doce/Reuters)
Ligia Tuon
Publicado em 31 de julho de 2020 às 12h53.
Última atualização em 1 de agosto de 2020 às 13h58.
Há risco de "populismo fiscal" na nova fase do governo Bolsonaro, avaliou o economista e cientista social Eduardo Giannetti em uma transmissão ao vivo do EXAME Talks com o jornalista João Pedro Caleiro nesta sexta-feira, 31.
Ele disse que atualmente há "panos quentes" no desafio do presidente e seus familiares à democracia, que "vinha numa escalada extremamente preocupante". No entanto, a outra faceta disso poderia ser uma "guinada populista na economia".
Giannetti lembrou que Bolsonaro sempre teve sua atuação marcada pelo "corporativismo estatista" e só teve uma "súbita e inexplicável conversão ao liberalismo de [Universidade de] Chicago" poucos meses antes da eleição.
Ele também expressou preocupação com a saída de quadros como Mansueto Almeida do Tesouro, Caio Megale da Secretaria de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação e Rubem Novaes do Banco do Brasil: “Não sei se isso é um esvaziamento do projeto do Guedes ou apenas, como alegam, uma coincidência", disse.
O economista também destacou que o “Brasil perdeu totalmente a credibilidade e virou um pária ambiental”, apesar da questão das mudanças climáticas ser "o tema central da agenda humana do século XXI". A reação negacionista tanto de Trump quanto de Bolsonaro à pandemia espelharia o negacionismo de ambos em relação ao tema.
Giannetti lamentou que "educação, saúde, cultura e relações internacionais tenham caído nas mãos do núcleo familiar-astrológico, o mais obscurantista deste governo".
Em relação ao andamento da agenda econômica, ele avaliou que esse pode ser "o momento de uma reforma tributária mais profunda que há muito tempo o Brasil se deve a si mesmo”.
Giannetti destacou que a Constituição de 1988 promoveu um federalismo truncado ao distribuir funções entre os entes federativos e ao mesmo tempo manter a autoridade para tributar concentrada no governo central.
"Houve um movimento assimétrico entre as atribuições e a arrecadação. Uma reforma deveria contemplar essa assimetria e caminhar para uma situação onde a arrecadação é feita perto de onde o dinheiro é arrecadado, para acabar com esse passeio do dinheiro recolhido em Brasília, são recursos indo e voltando de forma muito pouco clara e com má alocação", diz.
Outro problema, segundo Giannetti, é que grupos com menor renda pagam proporcionalmente mais de sua renda em impostos do que os mais favorecidos: "Isso por que a tributação é muito calcada em imposto indiretos, que incidem sobre consumo, ao passo que renda e patrimônio são relativamente pouco taxados", diz.
Seria importante corrigir essa regressividade, segundo ele, para melhorar a equidade tanto na arrecadação como no dispêndio: "Não dá para aceitar um país que arrecada 33% do PIB em impostos, sem falar no déficit nominal, com quase a metade dos domicílios sem ter sequer coleta de esgoto", diz.
O economista também destacou que as contas externas do Brasil estão em ordem e geram pouca preocupação, mas que um dos grandes temas de 2021 será a necessidade de recuperar a situação fiscal e evitar uma escalada insustentável da dívida.
"Entramos na crise da pandemia com 70% do PIB e vamos sair com 95% a 100% do PIB. Japão e Itália têm dívidas piores que a do Brasil e conseguem se manter solventes. Mas para o Brasil isso é um desafio", diz.
"Não vai ser uma tarefa fácil conciliar as demandas por socorro de grupos sociais que apareceram durante a pandemia com o imperativo de criação de ancoração dessa situação fiscal que o Brasil perdeu durante essa crise", diz. A sua previsão é de uma queda de 6,5% no PIB de 2020 e uma recuperação de 3% ou 3,5% em 2021.
Veja a conversa na íntegra: