Economia

Governo dos EUA gasta mais do que arrecada, diz Rogoff

Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do FMI, acredita que EUA não estão arrecadando impostos no mesmo ritmo que gastam

Kenneth Rogoff (--- [])

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Da Redação

Publicado em 6 de maio de 2009 às 14h14.

Em meio aos esforços de conter os efeitos da crise internacional, o governo dos EUA não está arrecadando impostos no mesmo ritmo que gasta, na visao de Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do FMI. "Em algum momento terá de taxar os contribuintes em níveis altíssimos para compensar todo esse déficit", afirma. 

O senhor acredita que o pior já passou?

  • A economia global ainda está muito vulnerável. Ainda haverá problemas sérios pela frente e, nesse tipo de situação, é comum que ocorram falsas esperanças. Os lucros que os bancos estão mostrando são completamente artificiais, e refletem apenas os subsídios dados pelo governo. 

O pacote de Obama vai funcionar?

  • O plano tem chances, mas depende demais dos contribuintes. A mensagem do governo até agora foi: a arrecadação vai arcar com tudo o que for preciso. E eu me pergunto se é possível fazer isso sem quebrar o consenso social. O governo está apenas gastando dinheiro como louco e não está recolhendo impostos na mesma medida. Em algum momento terá de taxar os contribuintes em níveis altíssimos para compensar todo esse déficit. É aí que sentiremos mais ainda o impacto. Acho que em menos de cinco ou sete anos os Estados Unidos não terão um crescimento parecido com o que tiveram no período de 1995 a 2005. Também acho que haverá grandes mudanças políticas no país. Teremos um governo muito mais intervencionista e maior em tamanho do que tínhamos antes. Não vejo como passar por mudanças tão significativas como essas sem sofrer um forte impacto nos resultados.

O resto do mundo levará todo esse tempo para voltar a crescer vigorosamente?

  • O resto do mundo terá de se ajustar a um Estados Unidos menor, principalmente os países muito exportadores. Estes, especialmente os países asiáticos, terão de se ajustar a um modelo de crescimento mais orientado por suas demandas domésticas do pelas exportações. Há uma linha de economistas que trabalha com a tese de recuperação no formato em V para a Ásia. Esse formato prevê que daqui a pouco tudo voltará a ser como era antes, como ocorreu após a crise asiática. Eu não consigo ver como essa recuperação pode ocorrer se não há expectativa de crescimento das importações por parte dos países ricos. A Europa, por exemplo, está muito fraca. Os Estados Unidos também estão em situação complicadíssima. E a América Latina depende da situação da Europa, dos Estados Unidos e da Ásia.

Mas qual é a sua previsão para os emergentes, mesmo que não seja possível falar nas mesmas taxas de crescimento que muitos deles vinham registrando nos últimos anos?

  • Muitos mercados emergentes ainda têm muito espaço para crescer com base em reformas econômicas. O Brasil, por exemplo, tem um enorme escopo para liberalizar e racionalizar a economia, tornando o mercado de trabalho mais flexível, cortando impostos, enfim, ajudando os setores produtivos aumentarem a competitividade. Há possibilidade de os mercados emergentes alcançarem um crescimento sustentado mesmo que os Estados Unidos permaneçam estagnados. Os países que conseguirem fazer mais ajustes desse tipo devem se sair bem. Uma das vantagens do Brasil é ter um sistema bancário mais bem regulado que o dos Estados Unidos. Isso ocorreu porque o Brasil atravessou crises anteriores, o que forçou a melhoria de sua regulação. Isso também ajuda a África do Sul e a Colômbia, por exemplo, e é uma vantagem para restaurar a economia e voltar ao crescimento. Acho que 2009 será um ano difícil, de qualquer forma. Há muitas companhias ao redor do mundo que terão vendas mais baixas em 2010 do que terão em 2009. É provável que muitas tenham de esperar até o final de 2011 para atingir o mesmo nível de vendas que tiveram em 2007.

O senhor acredita que essa crise pode mudar o equilíbrio de forças no mundo?

  • Certamente essa crise abalou a credibilidade americana. Os Estados Unidos disseram por muitas décadas que faziam as coisas da melhor forma e que os outros países deveriam copiá-los. Agora, o mundo vai pensar duas vezes antes de ouvi-los. Nós vimos isso na reunião do G-20. Claro que o presidente Obama foi tratado com grande respeito, mas as pessoas não concordaram de imediato com a sua proposta fiscal, por exemplo. Ele disse que todo mundo deveria fazer o que os Estados Unidos estão fazendo, mas os líderes dos demais países mostraram que não estavam dispostos a apenas seguir a receita americana.

E quem deve se fortalecer?

  • Acredito que os mercados emergentes, como China, Brasil e a Índia. E no mundo financeiro, a Ásia controla um tremendo montante de capital, o que, no final das contas, significa muito poder, particularmente agora. Não estou ainda certo sobre a Europa, que ainda não sabe muito bem o que fazer nesse momento.

O senhor mencionou que o Estado americano está se tornando mais intervencionista. Esse pendor mais intervencionista vai enfraquecer com o final da crise?

  • Creio que não. As pessoas estão muito bravas com o que aconteceu com o sistema financeiro, e acho que quando eles descobrirem quanto dinheiro o presidente Obama e seus administradores deram para esse setor, elas ficarão ainda mais bravas. Acho que o presidente Obama cometeu um grande erro tentando fazer com que os contribuintes paguem por todo o problema, ao contrário do que fez com a GM, por exemplo, cujo plano fez com que os acionistas pagassem por parte dos custos da tentativa de resgatar a empresa. Acho que haverá um grande movimento político contra essa atitude do governo. Ele terá bastante dificuldade para explicar por que os acionistas do Citibank, do Bank of America e do Goldman Sachs não tiveram de arcar com parte dos prejuízos que tiveram em razão de suas próprias apostas. Certamente isso não é justo e se mostrará como um grande erro mais à frente.

Mas havia alternativas para isso?

  • Ele deveria ter forçado os acionistas e donos de títulos de dívida desses bancos a pagar com os ativos dessas instituições pelo menos parte do custo de resgate que o governo está tendo. No mínimo, o caminho adotado pelos Estados Unidos vai criar uma crise política quando as pessoas se derem conta do que se passou. Definitivamente não acredito que a recessão está no fim, acho que o sistema financeiro ainda terá muitos problemas.

Mas os ativos do sistema financeiro seriam capazes de cobrir todo o desastre bancário?

  • Não. Certamente o contribuinte terá de arcar com uma grande parte, mas é difícil explicar por que as instituições não têm de arcar com parte do prejuízo, como a GM teve, por exemplo.

Qual é a situação das empresas americanas que precisam de crédito atualmente?

  • As grandes companhias conseguem crédito, mas as pequenas e médias têm enfrentado muita dificuldade. E as pequenas e médias empresas são muito importantes para o dinamismo da economia. Conversei há pouco com uma pessoa ligada a empresas nascentes no Vale do Silício, que me disse que está muito difícil conseguir financiamento por lá. A situação é completamente diferente de um ano atrás.

E por quanto tempo o senhor acha que essa situação permanecerá?

  • Acho que por um longo, longo tempo, porque as grandes e principais empresas financeiras ainda estão muito comprometidas. A cultura dos negócios financeiros foi alterada. As grandes instituições não estão mais pagando bônus aos seus funcionários, as pessoas não querem mais trabalhar quanto trabalhavam. Na verdade, todo o modelo de negócios financeiros está sob fogo. Acho que o crédito vai aumentar, mas estará limitado aos limites que o governo tem para substituir o capital privado. Com o sistema financeiro tão fraco e tão dependente da ajuda do Estado é difícil acreditar que o crédito voltará a níveis normais logo.

É possível saber quais bancos estão em boa situação e quais estão em má situação?

  • A avaliação depende de quanto o governo dará de subsídio a cada um deles. O governo fez uma avaliação das instituições, porém acho que foi muito tímida. O fato de os bancos precisarem de subsídios dos contribuintes para continuar operando é muito desencorajador e tende a estender a recessão.

As características dessa crise podem afetar a forte cultura de empreendedorismo americana?

  • Eu me preocupo muito com esse aspecto, porque a administração Obama é muito socialista. Um amigo de Wall Street traduziu o discurso do plano fiscal de Obama da seguinte forma: quem ganha mais de 250 000 dólares por ano pode ficar com parte disso se tiver sorte. Isso não pode ser bom para o empreendedorismo. Em outra ocasião, o Secretário do Tesouro deu a entender que as pessoas não deveriam estar tão obcecadas com sua renda, mas em manter seus empregos. Isso também não encoraja os empreendedores.

O senhor fez recentemente um estudo que compara a crise atual com as demais ocorridas nos Estados Unidos e em outros países. Quais as principais diferenças que o senhor encontrou?

  • Há muitos paralelos entre a crise atual e outras, lembrando que só avaliamos crises bancárias, não crises que envolvam moratória de países, já que os Estados Unidos nunca passaram por essa situação. O típico período de recessão numa crise financeira é de um ano e meio, mais ou menos. Então, se a recessão americana cessar nos próximos meses, essa crise estará dentro do padrão verificado até hoje. Mas é importante lembrar que o fim da recessão não significa o fim dos problemas. O desemprego, por exemplo, costuma crescer por mais 18 meses após o fim da recessão. Aumentado durante uns quatro anos, ao todo. Não sabemos o que irá acontecer desta vez, mas o padrão mostra que em crises financeiras a produção declina, em média, por dois anos. Quando há colapsos em mercados de ativos, os preços das moradias caem 35% ao longo de seis anos e o preço das ações cai 55% durante três anos e meio, também em média. Na crise atual, está havendo uma resposta macroeconômica muito agressiva, o que é bom. Por outro lado, essa crise tem um elemento que a torna mais complicada: ela é global, aliás, mais global que nunca.

Já é possível identificar alguma lição que essa crise deixará?

  • A maior lição é que os países terão de se convencer de que não podem emprestar volumes enormes de dinheiro sem base de sustentação, sem ter uma crise financeira e sem se enfraquecer, como está ocorrendo agora com os Estados Unidos. Do ponto de vista das mudanças, acredito em uma oportunidade única para melhorar a condição social e econômica da população dos emergentes, pois eles terão de estimular seu mercado doméstico.

O senhor acha que algum país chegará à insolvência?

  • No meu trabalho com a Carmen Reinhart (professora da Universidade de Maryand, com quem fez a pesquisa sobre crises anteriores) mostra que é muito provável que vários países não consigam pagar suas dívidas. Quando o mundo passa por uma crise financeira profunda como essa, geralmente há ecos posteriores na forma de moratórias de países em dificuldades. A Europa tem capacidade de injetar muito dinheiro nos países do leste, mas se a crise se estender com esse nível de gravidade, talvez não seja possível evitar a insolvência de algumas nações européias.

E quais são os países mais vulneráveis na sua opinião?

  • Eu diria que a Europa está no centro das dificuldades, mas há também a Venezuela, Equador e Argentina, por exemplo.
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