O resultado tem sido “uma nova crise confiança e um amplo êxodo de investidores”, segundo um relatório doDeutsche Bankda semana passada - e isso mesmo antes do partido de esquerda Syriza ter sido eleito, no final de janeiro.
A conta financeira da Grécia despencou em 25% do PIB total do país nos últimos 6 meses. Veja na figura, que mostra o fluxo financeiro privado em relação ao PIB no período:
Só nos três meses até fevereiro, por exemplo, o país perdeu € 45 bilhões em dinheiro privado – € 21 bilhões domésticos e € 24 bilhões internacionais. É praticamente meio bilhão de euros por dia.
No início da crise do euro, uma série de países vulneráveis, com alto endividamente e fraquezas estruturais começou a preocupar os investidores.
Eles foram apelidados de PIIGS, acrônimo para Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha. Agora, a Irlanda já é o país que mais cresce na Europa, enquanto os outros membros continuam recuperando alguma estabilidade, aos trancos e barrancos.
Mas não a Grécia: “A Itália está continuando a se reintegrar nos mercados financeiros internacionais. A Espanha está fazendo o mesmo. Há até sinais parecidos em Portugal. A Grécia parece única.”, diz o Deutsche.
Enquanto isso, a população grega sofre. A renda disponível entre os mais ricos já voltou para níveis de 1985. Entre os mais pobres, o dinheiro na mão é equivalente ao registrado em 1980.
Histórico
A crise financeira de 2008 começou nos Estados Unidos mas logo acabou batendo na Europa, que teve que lidar com o estouro de suas próprias bolhas imobiliárias.
A atividade despencou e levou a receita do governo junto, o que alimentou a desconfiança entre investidores de que países com altos déficits e níveis de endividamento conseguiriam honrar suas dívidas.
A Grécia, em especial, mostrou números piores do que se imaginava. A entrada do euro em 2001 significou entrada de recursos, mas perda de competividade; eventualmente, ficou claro que era impossível para um único câmbio e banco central favorecer economias tão diferentes como a grega e a alemã.
Desde 2010, a Grécia tem recebido regularmente resgates bilionários da chamada "troika" (Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e Comissão Europeia).
Em troca, o país implementou políticas duras de cortes de gastos que incluíram demissões e diminuição de salários em grande escala. O desemprego atingiu um pico de 28% em setembro de 2013 (e não caiu muito desde então).
A austeridade segurou o crescimento sem mexer muito no endividamente em relação ao PIB, que já passa de 170%. Quando a economia ensaiava uma reação, os gregos elegeram o partido de esquerda Syriza, que tenta obter com a troika termos mais favoráveis de financiamento.
1. Falando grego
1 /8(Louisa Gouliamaki/AFP)
São Paulo - Há 5 anos, o debate sobre a crise daGréciagira em torno de duas questões: o país vai ou não sair doeuro? E quais seriam as consequências disso? O cenário institucional já mudou muito, mas o retórico é basicamente o mesmo, povoado por caricaturas de gregos preguiçosos, alemães autoritários, tecnocratas sem coração e políticos sinuosos. Não faltam simbolismos e lições de moral. Há quem lembre que a Grécia basicamente vive em um estado perpétuo de crise da dívida. Os gregos rebatem com episódios sombrios da história recente daAlemanha. O teatro chegou a outro nível com a entrada em cena de Yanis Varoufakis, ministro de Finanças grego, adepto de imagens fortes que frequentemente o colocam em saias justas. Veja 7 metáforas sobre a crise da Grécia e o que elas explicam:
2. O efeito dominó
2 /8(Aussiegall/WikimediaCommons)
O efeito dominó é simples de entender: quando você tem várias peças enfileiradas e a primeira cede, é impossível de evitar que uma derrube a outra até que não sobre nenhuma de pé. A metáfora é usada amplamente desde 2010 para ilustrar o que aconteceria caso algum país saísse da zona do euro: o pânico e a especulação acabariam empurrando outras nações vulneráveis ao mesmo destino. Já em 2011, muito antes de sequer sonhar em virar ministro de Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis explicou em seu blog o que vê de errado com essa metáfora: "com cada 'transição', o custo de 'resgatar' o próximo país aumenta ao mesmo tempo em que recai sobre um número menos de países. É uma dinâmica muito mais calamitosa do que a alegoria do dominó consegue capturar".
3. O castelo de cartas
3 /8(Arealast/Wikimedia Commons)
No seu post de 2011, Varoufakis comparou a zona do euro com um grupo de alpinistas de tipos físicos diversos na beira de um abismo e ligados por uma única corda. De repente, acontece um terremoto e um deles (a Grécia) começa a cair; o segundo mais próximo também acaba cedendo, e assim sucessivamente, aumentando cada vez mais o peso sobre os remanescentes. A dúvida é se os mais fortes (a Alemanha) vão continuar tentando puxar o grupo para cima ou se vão cortar a corda. Em fevereiro deste ano, já como ministro, Yanis escolheu uma metáfora mais simples e popular: a do castelo de cartas. "O euro é frágil, é como construir um castelo de cartas. Se você tirar a carta da Grécia, os outros entram em colapso", disse ele em entrevista para um canal italiano.
4. O vírus Ebola
4 /8(Cynthia Goldsmith/AFP)
Outra metáfora comum nos discursos sobre efeitos em cadeia na economia global é a da doença: o "contágio" financeiro. No caso da Grécia, o uso mais notório foi feito por Angel Gurria, secretário-geral da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento) ainda em 2010. Em entrevista para a Bloomberg, ele disse: "isso não é uma questão de contágio. O contágio já aconteceu. Isso é como oebola. Quando você percebe que tem, precisa cortar a sua perna para sobreviver". Curiosamente, a doença só voltaria para as manchetes mundiais no início do ano passado. O novo surto em países da África Ocidental como Sierra Leoa e Libéria já matou até agora mais de 10 mil pessoas.
5. Afogamento simulado
5 /8(Mark Wilson/Getty Images)
O afogamento simulado é uma técnica de tortura que consiste em despejar água sobre um pano ou toalha colocado no rosto de alguém imobilizado. Muitos oficiais americanos evitar classificar como "tortura" o método, amplamente utilizado na guerra contra o terror. O escritor Christopher Hitchens aceitou se submeter a técnica para dar seu veredicto (conclusão: é tortura sim). Varoufakis foi o primeiro a chamar de "afogamento simulado fiscal" as políticas duras de austeridade que a União Europeia exigiu como contrapartida dos seus pacotes de resgate. Em uma entrevista recente para a revista alemã Der Spiegel, ele disse que os torturadores são os "tecnocratas do trio FMI-BCE-Comissão Europeia enviados para implementar e monitorar um programa destrutivo" e defendeu a analogia: "Conseguiu capturar sua atenção, não é mesmo? Então funcionou."
6. Cavalo de Tróia
6 /8(Domínio público/Giovanni Domenico Tiepolo)
Desde que o partido de esquerda Syriza chegou ao poder no final de janeiro, a Grécia está na corda bamba, tendo que se mostrar aberta a negociações sem recuar da promessa de mudar fundamentalmente os acordos de resgate. No dia 19 de fevereiro deste ano, os gregos enviaram uma carta para o grupo de ministros de Finanças da UE pedindo formalmente uma extensão de 6 meses do programa atual. A resposta dos alemães, vazada para a imprensa, tinha o seguinte trecho: "a proposta [grega] representa um cavalo de tróia, com o objetivo de garantir uma ponte de financiamento acabando com a substância do programa atual". Diz a lenda que após 10 anos de luta, os gregos deram um cavalo gigante como sinal de trégua aos troianos. O presente foi aceito e colocado no centro da cidade; no meio da noite, os soldados escondidos na estátua de madeira saíram e tomaram o território inimigo. Em tempo: dias depois da polêmica, os gregos enviaram uma lista de reformas prometidas e conseguiram uma extensão de 4 meses do programa atual.
7. A perna amputada
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Muita coisa mudou desde que a crise da Grécia estourou em 2010. Nas negociações atuais, uma tática da Alemanha para melhorar sua posição de barganha tem sido sinalizar que aEuropajá não deve temer tanto assim uma possível "Grexit". Há cerca de duas semanas, uma matéria do Financial Times afirmou que alguns oficiais alemães estão propagando a "teoria da perna amputada, segundo a qual a Grécia deve ser cortada como um membro gangrenado para poupar o resto do corpo da zona do euro". Outros continuam adeptos da metáfora do dominó - quando o primeiro cai, fica difícil segurar o processo.
8. A pistola dágua
8 /8(Zoom Zoom / Wikimedia Commons)
A última metáfora da lista vem, novamente, do ministro Varoufakis. Em meados de janeiro, ele disse que o programa de compra de títulos do Banco Central Europeu para estimular a economia europeia e evitar a deflação equivale ao de "uma pistola d'água sobre um incêndio na floresta". Em entrevista publicada no seu blog, ele aliviou para o presidente do BCE,Mario Draghi, que sofreu constragimentos políticos e legais para agir de forma mais rápida e incisiva: "Não tenho dúvidas de que ele entende que o que está fazendo é muito pouco, muito tarde. Mas ele acha que uma pistola d'água é melhor que nada. Se há um fogo devastador, ele gostaria de usar o canhão d'água, e gostaria de ter usado antes, mas não foi permitido". Algum efeito, a pistola deve estar tendo - o otimismo com a economia europeia aumentou sensivelmente nas últimas semanas, e o crescimento está próximo do maior nível em 4 anos.