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Estados Unidos dão ultimato a Saddam

A reunião de hoje do Conselho de Segurança da ONU, em Nova York, deverá selar o destino não apenas do povo iraquiano, mas da própria ONU, da Otan e de todas as instituições criadas depois da Segunda Guerra Mundial para estabilizar o planeta diante da ameaça nuclear. Mais uma vez, são armas de destruição em […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h48.

A reunião de hoje do Conselho de Segurança da ONU, em Nova York, deverá selar o destino não apenas do povo iraquiano, mas da própria ONU, da Otan e de todas as instituições criadas depois da Segunda Guerra Mundial para estabilizar o planeta diante da ameaça nuclear. Mais uma vez, são armas de destruição em massa o pivô da questão. E, pela primeira vez desde que Hitler lançou a Alemanha na insânia e desvario nazistas, os Estados Unidos ouvem um claro e sonoro "não" do outro lado do Atlântico.

A posição americana, reforçada ontem à noite (6/3) em rede nacional, é inequívoca: o ditador Saddam Hussein esconde armas de destruição em massa (químicas e biológicas), as inspeções da ONU apenas dão tempo para que ele se arme ainda mais enquanto desmonta um ou outro míssil diante das câmeras. Os Estados Unidos e o Reino Unido propuseram ao Conselho de Segurança uma nova resolução autorizando o uso da força para desarmar o Iraque e tirar Hussein do poder se ele não manifestar claros sinais de cooperação dentro de um prazo de dez dias. A data limite fixada no ultimato é o próximo dia 17 de março. Ainda não está claro se Estados Unidos e Reino Unido conseguirão os 9 entre os 15 votos do Conselho necessários para aprová-la. "A guerra é uma questão de dias", afirmou Bush. "Estamos na última rodada de diplomacia." A nova resolução deve ir a votação no começo da semana que vem.

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França, Rússia e mesmo a China também já afirmaram que vetarão a proposta americana, o que tornaria ilegítimo um ataque ao Iraque. Ao lado da Alemanha, esses países acreditam que o processo de inspeções está funcionando e que, mais que jogo de cena, a destruição de mísseis encetada por Saddam indica um princípio de cooperação do ditador iraquiano, que ao longo dos últimos 12 anos tem sistematicamente dado de ombros para as resoluções das Nações Unidas. De 1998 a novembro do ano passado, ele impediu de entrar no país todas as inspeções da ONU que pretendiam investigar o desarmamento iraquiano e descobrir se havia programas ilegais para o desenvolvimento de armas de destruição em massa.

Agora, porém, o inspetor-chefe da ONU, o sueco Hans Blix, afirmou claramente que o Iraque tem cooperado com os inspetores, embora não tenha declarado que o país esteja livre de armas de destruição em massa. Blix pediu apenas mais tempo para as inspeções: "Não vai levar anos, nem semanas, mas meses". O presidente da Agência Internacional de Energia Atômica, o egípcio Mohammed ElBaradei, contestou evidências das agências de informação americanas de que tubos de alumínio teriam sido usados para enriquecer urânio: "Uma investigação extensiva e análise de documentos não revelou nenhuma prova de que o Iraque estivesse usando esses tubos para outra coisa além da engenharia reversa de foguetes". Nada disso, porém, foi o bastante para dissuadir os Estados Unidos da nova resolução ou da guerra.

A Inglaterra _ que tem-se mantido como fiel aliada das posições americanas _ é vista como o único mediador possível entre as duas posições antagônicas. "Estamos prontos para discutir o fraseado da resolução e trazer a bosrdo quaisquer sugestões construtivas sobre como o processo desse rascunho de resolução pode ser aperfeiçoado", afirmou o chanceler britânico, Jack Straw. A submissão de Saddam ou seu exílio seriam as únicas posições aceitáveis aos olhos americanos. Mas a essência das posições parece irreconciliável: Bush quer a queda do ditador iraquiano e uma troca de regime; França, Alemanha, Rússia e China acreditam numa acomodação e querem dar aos inspetores o tempo que eles pedem. Apenas Reino Unido, Espanha e Bulgária apóiam a posição americana. Os demais membros do Conselho, Chile, México, Angola, Paquistão, Camarões e Guiné, têm posições ambíguas e estão sujeitos a barganhas e pressões. Seja como for, o veto tirará a legitimidade da guerra aos olhos do direito internacional. Que conseqüências isso poderia ter?

A primeira, e imediata, será sobre o próprio Iraque. A nação de 25 milhões de pessoas, submetida há 30 anos a uma das mais cruéis ditaduras do mundo, a sanções internacionais e a duas guerras nas duas últimas décadas, sofrerá um ataque da nação mais poderosa do planeta. Ainda não está claro como será reconstruído um país sem Saddam, nem se será um único país. A minoria de 4 milhões de curdos fala em independência. A oposição iraquiana no exílio já montou 14 comitês que seriam os ministérios do pós-guerra e quer a todo o custo destruir a estrutura montada por Saddam em torno de seu clã, o Al Bu-Nasser, de outros clãs do vale do Tigre e de seu partido, o Baath, para controlar o país com mão de ferro. Não há sinal de que antes de dois anos a poeira assente na região. Ao contrário, se o Curdistão (hoje norte do Iraque) aproveitar a oportunidade dada pelos americanos para declarar independência, curdos da Síria e da Turquia podem querer se unir a um novo país e ampliar o conflito pela região. O custo da reconstrução do país depois da queda de Saddam é avaliado pelos especialistas na casa dos 100 bilhões de dólares, ou quatro vezes o PIB iraquiano.

Uma segunda conseqüência será sentida pela economia mundial e pelo preço do petróleo. Hoje na casa dos 35 dólares, o preço do barril pode ceder assim que a guerra começar e voltar para perto dos 25 dólares. A produção iraquiana, hoje em 2,5 milhões de barris por dia, pode facilmente ser substituída por outros países como a Arábia Saudita. Mas outros grandes produtores, como Nigéria e Venezuela, estão atravessando situações políticas complexas. A OPEP já aumentou a produção em 6 milhões de barris diários depois da crise venezuelana. O corte de fornecimento desses dois países pode ser fatal para o fornecimento de óleo. O presidente Bush afirmou que os Estados Unidos estão dispostos a usar suas reservas estratégicas em caso de guerra. Mas, em vez de deixar o mercado tranqüilo, isso pode ampliar o problema no caso de uma intervenção militar mais longa.

A tecnologia militar americana evoluiu muito em 12 anos desde a última guerra do Golfo. Todos os analistas afirmam que o cenário mais provável é uma esmagadora vitória americana em poucas semanas. Mas, uma vez começada a guerra, é impossível prever como ela terminará. Dependendo da duração, o custo para a economia mundial pode ser maior. O Brasil, onde ontem as bolsas descolaram das bolsas americanas e o dólar caiu para a menor cotação em 40 dias (R$ 3,50), pode até se beneficiar no curto prazo por ser um porto mais seguro para os capitais internacionais. Só que qualquer efeito duradouro sobre a economia americana acabará também fazendo se sentir por aqui.

Finalmente, a terceira conseqüência é a mais importante e a menos previsível: o que significará para a geopolítica internacional a tensão entre potências nucleares como Estados Unidos e Inglaterra, de um lado, e França, Rússia e China, com apoio da Alemanha, do outro? Na política internacional pós-Guerra Fria, vigente desde a queda do muro de Berlim e desmantelamento da Cortina de Ferro, os Estados Unidos passaram a ser vistos como a nação mais poderosa do planeta, única grande potência à qual todas as demais deveriam se submeter. O alto preço de dizer um "não" aos americanos deveria inibir quaisquer pretensões das demais e, pelo menos no curto e médio prazos, garantir uma estabilidade duradoura para o planeta.

Pois "não" aos Estados Unidos, na forma de um veto, é exatamente o que duas (talvez três) outras potências nucleares estão para dizer no Conselho de Segurança. Trata-se de uma atitude inédita. Por um lado, a estratégia americana reforça a hegemonia dos Estados Unidos, na medida em que divide um rival de peso, a União Européia, diante de uma questão à primeira vista simplória como a iraquiana. Por outro, cria uma tensão maior no planeta. Até que ponto esse "não" poderia se transformar em algo maior e gerar uma nova Guerra Fria entre os dois lados? Em medida isso influirá na estratégia de globalização adotada por países como o Brasil e, portanto, pelas empresas brasileiras? O "não" à hegemonia americana desta vez não vem de terroristas islâmicos ou de países nas mãos de tiranos delirantes, como Iraque ou Coréia do Norte. Vem do cerne da aliança ocidental, que se diz guardiã dos ideais de liberdade, justiça e democracia no planeta.

A amplificaçao da tensão entre França e Estados Unidos, os primeiros países a adotar os ideais da modernidade e do iluminismo, ainda no século XVIII, é um fato novo e, portanto, de conseqüências imprevisíveis. Na raiz dele, está a percepção a respeito dos ataques terroristas de 11 de setembro. Com a destruição das torres gêmeas, os Estados Unidos passaram a se ver como um país vulnerável. Essa vulnerabilidade justifica, aos olhos americanos, qualquer ataque preemptivo a nações onde exista o mero risco de surgir algum terrorista nuclear. É um ataque não em nome daquilo que de fato existe, mas daquilo que pode existir. A França, que traz a reboque Alemanha e Rússia, não aceita essa lógica. Quer ver as provas para depois agir. Resta saber por quanto tempo.

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