Entenda o vai e vem do Renda Brasil, que deve substituir o Bolsa Família
Para aumentar valor e número de integrantes do Bolsa Família, Guedes quis cortar outros programas sociais, mas Bolsonaro vetou, de olho no custo político
Victor Sena
Publicado em 27 de agosto de 2020 às 12h26.
Última atualização em 27 de agosto de 2020 às 20h52.
O programa Renda Brasil, que o governo federal pretende colocar no lugar do Bolsa Família, esteve em meio a indefinições durante a semana com a falta de sintonia entre a proposta da equipe econômica de Paulo Guedes e o que quer o presidente Jair Bolsonaro.
Bolsonaro quer pagamentos mais próximos de 300 reais, enquanto a sugestão da equipe econômica se aproxima mais dos 250 reais. Além disso, o presidente não quer abrir mão do abono salarial, pago a trabalhadores formais que ganham atédoissalários-mínimos.
Na terça-feira, 25, o governo faria o anúncio do programa, mas Bolsonaro considerou baixo o valor médio de 247 reais. Hoje, a média do Bolsa Família é de 190 reais por família.
O desejo de Bolsonaro, porém, esbarra no pouquíssimo espaço disponível no orçamento. E tentar remanejar recursos para atender ao presidente tem sido uma pedra no sapato do ministro da Economia, Paulo Guedes, que tem até sexta-feira para entregar um novo desenho do Renda Brasil.
Entenda abaixo, em três pontos, por que o governo tem encontrado dificuldade em apresentar sua proposta do programa Renda Brasil:
Em busca do dinheiro
Com as medidas de combate à pandemia, que envolvem redução de impostos, crédito a empresas e o pagamento do auxílio-emergencial, o rombo nas contas do governo deve chegar a 787,4 bilhões de reais em 2020, às custas de crescimento da dívida pública.
A saída é remanejar gastos.
Na proposta do Renda Brasil, o Ministério da Economia divulgou o corte de diversos programas sociais, considerados pouco eficientes pela equipe de Paulo Guedes, como o farmácia popular, o seguro defeso e o abono salarial, espécie de 14º salário pago a quem ganha até dois salários-mínimos.
Para aumentar o valor para cerca de 300 reais, o ministro Paulo Guedes ainda teria dito ao presidente que seria necessário acabar com abatimentos do imposto de renda da pessoa física.
Bolsonaro vetou, cancelou o anúncio, e nesta quarta, avisou que não vai “tirar de pobres para dar a paupérrimos”.
A avaliação na área econômica, porém, é que a revisão do abono salarial era “fundamental” para criar espaço no Orçamento para bancar o novo programa. Só a extinção do abono, uma espécie de 14º salário pago a trabalhadores com carteira assinada, poderia liberar cerca de 20 bilhões de reais.
Agora, a equipe de Guedes corre contra o tempo para apresentar um novo desenho do Renda Brasil, sem o corte dos programas, criticado publicamente pelo governo.
O desencontro entre a equipe de Guedes e o que quer o presidente Bolsonaro se soma ao desgaste pelo qual o ministro da Economia vem enfrentando nas últimas semanas. A ala militar do governo, junto com outros apoiadores, tem estimulado o presidente a lançar programas que ampliam os gastos públicos, o que sofre resistência de Guedes e seus secretários.
A dificuldade em tocar privatizações dentro do governo e de avançar com uma reforma do serviço público, que poderia fazer o governo economizar com pessoal, fez com que dois secretários de Guedes abandonassem o barco neste mês.
O sucesso do auxílio emergencial
Com a pandemia do novo coronavírus, governos no mundo inteiro começaram a fazer pagamentos diretamente a seus cidadãos. No Brasil, foi instituído o auxílio emergencial de 600 reais em abril, com três parcelas, a ser pago a desempregados e informais.
O alto desemprego e a necessidade de estimular a economia, porém, fizeram com que o governo pagasse mais duas parcelas, em julho e agosto.
O resultado? Popularidade do presidente Jair Bolsonaro em alta, principalmente na Região Nordeste do país.
Além dos efeitos na política, o governo percebeu que havia pessoas “invisíveis” e desassistidas pelo Bolsa Família. Cerca de 66 milhões receberam o auxílio até o dia 18 de agosto, recebendo um total de 161 bilhões de reais.
O Bolsa Família, porém, atende cerca de 13 milhões de famílias, ou 40 milhões de pessoas. Com o Renda Brasil, a ideia é que o número suba para 21 milhões de famílias, englobando os “invisíveis”.
A quantidade de famílias que sobrevive com meio salário-mínimo per capita caiu 20,69% em relação ao período imediatamente anterior à pandemia.
A transição entre o auxílio e o Renda Brasil
Como o auxílio é temporário, o desejo do governo é de manter seu impacto social, mas desvincular a imagem do programa à gestão petista.
A saída encontrada foi aumentar o valor — e o número de beneficiários do Bolsa Família, criando uma espécie de ponte entre os programas. No entanto, o programa não vai contemplar todos os beneficiários do auxílio emergencial, que vai só até dezembro.
A partir de janeiro, então, o governo quer implementar um Bolsa Família no mesmo valor, evitando desgaste político.