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É possível reformar a previdência neste governo, diz Mantega

Em entrevista exclusiva a EXAME, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirma que nunca foi contra a reforma da Previdência Social

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h26.

Pela primeira vez, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, admitiu publicamente que é necessário reformar o sistema de previdência social, ou o país arcará com uma despesa insustentável no longo prazo. Mantega reconheceu, ainda, que o debate sobre o tema - que sempre despertou fortes reações na população - foi contido no ano passado, devido à disputa presidencial.

Mantega fez as declarações em entrevista exclusiva a EXAME, na qual avaliou os resultados de uma pesquisa sobre o perfil do novo Congresso Nacional elaborada pela revista. Leia, a seguir, os principais trechos da conversa:

Exame - A primeira impressão que dá é que se o governo colocar as reformas no Congresso elas passam com tranqüilidade absoluta. O que o senhor tira dessa pesquisa?

Guido Mantega - Esse resultado é excelente; mostra que o Congresso Nacional está com a disposição de levar avante reformas importantes para a modernização do país e para abrir espaço para um crescimento mais vigoroso. Essa é uma notícia muito boa. Eu não tinha essa idéia, essa dimensão de que havia um apoio tão grande a essas reformas.

Exame - Surpreende o senhor?

Mantega - Me surpreende positivamente. Esse aqui é um novo Congresso. O Congresso sofreu uma grande renovação.

Exame - Isso pode ser o recado das urnas dado pela população?

Mantega - É o recado da população que quer ver o país caminhando mais rapidamente, que quer ver o país passando por um processo de modernização e de reformas, porque sabe que elas são necessárias para levar o Brasil a um patamar maior de desenvolvimento. Os parlamentares estão traduzindo adequadamente essas ambições e a vontade da população. Para nós isso é muito bom, porque foi essa população que acabou de eleger o presidente. Portanto, ela está sintonizada com as medidas que queremos tomar. Não implantamos o Fórum da Previdência apenas para passar o tempo, porque todo mundo tem mais o que fazer do que apenas participar de reuniões. Nós implantamos um fórum que é para fazer um trabalho para valer, para analisar os problemas da previdência. Acredito que o resultado desse fórum será uma proposta para reforma da previdência. E eu nunca fui contra uma reforma da previdência. Sempre falei que a previdência tem seus problemas. Ninguém melhor do que eu conhece a evolução dos gastos da previdência no país. Eu sou contra tomada de medidas afobadas, sem fazer uma reflexão ou de eliminação de direitos adquiridos ou coisa do gênero.

Exame - Pois voltando a pesquisa, veja que a maioria é favor da manutenção desses direitos adquiridos.

Mantega - Precisa ver o que são os direitos adquiridos. Para mim, é o sujeito que já se aposentou ou aquele que está quase se aposentando. Esse também adquiriu direitos. A partir disso não. A partir disso você pode discutir. Nós temos que discutir para o país um sistema de previdência que seja sustentável a longo prazo. Que não vai quebrar daqui a 10 ou 15 anos. O Brasil tem de deixar de ser pensado no curto prazo. A grande mudança que houve no país, nos últimos anos, é que o Brasil deixou de ser um país de curto prazo, um país imediatista. Tem de começar a olhar o longo prazo. Se você olhar o longo prazo, tem de pensar se a previdência no longo prazo é sustentável, ou ela vai quebrar? Ou ela vai gerar um déficit insustentável, impagável? É nisso que temos de pensar. Eu estou inclinado a pensar que será necessário fazer uma reforma da previdência.

Exame - Mas o senhor sempre passou a impressão que não era a favor da reforma.

Mantega - Tivemos um ano eleitoral. Eu não quero afobação. Quero que a sociedade discuta e se conscientize de que a previdência vai ter problema a longo prazo. Isso é uma coisa normal. Isso acontece em todos os países, por uma questão muito simples: a população envelhece. O padrão de vida melhora e o tempo de vida da população aumenta. Se antes a previdência ficava 15 anos em média sustentando o cidadão até que ele falecesse, passou a sustentar 20, 30 anos. Todo cálculo atuarial tem de ser modificado. Se ela era sustentável com uma média de 15 anos, se você passa para 20, 30 anos, ela não é mais sustentável. Esse raciocínio tem de ser feito. Fazer um estudo vigoroso. Porque tem gente que quer fazer reforma para tirar direitos.

Exame - A pesquisa lhe dá a impressão de que a reforma poderá andar bem no Congresso?

Mantega - Isso mostra que há uma receptividade para fazer a discussão. E portanto temos que mostrar as contas da previdência. Acredito que vai prevalecer o bom senso. O fórum foi implantado na segunda-feira (12/2) e tem seis meses para apresentar uma proposta.

Exame - Há tempo nesse governo de fazer uma reforma na previdência?

Mantega - Com certeza. Em seis meses, você formula uma proposta e encaminha para o Congresso. Ele fará uma discussão. Já há um acúmulo nessa questão. Não estamos começando a discutir agora.

Exame - E a reforma tributária, onde não se vê praticamente nenhum tipo de resistência a ela?

Mantega - É uma reforma imprescindível para a modernização do país e da estrutura tributária. Precisamos simplificar a burocracia. O governo está empenhado em uma campanha para desburocratizar tudo aquilo que for possível. O objetivo da reforma é simplificar, facilitar a vida do contribuinte. Hoje, o investidor que passa de um estado para outro muda de alíquota do mesmo produto. Ele tem que conhecer 27 regimes tributários diferentes e se adaptar a eles. É uma verdadeira parafernália. Qualquer investidor brasileiro quer simplificar esse sistema. Ele não consegue receber os créditos de volta dos impostos. Há cruzamento de imposto federal com estadual. Nesse campo, estamos avançando bastante com a digitalização dos sistemas tributários. Significa criar arquivos com base digitais. Daqui a pouco, você não vai emitir nota fiscal manual. Será tudo eletrônico. Para a empresa é uma beleza. Vai lá no computador: estou vendendo 100.000 pares de sapatos que vai para tal lugar. Ele preenche aquilo lá, que já vai para a receita, para a Secretaria da Fazenda do estado e do município. Alimenta um banco de dados, emite todos os tributos e fica registrado. Aí, se passa em um posto de controle, haverá uma tela com toda o trajeto da mercadoria. Não tem mais aquela coisa de a nota fiscal passear. Esse é o primeiro passo para uma reforma tributária.

Exame - Mas já tem uma proposta de emenda constitucional no Congresso para tratar da unificação das 27 legislações do ICMS, que vai simplificar esse processo.

Mantega - Exatamente. Mas consideramos que ele pode ser muito melhorado. Queremos fazer uma reforma mais ambiciosa, que vai desembocar em um IVA [Imposto sobre Valor Agregado] nacional. Um dos principais objetivos é acabar com essas 27 legislações. Nosso grande objetivo é juntar todos os tributos federais - IPI, Pis Cofins -, juntar os estaduais e fazer um único tributo.

Exame - Então é só mandar para o Congresso, que ele aprova, de acordo com a pesquisa.

Mantega - Você está me dando uma notícia muito boa. Já temos os caminhos das pedras. É claro que isso implica numa discussão e no convencimento do Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária]. Já começamos a fazer um trabalho desse tipo. Porque você não vai só simplificar. Vai também modificar a questão da origem e do destino. Hoje ela é mais na origem e precisa passar mais para o destino. Você tem que garantir que aqueles que ganham hoje na origem não vão perder quando vai para o destino. E vamos montar um sistema de compensações.

Exame - Porque tem a questão do IPI, cuja isenção é a razão de ser da Zona Franca de Manaus.

Mantega - Aí vamos ter de fazer alguns sistemas de compensação. Quando você fizer a reforma tributária, vai acabar com a guerra fiscal. E aí, vai deixar de desperdiçar recursos. Alguns estados vão perder, pois dependem dessa guerra fiscal. Se a gente detecta que são os Estados mais pobres do Nordeste que perdem com o fim da guerra fiscal, vamos dar uma compensação para eles. Um fundo de desenvolvimento regional que vai compensar. Ninguém pode perder. Se você propuser uma reforma tributária que tem vencedores e perdedores, ela não sai. Porque os perdedores impedirão.

Exame - O governo está todo empenhado no PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]. Há reformas no programa?

Mantega - Além da menção à reforma da previdência, a tributária é um dos objetivos do PAC. Já está na agenda com os governadores. No dia 6 de março, temos uma reunião com os governadores e vamos fazer a primeira abordagem da reforma tributária. Vamos fazer o primeiro esboço da reforma, propondo um cronograma de trabalho. Vamos ter de construir em conjunto e vamos já mostrar um esboço do que seria um projeto de reforma e definir os princípios: simplificação, não haver perdas entre os parceiros, etc. Vamos mostrar que todo mundo ganha com a reforma, se você neutralizar esses descompassos que certamente haverão. A reforma tributária vai aperfeiçoar o sistema tributário brasileiro e vai exigir a formalização.

Exame - E a questão da carga tributária?

Mantega - O governo se compromete a transferir todo o ganho que tivermos com a formalização para o próprio contribuinte. À medida em que aumenta a arrecadação, melhora a eficiência, queremos reduzir tributos. Usar aquilo que aumentar, pelo menos na esfera federal - estadual podemos negociar, mas cada um é dono do seu pedaço - transferir para o próprio contribuinte.

Exame - E a reforma trabalhista? É a única reforma que não está na pauta.

Mantega - Ela não está na pauta e eu não sou especialista nessa matéria. Você teria de conversar com o [ministro do Trabalho e Emprego] Luiz Marinho. Em princípio, acho que nós devemos revisar todos os sistemas implantados no Brasil, seja o trabalhista, seja o previdenciário, todos eles. Periodicamente todos eles são passíveis de uma reforma, de uma modificação.

Exame - Mas a reforma tem como objetivo desonerar as empresas. Para que elas possam contratar mais.

Mantega - Temos que tomar cuidado, porque não podemos enveredar por um caminho que foi sugerido no passado, que era tirar direitos trabalhistas. O Brasil não tem muitos direitos. O trabalhador não é o que mais ganha no mundo. Mas eu acho que o sistema sindical brasileiro merece uma reforma. O que notamos é que há uma disposição de abrir a discussão, o que é importante. E devemos discutir. O segundo ponto é que ninguém está querendo retirar direitos. O que não se pode é transformar o trabalhador brasileiro em um trabalhador chinês, que não tem direitos ou tem poucos direitos. Não podemos construir o progresso à custa do trabalhador.

Exame - Surpreende então essa disposição do Congresso? O governo trabalharia com o Congresso para obter essas mudanças?

Mantega - Esse resultado é uma notícia estimulante. Porque estamos empenhados nessas reformas. Eu, particularmente, na reforma tributária. E tem outras reformas que são importantes. O resultado demonstra que as condições são favoráveis. Eu tenho dito que as condições políticas são extremamente favoráveis a reformas, a transformações e implementação do programa de crescimento que apresentamos. O PAC possui uma série de medidas que dependem do Congresso. As críticas ao PAC foram pela ausência e não pelo conteúdo. Ninguém falou que aquilo que está lá está errado.

Exame - Uma das críticas é que teria faltado no PAC um pacote mais arrojado de reformas.

Mantega - O Brasil faz um monte de reformas, e a gente costuma olhar só para as grandes. Temos as grandes e as pequenas. Nosso governo já demonstrou que tem vontade política para fazer grandes reformas. Mas vamos fazer as pequenas e médias. Modificar a lei de licitações não é pouca coisa. Modificar a lei de licenciamento ambiental é uma reforma.

Exame - Não seria o caso de propor uma grande reforma da previdência no PAC?

Mantega - Se você conduzir de forma equivocada, você não consegue fazer. Vários países que tentaram fazer uma reforma, levaram dez anos para concluí-la. A melhor maneira é abrir uma discussão com a sociedade. É mais eficiente do que tentar enfiar goela abaixo um projeto de reforma que não foi discutido.

Exame - Uma das reformas de que se fala muito pouco é a autonomia do Banco Central. Ela não virá?

Mantega - Eu acho que o Banco Central nunca foi tão autônomo como ele é hoje. Por que mudar alguma coisa que está funcionando adequadamente?

Exame - Nesse governo pode estar funcionando, mas e nos próximos?

Mantega - O governo de Fernando Henrique Cardoso não quis dar autonomia para o BC. Não teria muito respaldo no Congresso. Encontramos um modus operandi no BC que funciona. É o presidente que nomeia os diretores. Ele indica e o senado aprova. Em qualquer país do mundo é assim. Nos Estados Unidos, que tem o maior grau de independência no mundo, é o presidente da República que indica o presidente do BC. Os diretores também. E eles são submetidos ao senado. A única pessoa que tem autoridade para fazê-lo é o presidente. Ele foi eleito.

Exame - Fala-se que, com a autonomia do BC, poderia haver uma queda nos juros em razão da expectativa do mercado de que a política monetária não será alterada. Isso não confere?

Mantega - Os juros vão cair porque temos um sistema de meta de inflação. Se ela for baixa, o juro é baixo e vice-versa. Essa expectativa é bobagem. O BC tem de olhar a inflação.

Exame - Virou um mito dizer que a autonomia do BC é uma panacéia?

Mantega - O importante é que não haja interferência política nas decisões do BC. Estabelece uma meta de inflação e a sociedade e o mercado sabem que o BC irá perseguir aquela meta. Se a meta é boa ou não, isso é com o Conselho Monetário Nacional.

Exame - Estabelecer mandatos não seria uma boa forma de dar mais garantias de que a política monetária não será alterada?

Mantega - Acho que, do jeito que está, é suficiente. Atende às necessidades. O Risco-Brasil nunca esteve tão baixo. Isso significa que todo mundo confia no Brasil. É um país sólido e confiável.

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