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É hora de brecar a alta do real, diz pai do Consenso de Washington

Em entrevista ao Portal EXAME, o inglês John Williamson defende que o Brasil continue a comprar reservas e adote controles de capitais

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h32.

No início da década de 1990, o economista inglês John Williamson ganhou fama mundial ao resumir no termo Consenso de Washington o conjunto de medidas que a maioria dos analistas americanos acreditava ser o caminho para fazer avançar a economia dos países da América Latina. Entre os 10 pontos principais, destacavam-se propostas como privatização de estatais, abertura ao livre comércio e redução do déficit público, num pacote que essencialmente reduzia a atuação do Estado na economia para dar espaço à iniciativa privada.

Quando se tratava de política cambial, porém, Williamson já era reconhecido na década de 90 como um dos mais fortes defensores do sistema de bandas, aquele em que as moedas estrangeiras flutuam dentro de certos limites que o Estado deve manter pela atuação direta no volume de moeda estrangeira disponível no país.

Quase 20 anos depois de batizar o Consenso de Washington, a defesa da interferência estatal no câmbio tornou-se um dos pontos mais relevantes no discurso do economista. Para Williamson, que durante três anos foi professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, o cenário atual de fortalecimento do real diante do dólar justifica uma tentativa de segurar maiores valorizações do câmbio. É o que ele afirma nesta entrevista concedida ao Portal EXAME.

Portal EXAME - Em que medida a crise do subprime nos EUA pode afetar a economia brasileira?

Williamson - Caso a crise continue a ser essencialmente financeira, sem grande redução do crescimento americano, acho que o Brasil vai escapar sem maiores problemas. O perigo virá se o setor financeiro realmente acabar contaminando a expansão da economia dos Estados Unidos. Isso parece amplamente esperado pelos americanos, mas até agora não temos muitos sinais de que de fato é o que vai acontecer.

Portal EXAME - O senhor considera o Brasil mais ou menos vulnerável à crise internacional do que os outros emergentes, como a China?

Williamson - O Brasil se encontra numa posição intermediária: está menos vulnerável do que a Turquia ou o Leste Europeu, economias que têm registrado grandes déficits em conta corrente, mas aparece mais vulnerável do que os países que, pelo contrário, vêm conseguindo obter superávits, como é o caso da China e de outros asiáticos. Para mim, esses países têm desperdiçado recursos, com a política de manter superávits tão significativos, mas pelo menos agora eles têm bastante espaço para seguir bancando seu crescimento.

Portal EXAME - A resistência da economia brasileira à crise tem alguma relação com a antiga discussão sobre o Consenso de Washington e as políticas sugeridas para a América Latina?

Williamson - De fato, o primeiro ponto do Consenso de Washington era a necessidade de colocar em ordem o cenário fiscal. Essa é a razão mais importante pela qual muitos mercados emergentes estão muito mais em forma para lidar com a crise, hoje, do que estavam no passado. O Consenso também tinha como quinto ponto a necessidade de manter uma taxa de câmbio competitiva, Em conjunto com a alta de preços das commodities, esse tem sido um dos fatores que levam a superávits na conta corrente dos países, o que por sua vez ajuda na redução da vulnerabilidade.

Portal EXAME - Em que medida a fraqueza do dólar pode prejudicar a economia brasileira? Os governos dos países em desenvolvimento devem tentar barrar a valorização de suas moedas, se forem capazes?

Williamson - Eu vejo duas questões aqui: uma é o enfraquecimento do dólar em relação às outras moedas, genericamente, e outra é a valorização específica de moedas latino-americanas, como o real. Com relação ao primeiro ponto, não há nada que o Brasil e os países da região possam fazer, a não ser desejar que tivessem aplicado suas reservas em outras moedas, como o euro, na época em que ele estava fraco e os europeus recebiam bem a mudanças cambiais como essa. Mas agora já está tarde para isso, uma vez que o dólar não deve cair muito mais em relação ao euro. Por outro lado, a valorização do real está bastante excessiva e, no meu ponto de vista, faz sentido tentar limitar esse fortalecimento. Não é verdade que os governos são incapazes de limitar a valorização do câmbio, mas isso exige controles efetivos de capital ou a disposição de gastar grandes quantias em reservas, uma medida que em longo prazo costuma trazer ganhos aos governos. 

Portal EXAME - Apenas como um exercício de simplificação, que nota, entre 0 a 10, o senhor daria para a maneira como a economia brasileira tende a reagir à crise americana?

Williamson - Desde que as turbulências fiquem restritas ao mercado financeiro, eu espero que o Brasil se livre dessa com, vamos dizer, uma nota 8.

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