;Dou nota 8 para a privatização;, afirma Mendonça de Barros
Leia a seguir a participação do ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros. Luiz Carlos Mendonça de Barros: Quando fui convidado para esse seminário, a idéia central da minha presença deveria ser produzir uma revisão. Acabamos de completar cinco anos da privatização do sistema Telebrás. Também estamos falando de um período de 6 a […]
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h35.
Leia a seguir a participação do ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros.
Luiz Carlos Mendonça de Barros: Quando fui convidado para esse seminário, a idéia central da minha presença deveria ser produzir uma revisão. Acabamos de completar cinco anos da privatização do sistema Telebrás. Também estamos falando de um período de 6 a 7 anos entre o momento em que o ministro Sérgio Motta e o governo Fernando Henrique definiram as regras que iriam comandar esse processo. Se estamos aqui para pensar para frente, essa reflexão sobre o passado é fundamental. Quando esse grupo de pessoas, reunidos sobre a liderança do Ministro Sérgio Motta, começou a discutir as regras, tanto da privatização, quanto do macro regulatório que teríamos para o Brasil, fomos obrigados a fazer um exercício de futurologia. O governo deve procurar trabalhar sobre o futuro. Governar é trabalhar sobre o futuro. Com todas as limitações que nós sabemos que existem nesse processo de imaginar como uma sociedade complexa como a brasileira funcionará no futuro, dentro do governo você é obrigado a fazer isso. Todo governo erra, todo governo acerta. O que diferencia um bom governo do mau governo é a relação de acertos com erros. Eu não teria nenhum problema de dar uma nota oito para o trabalho que foi feito no governo Fernando Henrique. Não peço ao Ministro Miro Teixeira que concorde com essa nota, mas as suas palavras iniciais me levam a considerar que ele também acredita que essa nota seja correta: um 8.
Tenho em relação ao ministro Miro Teixeira, confesso, uma relação de amor e ódio. O amor vem pelo fato de o ministro ter uma vida brilhante como parlamentar combativo, um parlamentar que esteve sempre do lado que eu penso ser correto, o da democracia. O ódio vem porque, como não sou um político profissional como ele, tenho uma dificuldade muito grande de lidar com injustiça. E o ministro foi muito injusto não só comigo, mas com o ministro Sérgio Motta. Talvez uma das suas maiores injustiças, ministro, e hoje eu já tenho uma relação mais calma com esse problema, é que o senhor foi um dos que mais atacaram o preço da privatização, seguindo a linha do presidente do seu partido, de que tínhamos vendido as empresas por preço de banana. É evidente que, se alguma acusação pode ser feita ao governo Fernando Henrique, ao ministro Sérgio Motta e a mim, é de ter exagerado no preço. Foi um preço absurdo! Confesso, apesar de ter aqui do meu lado representantes de empresas que pagaram os preços, que em determinado momento até passei a não acreditar mais na racionalidade capitalista. Depois soubemos, com a explosão da bolha da Nasdaq, que os preços pagos aqui no Brasil foram até razoáveis, quando comparados, por exemplo, às licenças de terceira geração na Europa. Mas nossa responsabilidade era obter o maior preço. Agora, já passou o tempo, não tenho mais nada que ver com isso e posso confessar, essa minha reação, esse ceticismo em relação ao capitalismo. Afinal nós tínhamos contratado duas grandes consultorias de avaliação das empresas da Telebrás, e elas avaliaram as doze empresas em 8 bilhões de reais. A diferença era muito pequena, aliás. Como nem eu nem o André Lara Rezende somos infantis no que diz respeito ao mercado e como a demanda era de tal ordem que nos mostrou que podíamos vender mais caro, num gesto de ousadia, pedimos 13 bilhões. Nossa grande surpresa foi que pagaram 22 bilhões! Tudo isso tem de ser entendido no contexto da época. Foi um daqueles momentos perfeitos para explicar como funciona o capitalismo. O capitalismo é um sistema econômico em 80% do tempo absolutamente racional e, portanto, siga o mercado. Agora, há 20% do tempo que ninguém sabe nem quando nem como ocorre, sabe-se só que é por uma palavra inglesa mais forte que a portuguesa, greed (ou ganância), em que o mercado perde a racionalidade. Achávamos que tinha alguma coisa errada num negócio que vale 8, você pede 13 e vende por 22. E além disso estávamos sendo acusados, inclusive pelo ministro, mas era a sua função na época como combativo membro da oposição, de preço de banana! Hoje isso está resolvido. Se você pegar o valor de mercado das empresas, são 8 ou 9 bilhões.
Estou aqui com um relatório do IBGE recente sobre o que passou a representar a venda de serviços de telefonia no PIB brasileiro. E não posso deixar de chamar a atenção para o grande nome do ministro Sérgio Motta. Quando tomou posse no ministério, ele concorria com o ministro Miro Teixeira na sua história, não de parlamentar, mas de homem político de oposição, nacionalista. O Ministro Sérgio Motta era contra a privatização da Telebrás. Ele achava que o país, para ter condições de liderança em um mundo onde a questão da comunicação de massa já era absolutamente fundamental, precisava que isso fosse um monopólio do Estado. Mas ele passou pelo mesmo processo que o ministro passa que é, usando uma expressão bem popular nossa, "baixar um pouco a bola". As coisas são mais complicadas: tem orçamento, tem inflação, tem taxa de câmbio. O Sérgio Motta, de repente, começou a perceber que estava sendo contraditório. Para permitir que o brasileiro se desenvolvesse como cidadão ou melhorasse as suas expectativas como profissional, era fundamental que ele tivesse acesso ao telefone ou à banda larga. O telefone não era mais, e isso ficou claro, um instrumento para namorar, para ligar para a mãe no interior. O telefone, e todo esse arcabouço de telecomunicação, é absolutamente fundamental para que um país possa se desenvolver no mundo de hoje. E o documento básico, quase como um estalo de Vieira no Sérgio Motta, foi quando ele pediu à Telebrás o mapa de quem tinha telefone no Brasil, e viu que 88% dos telefones estavam na mão da classes A e B. Por uma razão muito simples. A Telebrás, uma empresa que vinha mantendo uma certa qualidade, um certo nível de investimentos, como não tinha recurso próprio, ela cobrava antecipadamente das pessoas o telefone. Com isso havia um corte claro de classe de renda. O Sérgio então se transformou e passou a ser o grande defensor dentro do governo da privatização.
Um funcionário do BNDES está fazendo um trabalho acadêmico sobre a privatização da Telebrás. E usa uma metodologia de dois cientistas políticos americanos para analisar processos de privatização e venda de ativos de Estado em democracias parlamentares. E ele chegou para mim e disse: "Olha, Luiz Carlos, estou com um problema, porque apliquei rigorosamente os critérios no Brasil, e o resultado é que a Telebrás não deveria ter sido privatizada. Não deveria, porque basicamente entrariam em campo interesses corporativos, interesses dos deputados que nomeiam o diretor da empresa. Agora, quero que você me explique, como é que ela foi privatizada, o que aconteceu?". Eu fui muito claro: "Aconteceu o Sérgio Motta". Quer dizer, o que transforma essa teoria tão qualificada de cientistas políticos americanos é exatamente a figura de um homem, com uma energia extraordinária e com um poder político muito grande, porque ele era realmente um dos articuladores políticos do presidente. Esse sujeito se convence desse processo e passa duas leis, a Lei Mínima e depois a Lei Geral, e transforma o sistema num sistema absolutamente privado com o macro regulatório estatal. E havia duas grandes cláusulas pétreas que ele sempre dizia e que se mostraram absolutamente corretas. A primeira era a questão da universalização. Isso vinha de um conceito moderno da esquerda: o Estado não tem condições financeiras de assumir a prestação de serviços públicos essenciais, mas tem a obrigação de fazer com que as empresas privadas cumpram metas sociais mínimas. O próprio vice-presidente da Telefônica aqui disse claramente que os investimentos feitos não são fruto de uma decisão meramente capitalista. Foram feitos por quê? Porque tinham uma obrigação contratual.
A segunda cláusula pétrea, e aí sim acho que existe, ministro, um espaço muito grande, é responsabilidade do seu ministério, não é da Anatel: é a questão da concorrência. Se há um ponto que falhou no Brasil é a concorrência na última milha da telefonia fixa. Na época já se sabia que era o nó górdio do sistema de privatização. Isso já tinha acontecido em outros países, nos EUA e na Europa, mas à época, seis anos atrás, não se tinha muito claro isso. Optou-se pelos 80% da racionalidade capitalista e esqueceu-se que não é bem assim que as coisas funcionam. Sou amigo do Fernando Xavier, conheço o pessoal da Telefônica, conheço menos o pessoal da Telemar, mas tenho certeza de que esse pessoal está usando o poder de monopólio, e isso não pode acontecer. Não é fácil. A experiência que eu conheço semelhante a isso é a do sistema ferroviário inglês, onde havia o mesmo problema: o monopólio natural dos trilhos. Então foi resolvido assim: "Ah, ficam os trilhos numa empresa só e todo mundo tem acesso a eles". Isso deu, além de vários desastres, uma confusão danada, então não é uma saída. Se há uma questão sobre a qual, se eu posso psicografar aqui o Ministro Sérgio Motta, ele estaria realmente incomodado, é que não chegamos ainda ao macro regulatório adequado para que haja na telefonia fixa a concorrência que existe, por exemplo, na telefonia celular, onde não há a limitação do monopólio natural da rede fixa. Para que se tenha realmente um aumento da competição.
Só mais uma coisinha que eu vou deixar claro aqui, porque o ministro tocou no assunto. Ele está sob, como é que chama?, sigilo legal. Eu não estou, até porque o que ele sabe, eu também sei. Quando se fala em ilegalidades nesse processo, são ilegalidades cometidas por empresas privadas, e não...
Ministro Miro Teixeira: Aliás, como foi destacado por mim nas duas entrevistas.
Luís Carlos Mendonça de Barros: Aliás, foi uma das razões que me fez aumentar a parcela de amor em relação a sua pessoa.
Ministro Miro Teixeira: E reduzir a de ódio.