Da depressão à estagnação, economia brasileira vive década perdida
Apesar de não ser consenso, termo usado para década de 80 volta a circular diante da frustração com uma retomada mais forte já em 2019
Ligia Tuon
Publicado em 23 de maio de 2019 às 06h00.
Última atualização em 13 de janeiro de 2020 às 11h59.
São Paulo — Os últimos dados e previsões para o Produto Interno Bruto ( PIB ) e para a renda já fazem com que muitos economistas classifiquem de nova década perdida os anos entre 2011 e 2020.
O cálculo da LCA Consultores é que o PIB per capita (PIB dividido pelo número de cidadãos) do Brasil terá recuado 0,5% ao final do período.
"Vamos revisar para baixo o PIB de 2019 e de 2020, então esse recuo terá um viés ainda pior", explica a economista Ana Luísa Lisboa Mello, da LCA.
No mesmo intervalo o PIB real avançou, em média, 1% por ano. O cálculo doPIB per capita fica abaixo disso pois a população também cresce a uma taxa próxima do 1% anual, em média.
"Do ponto de vista do poder de comprada maioria, podemos dizer que esse período foi perdido",afirma Daniel Duque, pesquisador da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
Um estudo publicado por ele no início da semana mostra que a perda de renda foi ainda mais intensa entre a parcela mais vulnerável da população.
Ele aponta que desde 2012, os 40% mais pobres perderam 14% de renda do trabalho. Considerando apenas o período de 2015 para cá, a queda foi de 22%.
Medida pelo índice de Gini, a desigualdade da renda do trabalho chegou no último trimestre a 0,627, o maior patamar da série histórica iniciada em 2012. Quanto mais perto de 1, maior é a desigualdade.
"A situação de estagnação econômica em que o país vive vem acompanhada de uma piora no mercado de trabalho, do avanço bastante lento da renda média e do aumento na desigualdade", diz.
Marcel Balassiano, economista também da FGV, vai mais longe e avalia que o Brasil está perto de concluir sua pior década em termos econômicos em mais de um século, de acordo com artigo publicado em março.
Para que sua previsão não se concretize, a economia brasileira precisaria crescer mais de 5% neste ano e no próximo, algo totalmente fora do radar dos analistas.
"Podemos concluir que os anos 2011-20 foram mais 'perdidos' do que a chamada 'década perdida' dos anos 1980", escreveu Marcel.
Apesar das óbvias diferenças em índices como inflação e na vulnerabilidade externa, economistas veem paralelos nomix conjuntural das décadas perdidas, tanto a dos anos 80 quanto a que estaria atualmente em curso.
"As duas viram uma piora da situação internacional, crises de liquidez e queda nos preços das commodities regadas a políticas econômicas terríveis", explica Duque.
Ele pondera, no entanto, que o país está atualmente melhor por causa de fatores como o avanço em políticas públicas, que absorvem o impacto social.
"Mas como a gente não consegue resolver a nossa agenda estrutural há 30 anos, se recuperar ficou muito mais difícil", diz.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, avalia que a década perdida começou a ser desenhada no segundo mandato do governo Lula, entre 2007 e 2010, quando o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, começou a desmontar as estratégias econômicas do seu antecessor, Antonio Palocci.
"Foi aí, num contexto de recuperação da crise mundial de 2008, que começou um ativismo fiscal muito intenso no Brasil", explica Vale.
As políticas intervencionistas e de estímulo ao consumo usadas pelo governo para superar a crise global teriam fugido de controle ao longo do governo Dilma Rousseff (2011-2014).
"Podemos dizer que as políticas anticíclicas foram necessárias num primeiro momento, mas deveriam ter acabado em 2010, 2011. Em vez disso, foram levadas ao extremo, até 2014, quando já ficava claro o desequilíbrio fiscal", diz Ana, da LCA.
Perdida não, assimilada
O termo "década perdida" para os anos entre 2011 e 2020 não é consenso. Roberto Padovani, economista-chefe do Banco Votorantim, prefere chamar de década complicada.
"A palavra perdida dá a impressão de que desperdiçamos tempo. E, na verdade, o que a gente nota na experiência internacional e na brasileira é que as crises têm sido motores para se avançar institucionalmente", diz o economista.
Para ele, os avanços institucionais começam com mais ênfase na gestão de Michel Temer em 2016, citando a troca da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) para a Taxa de Longo Prazo (TLP) como referência para o BNDES, o teto de gastos do governo e a reforma trabalhista.
"Estamos às vésperas de uma mudança institucional absolutamente relevante, que é a reforma da Previdência, que muda a estrutura de gastos do setor público brasileiro", conclui Padovani.
PIB em queda livre
Mesmo com a perspectiva de uma aprovação de Nova Previdência no segundo semestre, está em curso uma rápida deterioração das expectativas sobre o futuro próximo da economia brasileira.
A mediana das projeções de crescimento para 2019, coletadas pelo Boletim Focus, está em queda há 12 semanas consecutivas; começou o ano em 2,7% e já está em 1,24%.
"Apesar de pouco provável, o crescimento pode surpreender e acabarmos crescendo mais", pondera Marcelo Gazzano, da consultoria A.C. Pastore & Associados, cuja projeção de alta do PIB em 2019 é de 1%.
Uma frustração de expectativas parecida aconteceu em 2018, quando as previsões de início do ano também eram de um PIB na faixa dos 2,7%. O marco da virada no clima foi a greve dos caminhoneiros.
A previsão caiu para 1,5% entre o início de maio e a primeira semana de julho e o país acabou crescendo 1,1%, o exato mesmo nível de 2017.
O resultado do PIB do primeiro trimestre do ano será divulgado pelo IBGE na próxima quarta-feira (30) e a previsão do mercado é que ele seja negativo, algo que não acontece desde o final de 2016.
O IBC-Br, calculado pelo Banco Central e considerado como uma prévia do PIB, mostrou que a economia teve um recuo de 0,68% entre janeiro a março de 2019.