Economia

Crônica de uma morte não anunciada

Por que é preciso manter e aperfeiçoar o Provão

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h55.

Por décadas, nossa educação superior fez vôo cego. Só há pouco tempo passamos a ter um instrumento de navegação, o Provão. Hoje sabemos quem é quem e podemos escolher os melhores cursos, conhecendo a força que fazem os não tão bons para galgar a penosa escalada da qualidade. Fui um dos primeiros a reclamar das múltiplas falhas do Provão, mas também um dos mais ferrenhos defensores de sua existência e aperfeiçoamento. Sob a batuta de um professor da USP -- cujo grande feito na carreira foi destruir o sistema de avaliação dos professores de sua universidade --, o Inep passou a investir contra o próprio filho, o Provão. Para sua reformulação, foi indicada uma comissão na qual predominam pessoas cuja opinião contrária à avaliação já era sobejamente conhecida. Vemos agora divulgada a obra desses sábios. Suspeitando de que uma investida frontal não daria certo, parece que optaram por uma estratégia de morte lenta, por indigestão.

O desconforto de quem opera um curso mal avaliado é infinitamente menos importante do que o direito da sociedade de conhecer sua qualidade. A avaliação não é para agradar, mas para informar. Portanto, a confidencialidade proposta pela comissão é imoral. Se o médico somar pressão arterial, temperatura, glicemia e dosagem de colesterol, obterá um número. Embora cada um desses números seja útil para o diagnóstico, a soma não informa rigorosamente nada. Assim será com a tentativa de juntar notas dos alunos, auto-avaliação, avaliação dos ex-alunos, condições de oferta e outros tantos bichos que nem sequer individualmente são bons indicadores. Em uma modestíssima pesquisa, demonstrei que, quanto melhor a escola, mais críticos são os alunos. Portanto, opinião de ex-aluno tem o risco de depreciar os bons programas. Nenhum aluno se matricula em uma área ou em uma universidade, mas sim em algum curso específico. Mesmo as melhores universidades têm cursos péssimos. Substituir a avaliação curso a curso por áreas ou instituições tira o foco e subtrai a grande utilidade do Provão, que é informar os alunos na hora da escolha do curso. É justamente a força de tal decisão que motiva as escolas a melhorar suas ofertas.

A avaliação institucional proposta é um pesadelo burocrático. Hoje o MEC mal-e-mal dá conta de acompanhar as visitas para a abertura de novos cursos. Visitar e avaliar 14 000 cursos requer mobilizar 40 000 pessoas e custa pelo menos o dobro do Provão. Desde a primeira aplicação do Provão, já se reclamava que os resultados divulgados não capturam o efeito líquido da escola, sendo necessário eliminar estatisticamente as diferenças na qualidade dos alunos que entram. Contudo, a idéia de fazer a prova em duas etapas é de particular infelicidade. Temos hoje o Enem, cuja qualidade técnica é de Primeiro Mundo. Podemos facilmente usar seus resultados como medida do nível de aptidão acadêmica dos alunos que entram. Por que gastar dinheiro e tempo para criar uma prova que já existe?

A idéia da "relevância social" é uma volta a um critério antigo que era um pesadelo para aplicar e um erro de pontaria das políticas públicas. São as universidades públicas, financiadas com os recursos do contribuinte, que deveriam ser submetidas a esse critério. No caso das privadas, a matrícula é uma decisão soberana de uma instituição e de um cliente, obedecidos os padrões oficiais. O calcanhar-de-aquiles do Provão é o anonimato. Para viabilizar politicamente o Provão no Congresso, aceitou-se que as notas não constassem do histórico escolar dos alunos. Ao passar do universo para uma amostra, escolhida sabe Deus como, o descompromisso só poderá aumentar. A desmoralização das provas será a sentença de morte lenta e não anunciada do Provão.

O economista Claudio de Moura Castro é presidente do conselho consultivo das Faculdades Pitágoras

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