Exame Logo

Cenário fiscal;está comprometido em;2005

Com menor crescimento;e maiores gastos, o governo Lula se vê na iminência de abandonar a promessa de não mais aumentar a carga tributária. Mais difícil ainda será cumprir a promessa de recuperar;os investimentos

EXAME.com (EXAME.com)
DR

Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h49.

A fase de rápida e forte recuperação das perdas de atividade econômica que se seguiu à crise eleitoral de 2002 parece estar chegando ao seu final. Com efeito, diante da subida das taxas de juros reais que começou a ocorrer no segundo semestre de 2002, para combater as pressões inflacionárias decorrentes da aguda crise daquele ano, a atividade econômica primeiro se desacelerou seguidamente, até meados do ano passado.

Contudo, desde junho de 2003, mas principalmente de fevereiro de 2004 para cá, a economia brasileira terminou se recuperando fortemente, até esbarrar em aparente limite superior no mês de agosto último (registre-se que o índice de produção industrial, medido pelo IBGE, ficou, em setembro e outubro, praticamente no mesmo nível de agosto, corrigidos os fatores sazonais). Isso ocorreu por dois fatores básicos: 1) a queda nas taxas de juros reais internas desde meados do ano passado, cessadas as pressões inflacionárias da crise de 2002; 2) o forte impulso proveniente do excepcional crescimento do comércio mundial.

Veja também

Há, agora, o risco de a atividade econômica se desacelerar por alguns meses, até que se reúnam novas condições favoráveis à retomada da expansão. Ou que, do lado pior, surjam novos choques que a retardem. Por que a parada da recuperação? A explicação se encontra na reversão do crescimento externo (que, como se sabe agora, de tão exagerado não se mostrou sustentável tendo, inclusive, contribuído para piorar a situação do petróleo nos mercados mundiais) e na nova fase de subida das taxas de juros reais internas, desta feita em reação a novas crises.

Não se trata mais de uma única crise eleitoral, mas de uma combinação de crises de menor dimensão que tiveram lugar no primeiro trimestre deste ano. Trata-se da chamada Crise Greenspan (temor de forte subida das taxas de juros do banco central americano), aliada à crise que ficou conhecida como Crise Waldomiro, envolvendo a Casa Civil da Presidência da República, e, mais recentemente, o novo choque de preço das commodities de nossa pauta de exportação. As duas primeiras causaram forte subida das taxas de câmbio até meados de maio deste ano, seguindo-se, mais adiante, uma nova fase de queda dessas taxas, que perdura até o momento. A subida das taxas de câmbio, lá atrás, em combinação com o choque dos preços das commodities, mais recentemente, produziu novas pressões inflacionárias, que agora o Banco Central procura dissipar promovendo nova rodada de subida dos juros internos. Nesses termos, a taxa Selic anual fecha o ano próximo de 18%, ante o piso de 16% que prevaleceu em boa parte de 2004.

Quanto tempo durará esse novo ciclo de aperto monetário é questão difícil de precisar. No momento, as expectativas de inflação coletadas pelo Banco Central nos mercados sinalizam taxas ainda próximas do limite superior do intervalo de metas para os próximos doze meses. Admitindo que o Banco Central leva em conta esses elementos em seu processo de decisão sobre taxas de juros todos os meses (além de, eventualmente, influenciar as expectativas dos mercados com suas próprias sinalizações), é possível que o aperto dure ainda alguns meses, tendendo, assim, a comprometer as perspectivas de crescimento econômico do ano que vem. Em que medida? Difícil dizer, pois há, ainda, muitas incertezas no processo, inclusive quanto à real extensão da atual crise do petróleo, ao grau de desaceleração da economia mundial em curso e a outros fatores internos (entre eles, até a defasagem das tarifas de ônibus).

Dessa forma, as contas fiscais deverão se situar em cenário macroeconômico seguramente menos favorável que o de 2004, embora não se preveja nenhuma crise capaz de provocar uma derrocada como a de 2003. Volta a "novela" do salário mínimo. Não bastasse o cenário macroeconômico menos favorável para as contas públicas, mais uma vez o governo se vê pressionado por vários segmentos de sua base de apoio _ e pela própria Lei Orçamentária que acaba de ser aprovada _ para conceder um reajuste ao salário mínimo acima da inflação. O próprio candidato Lula havia prometido um grande reajuste ao longo de seu mandato, quem não se lembra? De fato, o reajuste do mínimo é uma daquelas decisões cujo lado bom é o único que as pessoas enxergam. Aumentar qualquer salário torna quem recebe o aumento mais feliz, injeta mais poder de compra na economia, melhora a desigualdade de renda, e assim por diante.

No setor privado, em seguida a aumentos do salário mínimo, costuma ocorrer aumento da informalidade. O maior drama, contudo, é a ligação do salário mínimo com o orçamento público. Como o mínimo é também piso dos benefícios assistenciais e previdenciários, qualquer aumento acima da inflação produz um grande estrago nas contas do governo (sem falar no estrago nas contas de Estados e Municípios mais pobres, que ainda pagam o salário mínimo para muita gente).

O Congresso aprovou a intenção de o governo passar o salário mínimo de R$ 260 para R$ 300 a partir de maio. Para um IPCA médio anual esperado em 6,4% no ano que vem, isso representaria um aumento real de 8,4%. Com o aumento do salário mínimo, veio ainda o problema da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), sem correção há vários anos. Aliados do Presidente da República alegam que sem essas providências (aumento do mínimo e correção da tabela), sua reeleição terá viabilização bastante difícil. O governo, por sinal, acaba de anunciar a correção de 10% das tabelas, inclusive das deduções.

Não pagar imposto é o sonho de todos. O grande drama, para os gestores financeiros do governo, é que essas medidas reduzem a receita e aumentam fortemente os gastos. Sem instrumentos capazes de cortar outros gastos correntes ou de aumentar gastos de investimento (cujo incremento é desejável, pois eles já estão no fundo do poço), o Ministério da Fazenda terá de enfrentar, assim, uma conta maior no ano que vem, sem dispor do mesmo volume arrecadado este ano (medido em % do PIB), uma vez que a arrecadação recorde de 2004 foi atípica.

Não há, portanto, como a área econômica deixar de se opor tenazmente a essas duas medidas. E, se o ministro receber a ordem para cortar impostos, o melhor imposto a cortar não é o que incide sobre a renda, mas os impostos indiretos, embutidos nos preços dos vários produtos que tanto o rico como o pobre compram nas lojas, sem discriminação de valor. Seria melhor cortar a alíquota da Cofins, recentemente aumentada, e é imposto indireto embutido em tudo que se compra, e deixar o IRPF quieto. Essa decisão ainda teria o apoio dos Governos Estaduais e Municipais, que deixariam de perder parte da arrecadação de impostos partilhada com a União (no caso, do IRPF).

Mas o fato realmente importante, por muitos desconhecido, é que hoje cerca de 23 milhões de beneficiários de programas assistenciais e previdenciários ganham aproximadamente um salário mínimo. Um aumento do salário mínimo pode não parecer muito quando se olha para o ganho adicional de cada pessoa, mas tem um impacto brutal nas contas públicas. Para cada R$ 1 de aumento, tem-se o impacto líquido de R$ 180 milhões anuais só no orçamento federal, sem falar no impacto sobre a folha de pagamento das prefeituras e dos Estados mais pobres.

Nesses termos, os cerca de 8,4% de aumento real proposto para o salário mínimo (que correspondem a algo ao redor de R$ 21,84 de incremento real) implicariam gasto líquido adicional de cerca de R$ 4 bilhões por ano. Como a despesa é permanente, em 18 anos esse gasto totalizaria nada menos que R$ 72 bilhões, à conta do contribuinte de impostos. Esse, aliás, representa o compromisso financeiro efetivo que é assumido pelo governo quando toma uma decisão dessas, pois é o valor presente dos fluxos futuros desse gasto adicional até o final dos tempos, a uma taxa de desconto de 6% ao ano.

Outra questão de suma importância é a constatação de que o melhor uso dos recursos públicos em causa talvez não seja direcioná-los para o reajuste do mínimo. Como ele infelizmente não atinge a grande camada dos realmente necessitados, o melhor seria dedicar mais recursos aos programas tipo Bolsa-Escola, onde a produtividade do dinheiro público em termos sociais parece ser bem mais alta.

Em suma, com menor crescimento do PIB e maiores gastos do que havia programado ao enviar a proposta orçamentária ao Congresso, o governo Lula se vê na iminência de abandonar a promessa de não mais aumentar a carga de impostos, sob pena de não conseguir viabilizar o cumprimento do compromisso de superávit fiscal previsto para 2005. Mais difícil ainda será cumprir a promessa, tantas vezes repetida em entrevistas de importantes autoridades da República, de recuperar fortemente os investimentos públicos no ano que vem.

O economista Raul Velloso é um dos maiores especialistas brasileiros em finanças públicas

Acompanhe tudo sobre:[]

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Economia

Mais na Exame