Carne para de subir em janeiro, mas preço vai continuar salgado com fim do auxílio emergencial
Retirada do benefício pode ter afetado a demanda e freado alta, mas, com exportação aquecida, patamar atual deve se manter ao longo do ano
Agência O Globo
Publicado em 10 de fevereiro de 2021 às 06h33.
Na hora de fazer o mercado, um preço tem doído mais que outros no bolso dos brasileiros: o da carne.
Depois de uma alta de quase 18% em 2020, o custo do alimento parece ter se estabilizado em janeiro, com um pequeno recuo de 0,08%, de acordo com dados divulgados pelo IBGE nesta terça-feira.
No entanto, o preço da carne continua salgado em plena crise e tudo indica que vai continuar assim ainda por um bom tempo.
O presidente da Bolsa de Gêneros Alimentícios do Estado do Rio de Janeiro (BGARJ), Humberto Margon, explica que um dos fatores que influenciam o preço da carne é o aumento da exportação, o que reduz a oferta interna:
— Os frigoríficos, com o aumento dos preços (no exterior) e a maior demanda das exportações, estão trabalhando com estoques menores, o que faz os preços altos nos mercados.
Segundo projeção da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), no período de janeiro a novembro de 2020, as exportações somaram 1,84 milhão de toneladas, um aumento de 9% em relação ao mesmo período de 2019.
Desse total, 780 mil toneladas foram apenas para a China, cuja recuperação da economia aumenta a demanda por proteínas.
Deflação coincide com fim do auxílio
A leve queda de 0,08% no preço médio da carne medido pelo IPCA, o índice de inflação do IBGE, em janeiro pode estar ligada à redução do seu consumo com o fim do pagamento do auxílio emergencial.
A última parcela de R$ 300 para trabalhadores informais prejudicados pela pandemia foi paga em dezembro.
Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o consumo brasileiro de carne bovina foi de 29,3 quilos por habitante em 2020, uma queda de 5% em relação ao ano anterior, mas o impacto da crise do coronavírus poderia ter sido maior sem o auxílio.
Na avaliação do gerente da pesquisa de preços do IBGE, Pedro Kislanov, é mesmo provável que o fim do auxílio tenha reduzido o consumo de carne entre os mais pobres, já que se trata de um item mais caro entre os alimentos e o primeiro a ser cortado na hora do aperto.
— O auxílio emergencial ajudou a sustentar uma alta dos produtos alimentícios ao longo do ano passado. Essa deflação das carnes em janeiro pode ter relação com o benefício, mas podem ter outras influências do próprio mercado que a gente precisa aguardar para analisar melhor — afirmou Kislanov.
Lisandra Barbero, economista da XP Investimentos, concorda:
— Ainda é cedo para falar que a deflação foi caracterizada pelo fim do auxílio porque ela está associada a outras questões como a demanda internacional e o preço de fertilizantes. Mas vimos atipicamente em janeiro uma pressão menor vinda dos preços de carne no atacado e, por consequência, o atacado repassou menos ao consumidor.
Na última segunda-feira, o preço da arroba de carne bovina chegava a R$ 301,50 segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea Esalq/USP).
Consumidor troca produtos para economizar
Sentido em diversos estabelecimentos comerciais no Rio, o preço ainda alto tem levado muitos consumidores a optarem por alternativas mais em conta na hora de fazer as compras. É o que conta a gerente do Açougue Tutano, em Copacabana, Aline Vitória:
— Foi inevitável o repasse para o consumidor final. O cliente costumava pagar menos na carne de segunda, utilizada no dia a dia, e, com o aumento veio o susto. Nós da revenda varejista temos percebido que o consumidor final tem feito manobras, tem diminuído o consumo bovino e intercalado entre as carnes de frango e suína.
Para os próximos meses, Margon, da BGARJ, acredita que, mesmo com menor consumo, o preço da carne deve seguir alto:
— Se a oferta de animais continuar baixa e a exportação abrir com força, a tendência é o mercado continuar com preços em alta.
Abate de fêmeas também afeta preço
Além da exportação, a diretora-executiva da Agrifatto, casa de análises de investimento em ativos agropecuários, Lygia Pimentel, aponta outro fator por trás da oferta reduzida de carne no mercado interno: o abate acelerado de fêmeas nos anos anteriores a 2020 devido ao baixo preço do bezerro.
— Como consequência, o produtor atualmente está investindo na retenção de fêmeas e, com isso, aumentando a capacidade de produção de bezerros, o que equilibraria os preços no futuro. Mas, para o momento, o que temos é uma oferta bastante ajustada — explica.
Lygia ressalta também que uma estiagem severa em 2020, a pior dos últimos dez anos, prejudicou a engorda de animais e pode ter contribuído para a diminuição da oferta e o consequente aumento do preço do produto no comércio.