Carlos Campani, da UFRJ: 50 dias de carnaval não vão salvar o Rio
Para o professor de finanças da UFRJ, a extensão do carnaval é positiva como forma de aquecer a economia, mas não irá salvar as finanças da cidade
Da Redação
Publicado em 13 de janeiro de 2020 às 18h23.
Última atualização em 13 de janeiro de 2020 às 19h54.
São Paulo — Já é carnaval no Rio de Janeiro . Ontem, domingo, 12 de janeiro, a Riotur abriu oficialmente a festa com um bloco que reuniu cerca de 300 mil pessoas em Copacabana ― e que coroou Rei momo, rainhas e princesas do Carnaval 2020.
Além de adiantar o calendário oficial, este ano, o carnaval carioca terá 50 dias de duração. Segundo a organizadora RioTur, a extensão é uma forma de manter os turistas que já estavam na cidade para o réveillon, fazendo a economia girar.
Por trás da folia, somente em 2019 a cidade do Rio de Janeiro acumula um déficit de cerca de três bilhões de reais. Além do povo carioca, os funcionários públicos é quem vêm pagando a conta, com atrasos nos salários e caos nos serviços.
Para Carlos Heitor Campani,professor de finanças do Instituto COPPEAD de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a extensão do carnaval é positiva como forma de aquecer a economia, mas não irá salvar as finanças da cidade.
Em entrevista a EXAME, o professor define a decisão da RioTur como cortar o cafezinho da presidência de uma empresa: ainda que pequena, é uma ação no sentido de balancear as contas.
Esse ano a Riotur decidiu adiantar o início do carnaval, que terá 50 dias de duração. A medida é para fortalecer o turismo e trazer dinheiro para a cidade. Você acha que essa decisão reflete o quadro de emergência nas finanças do Rio?
Sem dúvida alguma as finanças da cidade se encontram paupérrimas. Para você ter uma ideia, 2019 fechou e deixou algo próximo de 3 bilhões de reais para serem pagos. É indubitável que a situação financeira do município do Rio de Janeiro vai de mal a pior. Então, essa é uma ação que vai ao encontro de aumentar receitas. É claro que você não vai conseguir salvar as finanças do município com 50 dias de carnaval, essa é a menor das dúvidas. Eu comparo muito com aquela questão de, no ambiente corporativo, cortar o cafezinho da presidência. Você não vai resolver o problema da empresa, mas é um indicativo de que as pessoas estão imbuídas e trabalhando em prol da melhoria da situação financeira da cidade. Para os cariocas em si, a vida não muda tanto. Não resolve o problema, mas é uma ação.
Como ficaram as finanças do Rio em 2019 e quais são as expectativas para este ano?
Ano passado o Rio de Janeiro fechou com dívidas da ordem de 3 bilhões de reais. Esse ano isso não pode acontecer porque é o último ano do prefeito e, pela lei de responsabilidade fiscal, se o déficit se repetir, o prefeito pode, e deverá, sofrer as sanções cabíveis em lei. Esse déficit que a prefeitura inicia 2020 não é referente somente a 2019, ele já vem de 2018, onde houve um rombo de 2 bilhões de reais. Grande parte dessa dívida é com servidores públicos. Essas pessoas precisam ser pagas. Uma segunda coisa importante é dimensionar as suas despesas versus suas receitas. Se continuar tendo mais despesas do que receitas, a conta não fecha. O orçamento da prefeitura previsto para 2020 é de 32 bilhões de reais. Se você tem hoje 3 bilhões de reais de buraco, isso representa menos 10% no orçamento do ano. É uma situação ruim, mas ainda há luz no final do túnel. 2020 é um ano em que a gente espera que não somente nosso país, mas principalmente o Rio de Janeiro, recupere pelo menos parte de seu potencial econômico que foi muito perdido ao longo dos últimos anos.
Por que o Estado está em crise há anos e ainda não conseguiu superar esse quadro?
A crise começou lá atrás, com escândalos não apenas de corrupção ― o Estado do Rio de Janeiro tem vários ex-governadores presos, ora na prisão, ora com tornozeleira ―, mas também de péssima gestão. Você passa por um boom das commodities, e o Rio de Janeiro é um estado dependente de commodities, em especial, o petróleo. Quando houve esse boom as pessoas geriram o estado, e por consequência o município, como se aquilo fosse o padrão, mas naquela época já se sabia que o petróleo não se manteria naqueles altos patamares. São dois problemas que vinham se acumulando, a corrupção e uma péssima gestão. Infelizmente não existe uma varinha mágica que vai colocar dinheiro no cofre público. Tem muito trabalho com competência, eficiência e conhecimento. Essas 3 coisas são fundamentais para que um bom gestor público tenha sucesso.
Hoje, o que é mais emergencial para as finanças do rio?
A primeira coisa é gerir com competência, com pé no chão. Saber quais são as receitas e, dadas as receitas, gerir com o que se têm. O segundo ponto é que a prefeitura estimule economicamente a cidade do Rio de Janeiro. Seja através do estímulo a microempreendedores, seja via Parcerias Público Privadas, dentro dos limites que a lei impõe. Isso não é simples. É preciso muita criatividade e trabalho.
O que podemos esperar para os próximos?
Eu sou otimista. Acho que a gente têm que aprender com os erros. Com base nessa leitura, eu estimo que os próximos governantes escolham pessoas competentes para gerir a cidade da melhor forma possível. Com interesse público e sem interesses pessoais, principalmente. Nessa visão otimista, a gente espera que a cidade evolua para que daqui a 5 ou 10 anos a discussão seja como investir o dinheiro da prefeitura, quais áreas são prioritárias. A saúde no Rio de Janeiro é um problema muito sério, mas você não tem dinheiro nem para pagar seu servidor, como é que você vai investir em outra coisa? Para chegarmos a essa conversa de como e onde investir, precisamos ter dinheiro.