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Captações externas confirmam euforia do mercado internacional

Apesar do otimismo, em 2004 o governo vai se debater entre a cruz política e a espada econômica

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h22.

O Banco Votorantim iniciou os negócios na terça-feira (2/12) esperando captar 50 milhões de dólares no mercado internacional. Ao fechar os livros na quarta-feira (3/12), havia trazido mais 120 milhões de dólares para o mercado brasileiro. O sucesso repetiu algo que vem acontecendo cada vez que boas empresas do país testam o apetite internacional: a demanda normalmente é muito superior à oferta. Após ter se fechado para o Brasil, o mercado internacional de capitais está ávido por títulos brasileiros. Companhias de primeira linha, como a Petrobras, têm captado por prazos longos, de até 15 anos.
Qual a razão para tanto otimismo? Olhando apenas os números do mercado financeiro, os onze primeiros meses do governo Luiz Inácio Lula da Silva foram um sucesso avassalador.

  • No fim de 2002, um dólar custava 3,53 reais. No fim de novembro de 2003 ele custava 2,934 reais.
  • O risco Brasil, que chegou a um máximo de 2 400 pontos em setembro do ano passado, começou o ano acima de 1 600 pontos. No início de dezembro, havia caído para cerca de 500 pontos.
  • O principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo encerrou 2002 a 11 268 pontos. Iniciou dezembro a 20 520, uma alta de 82%.
  • A taxa básica de juros, a Selic, chegou a 26,5% no início do ano. Está em 17,5% e os prognósticos mais otimistas apontam juros de até 16% na virada do ano.
  • Depois de ameaçar um retorno triunfal, a inflação comportou-se bem no ano que se encerra. Os índices de preços convergem para a média de 9%, e os prognósticos para 2004 variam entre 5% e 6%.

Com tantas notícias positivas, aparentemente falta pouco para que o Brasil seja elevado ao nível de investment grade, o grau de investimento aceitável para os grandes fundos internacionais, para que seu risco-país caia abaixo dos níveis do México, para que a economia cresça a saudáveis 3% ao ano, conseguindo não só exportar, como também amortizar a dívida interna e externa. Ou seja: um caminho em auto-estrada bem asfaltada para o clube das nações que interessam, com chegada prevista para o médio prazo, certo?

Vamos com calma.

O que aconteceu com a bolsa de São Paulo, o dólar e o risco-Brasil esta semana prova que as coisas não são assim tão fáceis. Na terça-feira, o banco alemão West LB divulgou um relatório recomendando a seus clientes que aumentassem a participação de títulos brasileiros e russos em seus portfólios de investimento.

Tivesse sido divulgada na semana passada - em plena euforia após o corte de 1,5 ponto percentual dos juros pelo Comitê de Política Monetária, o Copom -, a recomendação de investimentos teria feito os papéis brasileiros e as ações subirem, teria voltado a derrubar o dólar e provocado uma forte queda no risco-Brasil. Não foi nada disso que aconteceu. Ao contrário, as ações caíram, o dólar subiu de preço e os títulos da dívida externa caíram. Boa parte desse movimento foi uma realização clássica de lucros: satisfeitos, os investidores que compraram no momento certo decidiram colocar algum dinheiro no bolso. Esse movimento prosseguiu na quarta-feira (3/12). Sem grandes notícias, o mercado ficou apático e operou sem tendência ao longo do dia.

Uma parte do mercado está convencida que os limites possíveis de alta já foram atingidos. "Há alguns meses estávamos discutindo qual seria o fundo do poço. Hoje estamos falando se chegamos ou não no teto", diz um experiente profissional do mercado financeiro. Sua conclusão é que há pouco lugar para o otimismo.

Qual a razão disso? A alta das ações e dos títulos da dívida brasileiros nos últimos dias foi um espasmo: um movimento muscular, uma reação à queda inesperada das taxas de juro. Isso ocorreu no bojo de um movimento maior. Como, com exceção dos Estados Unidos, as principais economias européias e boa parte do mundo ainda não estão dando sinais claros de aquecimento econômico, suas taxas de juros permanecem baixas. Os investidores estrangeiros com um pouco mais de apetite para o risco aproveitam-se então dos juros melhores dos países emergentes. Essa enorme oferta de dinheiro global vem favorecendo o Brasil. Como o governo Lula foi de fato bem-sucedido em convencer os mercados de que é fiscalmente responsável e monetariamente bem-comportado (ou seja, arrecada mais do que gasta e mantém os preços baixos), o dinheiro flui abundantemente para o Brasil. Enquanto essa liquidez durar, nenhum problema. No entanto, quando a fonte do dinheiro secar por qualquer motivo imprevisível e incontrolável (como um atentado terrorista, por exemplo), os preços voltam a seus níveis anteriores.

Há outro problema: um dos principais trunfos políticos do governo é a promessa de crescimento para 2004. Crescimento, aqui, não é uma variável econômica, mas um componente político: a criação de empregos. A conta do mercado é simples: se não gerar empregos em 2004, o governo perde a eleição municipal e vai ser muito difícil administrar o Congresso na segunda metade do mandato, diz um administrador de fundos. O problema é que crescer implica resolver desafios que vão além do mundo financeiro, mas esbarram no mundo real. Alguns setores estratégicos da economia, como o siderúrgico, por exemplo, estão operando perto de seus limites de capacidade instalada. Isso se não levarmos em conta que há dois anos e meio discutia-se seriamente a possibilidade de um apagão, pela incapacidade de o sistema elétrico atender a demanda. Os especialistas acreditam que mesmo o aumento da disponibilidade de recursos para o BNDES não será capaz de, sozinho, solucionar essa deficiência.

O governo está prometendo crescimento, mas só pode cumprir essa promessa até um certo ponto. Se forçar a mão, a economia vai esbarrar nos gargalos e terá de exportar menos, comprometendo a acumulação de reservas e a geração de superávits comerciais. O pior cenário para o PT no ano que vem seria observar o setor produtivo refazendo - para baixo - as previsões de crescimento. Ou, pior, observando o Copom ter de apertar de novo o garrote dos juros sobre a economia para conter uma alta de inflação provocada pela demanda. Nesse eventual cenário, vitórias fáceis como a continuidade da alíquota de 27,5% de imporsto de renda para pessoas físicas ficarão cada vez menos freqüentes. "Com o Congresso difícil, os investidores ficarão muito reticentes para com o Brasil", diz um economista de um banco internacional.

Ou seja: apesar de todo o otimismo e a euforia do mercado financeiro, o cenário para 2004 tem pelo menos uma grande incógnita. Se não cumprir suas promessas de crescimento, o governo terá problemas políticos. Se cumpri-las, arrisca-se a ter um difícil desafio econômico pela frente.

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