Brasil pode evitar armadilha da renda média, diz economista
Em entrevista a EXAME.com, Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia, diz que desaceleração econômica é comum, mas pode ser superada
João Pedro Caleiro
Publicado em 14 de agosto de 2013 às 18h04.
São Paulo – Se há algo em comum entre a crise financeira de 2008 nos Estados Unidos, o abalo da zona do euro em 2010 e a desaceleração atual dos emergentes, é a dificuldade da política em reagir adequadamente aos desafios econômicos de seu tempo.
Essa é uma das conclusões de Barry Eichengreen, autor de livros como “A Globalização do Capital” e “Privilégio Exorbitante – A Ascenção e a Queda do Dólar e o Futuro do Sistema Monetário Internacional”, ambos publicados no Brasil. Ele já foi consultor do Fundo Monetário Internacional ( FMI ) e ensina Economia e Ciência Política na Universidade da Califórnia em Berkeley desde 1987.
No Brasil para duas palestras na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo ( USP ), o americano de 61 anos conversou com EXAME.com nesta terça-feira sobre emergentes, Estados Unidos, Europa, crise e desemprego:
EXAME.com – Como você avalia os aprendizados após a crise de 2008?
Barry Eichengreen – Fomos relativamente bem na provisão de liquidez no curto prazo, mas muito mal na reforma financeira. Muitos dos elementos que levaram à crise continuam presentes: não fizemos praticamente nada sobre “too big to fail” e derivativos.
Os problemas não foram de aprendizado, mas de implementação. Nós, economistas, sabemos entender e apontar soluções, mas não somos bons em prever problemas e entender os limites políticos na hora de dar o remédio. Uma das maiores lições da crise para economistas é que tudo se resume à política.
EXAME.com – Nesta segunda-feira, um estudo mostrou que pela primeira vez desde 2007,países desenvolvidos voltaram a contribuir mais para o crescimento global do que os emergentes. A euforia acabou ou esse é um suspiro temporário?
Barry Eichengreen – A história chinesa está basicamente intacta. Não existe razão para que eles não possam continuar crescendo a 7 ou 8% ao ano por um período longo – e com as reformas corretas, a Índia também pode. Sempre foi um pouco artificial colocar esses países junto com Rússia, Brasil e África do Sul, são economias muito diferentes.
Parte da euforia em relação aos BRICS acabou. Mas, no longo prazo, países de renda média ainda devem crescer mais que países ricos. A logica que fez as pessoas apostarem nos emergentes continua: a diferença é que antes, bastava ter esse rótulo para ser visto como um investimento certo, e agora os investidores estão mais seletivos – como deveriam.
EXAME.com – Um dos temas da sua palestra é a “armadilha da renda média”. O Brasil caiu nela?
Barry Eichengreen – Processos de desaceleração de crescimento acontecem em vários níveis de renda, mas a maior proporção é no PIB per capita que o Brasil está exatamente agora. Não é atípico de que o crescimento diminua neste ponto, mas não nada de inevitável na “armadilha da renda média”.
No trabalho que fiz com meus colegas, olhamos para os 40 casos de países da historia moderna que cresceram rápido por 7 a 10 anos e então desaceleraram. Vocês não têm muitas das características e condições deles, como taxas de câmbio depreciadas, taxas de investimentos insustentáveis, população muito velha. Esses não são problemas para o Brasil.
Mas outros fatores, como participação muito pequena de exportações de alta tecnologia, são. E países com altos níveis de educação tendem a superar essas desacelerações com mais sucesso – nesse aspecto, o Brasil está mais ou menos.
Tudo depende das políticas adotadas. O Brasil pode continuar crescendo de 4% a 6% ao ano se fizer investimentos, manter uma taxa de câmbio apropriada, investir melhor em educação e encontrar uma forma de exportar produtos com mais tecnologia.
EXAME.com – A Europa está diante de uma década perdida?
Barry Eichengreen – A Europa já está na metade dela. Amanhã, teremos os números do PIB para a zona do euro no trimestre e os políticos vão dizer que a recessão acabou. Mas é muito cedo para isso: os números mudam muito de um período para o outro, e o crescimento está distribuído de forma desigual entre países do norte e do sul. Países em crise continuam a se contrair, a dívida continua lá, o alto desemprego também. A probabilidade de um colapso é baixa; a chance de que o crescimento vai voltar milagrosamente também.
EXAME.com – Há então um risco com a sensação de que o pior já passou?
Barry Eichengreen – Sim, há um grande risco de complacência. Eles não reformaram nem unificaram seu sistema bancário, mas a pressão para recapitalizar e tomar decisões difíceis vai diminuir, assim como a vontade de fazer uma reestruturação da dívida de alguns países. Nós já sabíamos que nada ia acontecer em nenhum desses fronts até a eleição de outubro na Alemanha. Depois dela, teremos mais números trimestrais, e então talvez isso os convença que o crescimento não voltou de verdade e que eles precisam lidar com isso.
EXAME.com – A opção pela austeridade se mostrou acertada ou foi um erro?
Barry Eichengreen – Eu acho que alguns países não tinham escolha além de reduzir a relação dívida/PIB, mas podiam ter feito isso de formas melhores, aumentando o denominador através de políticas mais pró-crescimento, por exemplo. Se a austeridade era necessária nos países do sul, deveria ter havido expansão fiscal nos países do norte, além de uma politica de crescimento do ECB e reestruturação da divida onde ela era mais alta.
Isso incluiria um reconhecimento no caso da Grécia já em 2010 de que a dívida deveria ser reestruturada, mas os responsáveis europeus negaram que isso fosse verdade e isso foi avalizado pelo FMI. Austeridade na Grécia não custa muito para o povo alemão, mas reestruturar a divida em 2010 teria custado muito aos bancos alemães.
EXAME.com – Não seria melhor uma zona do euro menor?
Barry Eichengreen – Como diz o provérbio americano: se minha avó tivesse asas, ela poderia voar. Se nós pudéssemos ir de uma zona do euro grande para uma pequena, ela voaria melhor, mas chegar lá seria incrivelmente caótico: assim que o primeiro saísse, todos se perguntariam qual seria o próximo e haveria ataques especulativos, crises financeiras e corridas bancárias na Europa inteira. Não existe estratégia de saída, e por isso ela não vai acontecer.
EXAME.com – Em setembro, a economia americana pode enfrentar turbulências com diminuição do ritmo de compra de ativos pelo Federal Reserve e brigas no Congresso para elevar o teto da dívida e evitar um calote. Você está preocupado?
Barry Eichengreen – Mais com o segundo fator do que com o primeiro. O FED quer ver o desemprego chegar a 7% antes de diminuir a taxa em que compra títulos do Tesouro, então não temos que nos preocupar com isso até o ano que vem. Muito pior é se o Congresso não for capaz de aumentar o teto da divida e manter a confiança do investidor nos títulos do tesouro. Confio que o FED vai continuar a apoiar o crescimento, mas não na habilidade do Congresso de fazer o mesmo.
EXAME.com – Pensando no longo prazo, você acha que a economia americana deve voltar ao normal assim que os efeitos da crise se dissiparem ou estamos diante de um novo período de baixo crescimento?
Barry Eichengreen – Me lembro de ouvir muitas pessoas argumentando que o progresso tecnológico diminuiu e que agora que inventamos a internet, não teremos mais nenhuma inovação tão importante. Mas esse tipo de diagnóstico tem estado errado por 200 anos e continuará errado no futuro: não é porque não podemos prever quais serão as próximas inovações que elas não vão ocorrer.
Eu acho que está dentro do potencial americano crescer o que é normal em uma recuperação, de 3,5% a 4%, mas isso não está acontecendo, e as pessoas que estão fora do mercado de trabalho acabam sofrendo as consequências de longo prazo em termos de habilidades atrofiadas e perdidas. O desemprego dos jovens de longo prazo causa problemas sérios, então me preocupa o fato de que não colocamos em pratica politicas para apoiar um crescimento maior agora.
EXAME.com – De que forma o desemprego atual afeta o longo prazo?
Barry Eichengreen – Há uma série de estudos estatísticos que mostram que quando os jovens terminam o ensino médio ou faculdade e não encontram emprego, eles tem renda menor e continuam menos produtivos mesmo muito anos depois. Ser capaz de se colocar no mercado desde o início faz uma grande diferença em quanto você vai conseguir ascender no futuro, então me preocupo especialmente com a Europa, onde o desemprego da juventude ultrapassa 50%.
EXAME.com – Você acredita que é importante que o Banco Central seja legalmente independente?
Barry Eichengreen – De forma geral, países com bancos centrais independentes tendem a ter inflação menor e mais estável. O que é interessante é que essa independência está atualmente sob ataque em vários lugares por causa de respostas pouco convencionais à crise que fez com que as pessoas perguntassem: quem são esses burocratas? E eles estão reagindo a isso com mais transparência. A resposta correta não é os tornar menos independentes.
EXAME.com – Existe esperança para a rodada Doha?
Barry Eichengreen – Pelo pouco que sei, sou pessimista. Acordos bilaterais e regionais são o único caminho. Ouvi falar que o Brasil está se preparando para falar com a União Europeia, por exemplo: essa é uma alternativa prudente.