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Bônus em ano de prejuízo sinaliza competitividade

Professor de finanças da New York University defende que fatores de competitividade forçaram o sistema de bônus a ser mais protetor dos empregados

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 20 de março de 2009 às 16h21.

O pagamento de bônus por empresas penalizadas pela crise internacional trouxe à tona diversas opiniões divergentes sobre o tema. Roy Smith, professor de finanças da New York University e ex-sócio do banco de investimentos Goldman Sachs, defende em entrevista que fatores de competitividade forçaram o sistema de bônus a ser mais protetor dos empregados do que costumava ser.

- Há muitos críticos hoje de que o sistema de bônus não deveria nunca ter sido tão grande, porque eram baseados em ganhos de curto-prazo, por exemplo. O senhor acredita que esse tipo de coisa encorajou os executivos a assumir riscos exagerados?
Bem, você nunca sabe, não é? Wall Street tem uma longa tradição de reconhecer a renda do ano atual pelo que é. E os mercados mudam, e um grupo que fez muito dinheiro em um ano no ano seguinte pode não fazer tanto dinheiro no próximo ano. E nós nos acostumamos com isso. Agora, há modos de compensar pessoas. E uma parte é em recompensa do ano corrente, e parte da contribuição para o futuro de longo prazo da empresa. Então, nós chamamos os bônus tudo isso, mas é possível que uma empresa escolha pagar todo o bônus em lucros de curto prazo. Isso não seria sensato para muitas firmas fazerem, mas se você é uma empresa de hedge fund, você tende a fazer isso desse modo. Se você é um banco de investimentos dando clientes para clientes, você provavelmente prefere medir o desempenho nos retornos de longo prazo. Mas se você está em algum lugar no meio, você tem que fazer bons julgamentos para saber quanto da contribuição do funcionário é para o ano corrente, quanto para o retorno de longo prazo.

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- Mas então o que deu errado com o sistema em questão?
No senso da compensação, da remuneração, a ganância é boa. Eu apóio a idéia de ganância no senso da compensação. O que deu errado é que ele pode ter sido exposto ao tipo de excessos que os críticos estão apontando. Assumir riscos é uma coisa. Posso garantir a você que ninguém em Wall Street está se beneficiando do mercado que acabamos de ter. Ninguém. De fato, eles perderam muito mais, porque esses executivos são também grandes acionistas das ações das empresas para quais trabalham. Muito dos seus bônus são pagos em ações, e se eu dissesse para você que metade dos seus bônus é pagamento em dinheiro, e metade em ações, caso a sua performance não seja tão boa, você não vai ser tão bem pago. A primeira coisa que precisamos lembrar é que Wall Street não se beneficiou com esse colapso do mercado. Eles perderam uma grande quantidade de dinheiro. Eles fazem muito dinheiro nos anos bons, e perdem muito também nos ruins. Esse é o primeiro ponto. O segundo ponto é que Wall Street não é uma instituição de caridade. Eles não dão dinheiro embora porque há resultados bons. Eles são muito duros para dar dinheiro embora. Eles querem reter os funcionários, e sabem que para isso precisam pagar justamente, mas a idéia de que eles estão dando dinheiro embora como água é incorreta. Eles são duros para dar dinheiro aos seus funcionários. Acreditamos que pagam as pessoas com pessoas extraordinárias, e as punem com performances ruins. Sim, claro, no ano passado 18 bilhões de dólares foram pagos em bônus em Wall Street. Daí a questão é: por que uma empresa pagou qualquer coisa em um ano de perdas?

- Exatamente. Não é estranho uma empresa que perdeu dinheiro tenha recompensado com bônus seus executivos?
Parece estranho para todos, mas esse é o problema. Se você paga qualquer bônus em anos quando há prejuízo na empresa, isso significa que o sistema já não é mais tão puro como era. Não é tudo ou nada, é possível fazer exceções no sistema de bônus, como um bônus de garantia. Isso são fatores de competitividade que forçaram o sistema de bônus a ser mais protetor dos empregados do que costumava ser. Há um acordo entre os administradores da empresa e os possuidores de capital delas. Então, você pode dizer que o sistema foi corrompido pela competição e outros fatores, e você pode estar certa, talvez ele volte a ser mais limpo depois dessa corrupção, mas eu não contaria com isso. Há duas semanas vimos o caso do Deutsche Bank estar no mercado tentando comprar times de investimento do banco Merrill Lynch, e por quê? Porque eles acham que esses times estão um pouco inseguros em saber para onde vão com a fusão com o Bank of America, então o Deutsche Bank chegou e ofereceu a eles grandes bônus. E o que eles vão fazer? Reclamar com o público alemão que as empresas do país estão pagando muito?

- Mas então você acredita que os bônus não têm mais nada a ver com desempenho, e sim como ferramenta de retenção?
Os bônus hoje podem não ter mais tanto a ver com desempenho quanto chegaram a ter antes, mas ainda tem muito a ver com desempenho.

- O senhor acredita que os recentes episódios relacionados a bônus poderão deixar uma idéia diferente para o futuro dos bônus?
A reação do público hoje é tão forte que os executivos não ousaram pegar o seu bônus para 2008. E essas pessoas são ricas o bastante para não precisar desse dinheiro para as suas contas de supermercado. Então, não faz diferença. Mas eu não acho que de maneira geral os fatos recentes possam representar uma mudança na política de bônus. O que eu devo fazer se o pessoal do Deutsche Bank quiser contratar o meu pessoal? Eu devo não pagá-los porque eu falei com uma jornalista do Brasil? Se a idéia é punir as pessoas por fracasso e recompensá-las pelo sucesso, você deveria entender o sistema pelo que ele é. Ele realmente faz isso, e de forma mais real do que qualquer outra indústria. Então, eu não entendo porque as pessoas estão reclamando. Eles querem que as pessoas sejam punidas quando os resultados são ruins, e é exatamente o que está ocorrendo.

- O que o senhor acha do pacote do governo limitando os bônus para as empresas salvas pelo governo?
Essas medidas impuseram restrições muito severas para os bônus, então isso acabará servindo como um grande incentivo para fazer as empresas saírem logo da cesta de ajuda do governo. O problema é que não é fácil para nenhuma das empresas que aceitaram dinheiro do governo se livrar logo do governo, porque eles receberam enormes quantias de dinheiro. A meu ver, é um pouco injusto o governo forçar uma empresa a receber o dinheiro, e só então colocar restrições econômicas em como essa empresa deve pagar seus funcionários, depois de você já ter determinado as regras para receber o pacote de ajuda do governo. Além disso, ele não vai barrar a procura do mercado por esses profissionais. E essa medida só vai forçar os bancos a perderem seus melhores profissionais, porque os profissionais vão continuar sendo disputados no mercado.

- Vemos hoje empresas como General Electric que estão dando bônus menores para 2009. O senhor acredita que está emergindo neste momento uma tendência de bônus menores?
Não, isso é uma reação a uma forma extrema de pressão pública. Os bônus vão continuar. Quando a indústria se recuperar desse momento, haverá diferentes sobreviventes, e esses vão voltar a competir como faziam antes. E a competição é importante.

- O senhor acredita que o sistema de bônus é importante para todas as empresas americanas?
Sim. Os bônus são uma parte importante e necessária da indústria americana. Os Estados Unidos giram em torno de um sistema de compensação executiva em qualquer indústria, com exceção dos serviços do governo. Para a maior parte das indústrias que são competitivas, os bônus são uma ferramenta fundamental. E isso se espalhou para muitas outras partes do mundo, penso que também para o Brasil.

- Hoje, o que precisam ter em mente os executivos que estão recebendo bônus menores, em função do cenário atual?
Que o sistema está funcionando do modo como deve funcionar, e que se eles querem obter qualquer bônus eles precisarão trabalhar ainda mais pesadamente para isso. É parte do jogo.

- O senhor tem alguma idéia de quando surgiram os bônus?
Em Wall Street, penso que os bônus se tornaram comuns nos anos 20, uma época parecida com o período entre 1995 e 2007, quando a compensação em Wall Street era muito alta em relação a outras indústrias.

- O senhor afirma que os bônus em geral se tornaram mais automáticos e menos relacionados a um desempenho superior quando as empresas perceberam que elas tinham que pagar todos os seus executivos bem porque havia sempre alguém tentando “roubar” os seus melhores profissionais. Mas, o que mais poderia incentivar os profissionais de certa empresa, além de um bônus agressivo?
Hoje, as empresas são muito maiores do que eram antes, e muito mais difíceis de administrar. Além disso, os acionistas exigem cada vez mais uma administração mais eficiente, e demandam programas para aumentar o valor das ações e os resultados financeiros das corporações. Quando isso ocorre, a compensação executiva tende a seguir os resultados, mas quando não ocorre o CEO tende a ser demitido. Você verá que a compensação executiva e o valor das ações têm estado correlacionados por muitos anos. Há abusos e excessos, é verdade, mas é função do conselho dessas empresas controlarem isso.

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