Bastidores: imbróglio das emendas parlamentares ainda é principal entrave à pauta econômica
Desde agosto, o pagamento das emendas foi suspenso por decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF)
Repórter especial de Macroeconomia
Publicado em 5 de dezembro de 2024 às 16h32.
Interlocutores do governo e do Congresso são unânimes em afirmar que a demora e as dificuldades para a votação da reforma tributária, do pacote fiscal de corte de gastos e das sabatinas de indicados para agências reguladoras e para o Banco Central (BC) decorrem doimbróglio em torno das emendas parlamentares. Os relatos foram apresentados à EXAME por parlamentares, técnicos do Congresso, da equipe econômica e da ala política.
Desde agosto, o pagamento das emendas foi suspenso por decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), e a expectativa dos parlamentares era que o fluxo de repasses seria reestabelecido após as eleições.
Passado mais de um mês do fim do processo eleitoral, os compromissos já firmados pelo governo com deputados e senadores não foram cumpridos, segundo os parlamentares e auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Quem acompanha o assunto afirmou que a pauta do Congresso só deslanchará após o pagamento dos compromissos já firmados.
Em meio ao impasse, o Palácio do Planalto solicitou ao Ministério da Fazenda o pagamento de R$ 7,8 bilhões em emendas parlamentares, dos quais mais da metade são verbas do Ministério da Saúde. Veja abaixo o detalhamento dos recursos:
- Saúde - R$ 4,1 bilhões;
- Fazenda - R$ 3,1 bilhões;
- Educação - R$ 177 milhões;
- Integração e Desenvolvimento Regional - R$ 166 milhões;
- Cidades - R$ 129 milhões;
- Desenvolvimento e Assistência Social - R$ 43,6 milhões;
- Agricultura - 13,4 milhões;
- Turismo - R$ 5 milhões
A tendência é que os pagamentos comecem a ser feitos a partir da próxima sexta feira, 6, e sejam concluídos ao longo da próxima semana.
Entenda o imbróglio
O pagamento das emendas parlamentares foi suspenso por decisão de Dino 1º de agosto. Na ocasião, ele determinou que as emendas de comissão e as chamadas 'emendas PIX' só deveriam ser pagas pelo governo federal quando houvesse "total transparência e rastreabilidade" dos recursos.
O Congresso aprovou um projeto de lei com novas regras para endereçar as determinações do magistrado, mas em nova decisão Dino definiu que os recursos das emendas de comissão e dos restos a pagar das antigas emendas de relator só podem ser executadas caso o parlamentar solicitante seja identificado nominalmente no Portal da Transparência. Além disso, a execução das emendas deve constar em outro portal, o Transferegov.
Para as transferências das "emendas Pix", Dino condicionou o pagamento à apresentação prévia de um plano de trabalho, contendo objeto e prazos para a obra que será contemplada com o dinheiro público. Esse plano, segundo a decisão, terá de ser aprovado pelo governo federal. No caso das emendas já empenhadas, foi estabelecido um prazo de 60 dias para apresentação do plano.
Mediação pelo AGU
Diante da insatisfação dos parlamentares com a nova decisão de Dino, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou ao magistrado, na última terça-feira, 3, pedido de esclarecimento da decisão que definiu os critérios para a liberação do pagamento de emendas.
A AGU citou três pontos específicos da determinação judicial e pede para que sejam considerados pela Corte os critérios estabelecidos pela lei aprovada pelo Congresso que disciplina o pagamento das emendas.
Os pontos tratam da exigência prévia de plano de trabalho para as chamadas "emendas Pix" (transferências especiais), identificação nominal do parlamentar nas emendas de bancada e de comissão e de critérios para limite de crescimento de despesas com as emendas.
Retomada parcial dos trabalhos
Em paralelo aos esforços do governo para tentar destravar o pagamento das emendas, a Câmara dos Deputados mandourecados claros para o governo na votação dos requerimentos de urgênciade parte dos projetos do pacote de corte de gastos. Nas duas deliberações, os requerimentos foram aprovados sem uma votação expressiva — e muito próximas do número necessário para aprovação.
Em meio ao debate, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deixou claro que deputados e senadores estavam insatisfeitos com as decisões do Supremo. Sem citar Dino, ele afirmou na última quarta-feira, 5, que a decisão do STF causa “muita intranquilidade legislativa”. Lira ainda acrescentou que o governo não tinha, naquele momento, os votos necessários para aprovar as urgências dos projetos, diante da insatisfação dos parlamentares.
"Mas o fato de ter sido uma lei votada pela Câmara, pelo Senado, sancionada pelo presidente da República, e logo em seguida uma outra decisão remodelando tudo o que foi votado, causa muita, muita intranquilidade legislativa. Hoje o governo não tem voto sequer para aprovar as urgências dos PLs (projetos de lei)", disse.