Economia

"Assistimos a um parlamentarismo branco na reforma", diz economista

Para o economista, que participa dos debates sobre reforma da Previdência desde os anos 1990, o ambiente atual do Congresso é favorável

A comissão especial da Reforma da Previdência começa a discutir o parecer do relator. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A comissão especial da Reforma da Previdência começa a discutir o parecer do relator. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 23 de junho de 2019 às 12h59.

Rio - Embora sugira "retoques" ao relatório do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) sobre a proposta de reforma da Previdência, o economista Fabio Giambiagi, especialista no tema, está "relativamente otimista" com a aprovação da mudança constitucional.

O relator fez um "esforço muito relevante de conciliar diferentes opiniões", disse Giambiagi, que trabalha no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e, mesmo completando os requisitos para se aposentar em agosto, pretende continuar trabalhando.

Para o economista, que participa dos debates sobre reforma da Previdência desde os anos 1990, o ambiente atual do Congresso é favorável. Só que, em vez de liderada pelo Executivo, a aprovação da reforma está sendo comandada pelo Legislativo, numa espécie de "parlamentarismo branco". O problema é que, nesse modelo, o ambiente favorável pode ser efêmero, resultando na persistência do cenário de incerteza, que pode manter o País na estagnação.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

O impacto fiscal de cerca de R$ 900 bilhões, previsto no relatório da comissão especial, é adequado?

É o melhor possível nas circunstâncias atuais.

Uma reforma com economia maior não seria aprovada?

Nós técnicos aprendemos a duras penas que os limites da política obrigam a uma necessária dose de realismo. Nesse sentido, o valor de R$ 1 trilhão em dez anos não deve ser entendido como algo inviolável, no sentido de que uma reforma de R$ 1 trilhão é ótima e que outra de R$ 900 bilhões é um desastre. Não faz sentido. Seria desejável ter uma reforma de R$ 1 trilhão ou mais, mas aquilo que é politicamente viável passar no Congresso é o que o relator apresentou, com alguns retoques.

Quais os retoques?

Dividiria as questões em três grupos. O primeiro é a questão dos Estados. Como cidadão, torço para que, no fim do processo, os Estados sejam reinseridos na proposta. Se isso não ocorrer, vamos ter de um a dois anos de conflitos de todo o tipo, nos processos de aprovação nas assembleias legislativas. Será um cenário terrível para os Estados, porque vão ficar numa situação de extrema penúria, devido ao aumento das despesas financeiras, e péssimo para o País, porque, nesse ambiente de convulsão, será muito difícil haver retomada forte do investimento.

Qual o segundo grupo?

A capitalização. É uma discussão meritória, que o ministro Paulo Guedes, compreensivelmente, tem encaminhado com muita ênfase, mas em relação à qual tenho dúvidas acerca da conveniência política de insistir neste momento. Meu receio é que acabe gerando uma reação negativa de algumas dezenas de deputados que poderiam votar a favor.

E o terceiro ponto?

O terceiro ponto envolve uma série de questões que acabaram sendo modificadas no relatório de uma forma inesperada. Entre elas, a regra de transição do funcionalismo, estendida também para o regime geral, mas cuja origem está claramente nas pressões do funcionalismo.

Há outras questões inesperadas?

A retirada do gatilho de elevação do parâmetro etário da idade mínima em função de futuras mudanças na expectativa de vida. Há um divórcio entre a Constituição e a demografia. A demografia não irá se adaptar à Constituição, então, a única solução é adaptar a Constituição à demografia.

Esses problemas comprometem o relatório?

O relator Samuel Moreira fez um esforço muito relevante de conciliação de diferentes opiniões.

O sr. está pessimista ou otimista com a aprovação da reforma?

Estou de certa forma perplexo, porque o rumo que o tema está seguindo é algo que não era contemplado em nenhum dos cenários de analistas. Os cenários passavam pela formação de uma maioria liderada pelo Executivo. E o que estamos assistindo hoje é a uma figura inteiramente singular do que alguns começam a chamar de parlamentarismo branco. Se a reforma passar, e estou relativamente otimista de que há boa chance, será pelo trabalho de articulação que tem sido feito pelo deputado Rodrigo Maia (presidente da Câmara). A questão é que essa articulação se dá num contexto em que os deputados perceberam que o custo de uma eventual não aprovação da reforma da Previdência seria altíssimo e eles apareceriam diante da opinião pública como responsáveis por algo que seria visto como uma catástrofe. Tenho sérias dúvidas de esses incentivos que hoje existem se manterão.

Essa articulação do parlamentarismo branco pode ser efêmera?

Exatamente. Para a reforma tributária, pelo papel do Rodrigo Maia, que praticamente chamou a causa para si, pode ser que essa situação se repita, mas, à medida que nos aproximamos de futuras eleições, e lembramos que já temos uma no ano que vem eleições municipais, em outubro, os incentivos para que deputados que não são da base aliada votem a favor do governo diminuem. O chamado velho regime morreu, está sendo substituído por um ornitorrinco, uma coisa que é difícil de definir, mas ninguém sabe se esse ornitorrinco vai sobreviver.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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