Economia

As origens da onda populista

The Populist Explosion: How The Great Recession Transformed American and European Politics Autor: John Judis. Editora: Columbia Global Reports. 184 páginas.  ——————— David Cohen É tentador definir a vitória de Donald Trump nas eleições americanas como a revolta da classe média branca empobrecida do interior dos Estados Unidos – para os otimistas, uma espécie de passo […]

BERNIE SANDERS: para Judis, ele faz parte da mesma onda populista que elegeu Trump  / Scott Olson / Getty Images News

BERNIE SANDERS: para Judis, ele faz parte da mesma onda populista que elegeu Trump / Scott Olson / Getty Images News

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Da Redação

Publicado em 26 de novembro de 2016 às 06h52.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h15.

The Populist Explosion: How The Great Recession
Transformed American and European Politics
Autor: John Judis. Editora: Columbia Global Reports.
184 páginas. 

———————

David Cohen

É tentador definir a vitória de Donald Trump nas eleições americanas como a revolta da classe média branca empobrecida do interior dos Estados Unidos – para os otimistas, uma espécie de passo atrás no inexorável rumo do progresso; para os pessimistas, uma catástrofe que ameaça dizimar todas as conquistas sociais dos últimos anos.
Obviamente essa explicação (de que a decadência do trampo levou à ascensão de Trump) é tão rápida quanto errada. Ou pelo menos incompleta. Para entender a eleição de Trump – e quiçá ter um guia do que esperar de seu futuro governo – é preciso analisar o contexto que lhe permitiu ganhar tanta força. É isso o que faz o jornalista John Judis, em seu recente The Populist Explosion: How The Great Recession Transformed American and European Politics (A explosão populista: como a grande recessão transformou a política americana e europeia).

O contexto, para Judis, é tanto histórico quanto econômico – tem uma dimensão cronológica, bem como geográfica. O fenômeno Trump segue a tradição populista iniciada no final do século 19, que passa pelas candidaturas independentes de Ross Perot e Pat Buchanan, e também faz parte de uma tendência mundial, cujos exemplos mais recentes são a vitória dos eurocéticos no plebiscito que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia, a liderança de Marine Le Pen nas intenções de voto para presidente da França e o fortalecimento de partidos populistas à esquerda (Podemos, na Espanha, Syriza, na Grécia) e à direita (como o Partido Popular, na Dinamarca, ou o Partido da Independência do Reino Unido).

Ah, sim. Judis inclui na tendência populista a surpreendente demonstração de força de Bernie Sanders, o pré-candidato que desafiou Hillary Clinton até o final da corrida pela nomeação do Partido Democrata (por quem ele sente afinidade, mas que não deixa atrapalhar sua análise).

Se não tratasse apenas dos Estados Unidos e da Europa, Judis poderia ter arrolado ainda o exemplo da rejeição do acordo de paz com as Farc, na Colômbia. E, quem sabe, o impeachment de Dilma Rousseff, no Brasil, fruto de uma insatisfação agravada pela mesma crise que explica os movimentos populistas.

Nós contra eles

Segundo Judis, é um erro tentar definir o populismo. Diferentes partidos e pessoas chamados de populistas exibem algumas semelhanças, mas não existe um conjunto de traços que possa ser encontrado exclusivamente em todos eles.
Populismo é muito mais uma lógica política do que uma ideologia. É um jeito de pensar sobre política. No livro The Populist Persuasion (A persuasão populista), o historiador Michael Kazin define o populismo como“uma linguagem em que o agente concebe as pessoas comuns como um nobre agrupamento não limitado pela classe; enxerga seus oponentes da elite como antidemocráticos, que só pensam em si próprios; e tenta mobilizar os primeiros contra os segundos”.
Basicamente, populista é alguém que usa o discurso do “nós contra eles” para mobilizar um grupo de eleitores e conquistar o poder. Judis parte dessa definição, mas acrescenta um elemento a mais. Ele distingue os populistas de esquerda e de direita.

Os de esquerda opõem o povo a uma elite ou um sistema que acusam de sequestrar o estado em seu favor. Os de direita também opõem o “povo” a uma elite, mas que eles acusam de favorecer um terceiro grupo – que pode ser de imigrantes, muçulmanos, ou minorias, como fez repetidas vezes Trump durante a campanha.

O populismo de esquerda é bilateral, o de direita, trilateral. Na campanha americana deste ano, houve os dois tipos. Sanders clamava contra “os bilionários”; Trump clamava contra as elites (grandes empresas que terceirizam os empregos e fogem dos impostos americanos) mas tinha também o bode expiatório dos imigrantes ilegais, com sua oferta de mão de obra barata, e especialmente dos muçulmanos, com seu suposto risco de ataques terroristas.

Essa definição lembra os movimentos fascistas, tanto o italiano quanto sua versão piorada, o nazismo alemão. Mas Judis afirma que o populismo moderno não é um fascismo, por duas razões.

A primeira: o fascismo nasceu como resposta ao avanço comunista no início do século 20. Eles culpavam a democracia por oferecer uma resposta débil aos radicais de esquerda, e ambicionavam impor uma ditadura (os populistas atuais têm obedecido ao processo democrático).

A segunda: os fascistas se inserem num momento histórico de expansão imperialista. Eram governos que queriam dominar outras regiões e conquistar mercados. As motivações de hoje são opostas: fechar o país, dar marcha a ré na globalização.

Os antecedentes do populismo

O populismo atual tem outras raízes, diz Judis. Ele vem do Partido Populista americano da década de 1890. Na época, tanto democratas quanto republicanos defendiam a política do estado mínimo, acreditavam na capacidade de os mercados se auto-regularem.

Mas os fazendeiros sofriam uma crise de quase duas décadas, que fez os preços despencarem. Pequenos agricultores estavam sendo expelidos do mercado, comprados por grandes empresas do leste do país, e os empregados enfrentavam a concorrência de imigrantes da China, Itália, Portugal e Japão, que aceitavam salários muito mais baixos.

O populista em geral consegue algum sucesso quando o público, em ocasiões especiais, se torna receptivo a mensagens que os grandes partidos menosprezam ou ignoram, diz Judis. Naquele cenário, as demandas eram por subsídios do governo, regulação das ferrovias (que cobravam o quanto queriam e estavam estrangulando os fazendeiros), reconhecimento dos sindicatos.

Embora tenha tido 10% dos votos em 1894, a primeira experiência populista teve vida curta. Os democratas adotaram parte de sua plataforma, pelo menos superficialmente, incluindo uma aproximação com movimentos de supremacia branca.
Três décadas depois, eles ressurgiram, na esteira da Grande Depressão dos anos 1930. Segundo Judis, o democrata Franklin Roosevelt ganhou folgadamente as eleições de 1932, mas não com a plataforma de usar o estado para aliviar a crise econômica. Ao contrário, ele prometia austeridade. O que o fez mudar foi a pressão exercida por outro populista, Huey Long.

Os democratas fizeram suas pesquisas e concluíram que se Long concorresse em 1936 como independente podia atrair milhões de eleitores democratas e com isso fazer com que os republicanos voltassem ao poder. Isso fez Roosevelt lançar o “Segundo New Deal”, que adotava algumas das propostas de Long para combater a desigualdade.
Nem teria precisado. Long foi assassinado em 1935. Mas a nova política de Roosevelt provocou um realinhamento eleitoral que tornou os democratas hegemônicos durante muitos anos.

É esse realinhamento eleitoral que, segundo Judis, costuma ser propiciado pelos populistas. A dinâmica, segundo ele, é a seguinte: no sistema americano, os dois partidos costumam brigar para atrair o voto de centro, o meio termo entre ambos. De quando em quando, porém, uma nova realidade surge fora do consenso dos dois grandes partidos, e é explorada por alguém que corre por fora.

Aconteceu com o New Deal, aconteceu de novo na década de 1970, quando o populista George Wallace atraiu um novo tipo de eleitor – justamente o grupo que foi o cerne da campanha de Trump.

Em 1976, o sociólogo Donald Warren publicou um estudo sobre o que chamou de americanos médios radicais, ou MARs. Era um grupo nem de direita nem de esquerda, nem liberal nem conservador. Os MARs “acham que a classe média foi seriamente negligenciada”, escreveu Warren. “Os ricos cedem às pressões dos pobres, e a classe média tem de pagar a conta”, diziam. Não gostavam do governo central, mas também achavam que as grandes companhias tinham poder demais e eram grandes demais.

Os MARs eram mais homens que mulheres, tinham ensino médio mas não faculdade, sua renda era média ou um pouco abaixo, tinham empregos técnicos ou de vendas. Era uma turma que favorecia a proteção do estado, mas não em questões raciais ou de segurança.

Wallace levou um tiro e teve de largar a disputa pela presidência em 1972 (e em 1976 foi eclipsado por Jimmy Carter, outro democrata sulista). Mas sua plataforma foi apropriada, em boa parte, pelos republicanos, com um discurso contra o estado grande e contra ações afirmativas para acabar com a discriminação racial.

Dos anos 1930 até o final dos anos 1960, os democratas eram identificados com os dois terços mais pobres da pirâmide social. Os republicanos, com o terço superior. Por isso os democratas ganharam quase todas as eleições. Com a incorporação do discurso populista de Wallace, no entanto, os republicanos mudaram o jogo. Ali cessou a clara demarcação entre aliança partidária e renda ou educação.

Um fenômeno de vida curta?

A sina dos populistas, diz Judis, é que eles surfam em mensagens menosprezadas pelos políticos tradicionais e, quando a onda é grande, conseguem chegar longe. Mas sua viagem não costuma durar, ou porque seu discurso é cooptado pelos partidos majoritários ou porque, uma vez no poder, precisam lidar com realidades mais complexas do que seu discurso de “nós contra eles” e acabam decepcionando – ou se tornando partidos tradicionais, também.

Não é coincidência que, na França, Marine Le Pen tenha se afastado das partes mais controversas do discurso de seu pai, Jean-Marie Le Pen, fundador da Frente Nacional, que falava bem da França de Vichy (que apoiou a ocupação nazista) e dizia que o Holocausto foi “um detalhe” da Segunda Guerra.

Embora faça sucesso como um partido contra “tudo isso que está aí”, Marine diz claramente que sua ambição é transformar a Frente Nacional em um partido como qualquer outro.

No Reino Unido, o Partido da Independência venceu o plebiscito, mas não está claro como ele poderia aproveitar essa vitória para chegar ao poder. Seu líder, Nigel Farage, inclusive, declarou que sua missão já estava cumprida.

O realinhamento de Trump

Trump deverá representar, segundo esta visão, um terceiro caso em que um discurso populista provoca um realinhamento eleitoral nos Estados Unidos. Ele não surge do nada: bebe livremente da fonte que Ross Perot e Pat Buchanan descobriram, na década de 1990.

Basta comparar os discursos: Trump frisava, durante a campanha, que o acordo de livre comércio com o México e o Canadá “sugou empregos para fora do país”. Perot, um também bilionário que concorreu pelo Partido Reformista, dizia que o acordo iria “provocar um enorme som de sucção dos empregos americanos indo para o México”.

Buchanan, um ex-republicano que concorreu pelo Partido Reformista em 1996 (quando Trump desistiu de candidatar-se), dizia que “um país que perde o controle de suas fronteiras não é mais um país”, algo muito semelhante à frase de Trump: “nós não temos país se não tivermos fronteiras”.

Em 1992, Perot opôs-se à intervenção militar americana no Oriente Médio (a guerra para expulsar os iraquianos que haviam invadido o Kuwait). Sua prioridade era colocar a casa em ordem para “fazer a América trabalhar de novo” (soa bastante com “fazer a América ser grande de novo”, de Trump), com fundos do governo para estimular as indústrias do futuro. Perot obteve 19% dos votos, mas segundo pesquisas de saída de urna 40% disseram que teriam votado nele se achassem que ele tinha chances de ganhar.

Como se vê, as propostas de Trump não são exatamente novas. O que o levou ao sucesso foi, segundo Judis, a nova situação econômica. Assim como a Grande Depressão levou a uma reviravolta política, a Grande Recessão iniciada em 2008 estaria provocando as mudanças nos Estados Unidos e na Europa.

A diferença é que nos anos 1930 os democratas se apropriaram do discurso populista e o esvaziaram. Desta vez, foi o discurso populista que se apropriou de um dos partidos majoritários. Os republicanos tradicionais tentaram barrar Trump, mas foram derrotados. Segundo Judis, num caso venceu o populismo de esquerda; no outro, o de direita.
Trump está longe de ser um republicano clássico. Ele é adepto de pouca intervenção do governo, mas a favor de gastos sociais universais em saúde, e investimentos vultosos em infra-estrutura. E é a favor do aborto e dos direitos dos homossexuais.

“Se tivesse baseado a campanha em seu moderado republicanismo, Trump provavelmente não teria ganhado um único delegado”, diz Judis. Mas ele combinou seu republicanismo moderado com as visões de Perot e Buchanan, contra o consenso que vigora há anos entre republicanos e democratas em política externa, comércio e investimentos e imigração.

Isso explica por que Sanders declarou que poderia apoiar Trump em algumas causas. Ambos tinham plataformas parecidas – embora Trump seja agressivo e preconceituoso, e Sanders elegante e aberto; e embora Sanders não tivesse elegido nenhum bode expiatório para as mazelas da classe média americana.

E qual é o consenso entre republicanos e democratas, ao qual Trump se opôs? Trata-se, segundo Judis, da política neoliberal que vigora desde os anos 1970 nos Estados Unidos (a exposição desse argumento revela sua simpatia pela plataforma de Sanders, mas não prejudica a análise).

Na década de 1970, os Estados Unidos começaram a sentir a pressão dos europeus e dos japoneses, recuperados da destruição da Segunda Guerra. Isso ficou evidente em 1971, quando os EUA tiveram o primeiro déficit comercial do século 20.

Com um dólar apreciado e a abertura econômica, os americanos logo incorreram em um déficit comercial, em sua maior parte para os países asiáticos, que no entanto reenviam o dinheiro para os Estados Unidos em investimentos no mercado financeiro, gerando uma dívida americana monstruosa. Essa estratégia privilegia os setores de finanças, tecnologia e eletrônica, em detrimento do setor manufatureiro.

Com a crise econômica, a deterioração dos empregos chegou a um nível que pendeu a balança em favor do populismo (embora Hillary ainda tenha conseguido a maioria dos votos). Na Europa, diz Judis, o avanço populista foi provocado pela imigração recorde, acoplada a um crescimento interrompido, e ao rigor de um processo de unificação que tirou dos países a margem de manobra para combater a crise econômica com medidas clássicas como a desvalorização da moeda.

Para Judis, a grande mudança que está por vir é a corrosão desse sistema em que os Estados Unidos vivem do mercado financeiro para pagar seu déficit comercial – que pode significar um realinhamento não apenas americano, mas mundial.

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