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ARTIGO: Tudo pelo desemprego

Que a Câmara Municipal tenha bom senso e não cerceie a liberdade de gerar riquezas

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h21.

Parece estranho, mas, como no Brasil tudo pode acontecer, estamos vendo pela primeira vez um sindicato lutar bravamente para que um número significativo de seus membros fique desempregado. É exatamente isso que o Sindicato dos Comerciários de São Paulo faz ao defender o fechamento do comércio aos domingos. Se não houvesse nenhum outro argumento para manter as lojas abertas nesse dia, bastaria este: 16% dos trabalhadores em empresas comerciais podem perder o emprego se o sindicado não mudar de posição.

A conta é muito simples. A Constituição de 1988 determinou 44 horas semanais de trabalho como regime máximo no país. Trabalhando seis dias e descansando um, qualquer empregado não pode trabalhar, em média, mais do que 7,3 horas por dia. Caso uma empresa decida trabalhar sete dias por semana, ela terá turnos semanais de 51,3 horas, em lugar das 44 constitucionais. Para atender essa demanda e ficar dentro da lei, o empregador necessariamente terá de admitir mais pessoas. Foi exatamente o que aconteceu quando se liberou a abertura do comércio aos domingos. Os cálculos demonstravam que haveria um crescimento de 15% no número de empregados no setor. Mesmo assim, já naquela época a abertura aos domingos recebeu forte oposição do Sindicato dos Comerciários, coerente com sua posição atual.

Além da manutenção de empregos, a abertura do comércio aos domingos tem outras justificativas fortíssimas. Várias pessoas trabalham de segunda a sábado e têm apenas o domingo para fazer compras. Isso ocorre justamente com os membros das classes sociais menos favorecidas. Se o comércio fechar nesse dia, a vida dessas pessoas ficará mais complicada. Tanto assim que o domingo se tornou o segundo dia da semana em volume de vendas -- e o aumento real de vendas justifica o acréscimo de custos gerado pelo aumento no número de empregados.

Compete ao Estado fazer cumprir a legislação no seu sentido mais amplo, mas sem intervir no livre comércio. Se um comerciante quer ficar com seu estabelecimento aberto 24 horas por dia, 365 dias por semana, desde que cumpra as leis que regulam sua atividade e a de seus funcionários, não há razão para que seja impedido de desenvolver seu negócio.

Como o varejo, por definição, é um prestador de serviços, ele precisa atender a demanda de seus clientes. Se eles querem comprar aos domingos, às 3 horas da madrugada ou via internet, terá mais sucesso o varejista que for capaz de entender a forma como o consumidor se organiza para comprar, mostrando-se disponível de acordo com esse comportamento. No mundo moderno, a questão da abertura das lojas está assumindo um papel secundário, uma vez que o consumidor pode ter acesso a bens e serviços a qualquer hora através da internet, do telemarketing, da TV interativa e dos catálogos de venda. Quem imagina que todo o varejo opera no modelo monocanal está pelo menos dez anos no passado.

É para essa realidade que o Sindicato dos Comerciários e os vereadores de São Paulo deveriam atentar. Fechar o comércio aos domingos servirá apenas para diminuir o já complicado nível de emprego, dificultará a vida das pessoas que só têm o domingo para ir às compras e incentivará as compras por outros canais. O resto é ranço do passado, quando imaginávamos que seria possível criar o país dos nossos sonhos por meio do paternalismo estatal e da multiplicidade de leis. Devemos manter a esperança de que a Câmara Municipal de São Paulo tenha um ataque de bom senso e acabe logo com essa tentativa de cerceamento da liberdade de produzir e gerar riquezas. O Brasil precisa desesperadamente voltar a crescer logo -- e isso só se consegue com muito trabalho.

Nelson Barrizzelli é professor da FEA-USP e especialista em varejo.

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