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A ironia da Europa: única solução real é a mais inviável

Para Peter Hall, especialista em Europa de Harvard, imigração, integração e austeridade mostram fosso entre o que é desejável e o que é politicamente possível

EXAME.com (EXAME.com)
DR

Da Redação

Publicado em 25 de agosto de 2015 às 15h24.

São Paulo - Qual foi a grande vítima da crise do euro ?

A Grécia é forte candidata, mas quem sofreu mais foi o próprio projeto europeu. E ironia máxima: o melhor caminho agora é completar a integração e não apostar no cada um por si, como tem acontecido.

A opinião é de Peter Hall, professor de Economia Política do Cento de Estudos Europeus da Universidade de Harvard .

Ele é autor de dezenas de livros e artigos sobre o continente e serve no conselho de publicações acadêmicas e institutos europeus.

Por telefone, ele conversou com EXAME.com no final da semana passada. Veja a entrevista:

EXAME.com – AGrécia é o próprio “eterno retorno”. Algo mudou depois do último acordo ou vamos continuar no mesmo ciclo?

Peter Hall – Por causa de gastos excessivos na primeira década do euro, a Grécia tem que sair de um buraco negro fiscal. Já reduziu o gasto, aumentou a receita e foi de um déficit para um superávit em um nível que poucos países jamais conseguiram, mas o desemprego é enorme e não há como crescer com um nivel de dívida insustentável.

O problema é a que a retórica pública na Europa sugere que as últimas medidas vão solucionar o problema quando o registro sugere que não há nenhuma chance disso acontecer, o que produz um ciclo de desapontamentos políticos endêmicos. O FMI está certo ao dizer que a única solução é reestruturar a dívida, mas isso intensifica a reação.

Há uma questão real se os eleitorados dentro e fora da Grécia podem ser satisfeitos em algum momento, e é isso que faz essa crise tão séria e perigosa.

EXAME.com – A Grécia está presa ao euro e isso a torna menos competitiva, enquanto o contrário acontece com a Alemanha. Mas como a Alemanha pode mudar o cenário na UE?

Hall – Não acho que a Grécia se beneficiaria de uma saída do euro, mesmo que eventualmente seja forçada a isso. Suas exportações são tão fracas que uma desvalorização em massa não ajudaria muito.

Também é compreensível que haja analistas pedindo para a Alemanha se inflar, na esperança de que isso estimularia o Sul da Europa, mas o impacto seria pequeno na melhor das hipóteses.

O fato chave aqui é que temos uma crise da divida, e quando ela está nesse patamar só pode ser reduzida por crescimento ou inflação. O BCE descarta inflação, então resta crescimento, e ele não será gerado por reformas estruturais sozinhas. A Europa precisa se mover em direção a um estímulo anti-deflação coordenado através do continente – o que é o oposto da politica atual.

EXAME.com – Mas quem pode disparar este processo e como?

Hall – No momento, a Alemanha está na pilotagem. Este estímulo exigiria a transferência de grandes somas de dinheiro para que governos do Sul possam ter déficits e não superávits, que são a base atual da politica.

É este tipo de reversão que é muito difícil da Alemanha contemplar, já que sua economia está indo bem por critérios atuais, assim como a de outros países do norte.

O incentivo para prover mais recursos não existe, e a tentação é sugerir que cada pais tem que resolver seus próprios problemas. A direção desde o início da crise tem sido de austeridade, mas ela é hostil ao crescimento.

EXAME.com – Mas se a austeridade não é boa, o que explica a Espanha, que cortou muito evai melhordo que muitos de seus vizinhos?

Hall – A economia da Espanha está melhorando, mas partindo de uma base bem baixa. Ela tem vantagens que Grécia e Portugal não tem, como uma base industrial desenvolvida, que está sendo explorada pelo governo. Mas o cenário geral é de crescimento modesto e com altos níveis de desemprego, o que cria problemas políticos.

EXAME.com – Mas justamente: a sensação é que nunca haverá crescimento suficiente para diminuir de verdade o desemprego, que já era alto no pré-crise e chega a 50% da juventude em alguns países. Há alguma saída para isso?

Hall – A crise do euro, apesar de séria, distraiu a Europa dos seus problemas de crescimento no longo prazo. A única esperança está em cada país criar uma economia do conhecimento que explora novas tecnologias e potencializa uma força de trabalho bem educada.

E há razão para se preocupar com o Sul, onde os níveis de educação terciária são bem mais baixos, assim como o nível de pesquisa e desenvolvimento. A Europa precisa investir em capital humano e produção de alto valor agregado que vai gerar exportações nesta nova economia.

O perigo é que neste processo, percam gerações inteiras. É sabido que se as pessoas com seus 20 anos não se estabelecem no mercado de trabalho, elas sofrem perdas pelo resto de suas vidas. Então uma geração toda está em jogo.

EXAME.com – E permitir mais imigrantes, também não seria positivo?

Hall – Sim, em termos econômicos, imigração é um benefício para a maior parte dos países, mas na Europa, isso está envenenando a política. É também resultado da recessão, que deixa as pessoas preocupadas com seu status e sustento, e é quando tipicamente direcionam seu medo para estrangeiros e imigrantes.

Não há um caminho claro para resolver este dilema. Os partidos radicais inibem as politicas de imigração mesmo onde não chegam ao poder, e alguns europeus já questionam o direito dos cidadãos se moverem dentro da própria UE.

O que me encoraja é ver a reação popular grande à Frente Nacional na França, assim como a da Alemanha contra a violência que os imigrantes estão sofrendo lá.

EXAME.com – E uma possível saída do Reino Unido do UE, preocupa?

Hall – Os dois sobreviveriam a um divórcio sem desastre, provavelmente com um acordo de livre comércio. Na medida que o referendo foi estabelecido, mais da metade da população já se posicionou a favor de ficar na UE e só um terço contra.

Isso é particularmente verdadeiro entre os jovens, que apoiam mais a UE do que os velhos ao redor da Europa, mesmo onde o desemprego da juventude é bem alto. Acho que este é o sinal mais esperançoso para o bloco hoje.

EXAME.com – Olhando para tudo isso, dá pra dizer que mais integração é ao mesmo tempo o caminho mais vantajoso e mais improvável?

Hall – A grande ironia é que economistas e muitos oficiais concluíram que para o euro dar certo, é preciso mais integração fiscal e politica. E ao mesmo tempo, o efeito da crise foi persuadir os eleitores que mais integração seria indesejável. Então há uma cisão crescente entre as visões da elite politica europeia e dos europeus comuns sobre isso: é este o paradoxo que encara a Europa.

Apesar de toda a cooperação que evocou entre os estados, a crise fez retroceder muito a causa da integração em si e não espero ver grande progresso nessa direção por talvez mais uma década.

A boa noticia é que dá pra levar uma moeda comum sem mais integração politica; isso só requer um BCE com a capacidade de apoiar governos (como já vem fazendo) e uma união bancária mais desenvolvida, onde também há progresso.

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A Grécia é forte candidata, mas quem sofreu mais foi o próprio projeto europeu. E ironia máxima: o melhor caminho agora é completar a integração e não apostar no cada um por si, como tem acontecido.

A opinião é de Peter Hall, professor de Economia Política do Cento de Estudos Europeus da Universidade de Harvard .

Ele é autor de dezenas de livros e artigos sobre o continente e serve no conselho de publicações acadêmicas e institutos europeus.

Por telefone, ele conversou com EXAME.com no final da semana passada. Veja a entrevista:

EXAME.com – AGrécia é o próprio “eterno retorno”. Algo mudou depois do último acordo ou vamos continuar no mesmo ciclo?

Peter Hall – Por causa de gastos excessivos na primeira década do euro, a Grécia tem que sair de um buraco negro fiscal. Já reduziu o gasto, aumentou a receita e foi de um déficit para um superávit em um nível que poucos países jamais conseguiram, mas o desemprego é enorme e não há como crescer com um nivel de dívida insustentável.

O problema é a que a retórica pública na Europa sugere que as últimas medidas vão solucionar o problema quando o registro sugere que não há nenhuma chance disso acontecer, o que produz um ciclo de desapontamentos políticos endêmicos. O FMI está certo ao dizer que a única solução é reestruturar a dívida, mas isso intensifica a reação.

Há uma questão real se os eleitorados dentro e fora da Grécia podem ser satisfeitos em algum momento, e é isso que faz essa crise tão séria e perigosa.

EXAME.com – A Grécia está presa ao euro e isso a torna menos competitiva, enquanto o contrário acontece com a Alemanha. Mas como a Alemanha pode mudar o cenário na UE?

Hall – Não acho que a Grécia se beneficiaria de uma saída do euro, mesmo que eventualmente seja forçada a isso. Suas exportações são tão fracas que uma desvalorização em massa não ajudaria muito.

Também é compreensível que haja analistas pedindo para a Alemanha se inflar, na esperança de que isso estimularia o Sul da Europa, mas o impacto seria pequeno na melhor das hipóteses.

O fato chave aqui é que temos uma crise da divida, e quando ela está nesse patamar só pode ser reduzida por crescimento ou inflação. O BCE descarta inflação, então resta crescimento, e ele não será gerado por reformas estruturais sozinhas. A Europa precisa se mover em direção a um estímulo anti-deflação coordenado através do continente – o que é o oposto da politica atual.

EXAME.com – Mas quem pode disparar este processo e como?

Hall – No momento, a Alemanha está na pilotagem. Este estímulo exigiria a transferência de grandes somas de dinheiro para que governos do Sul possam ter déficits e não superávits, que são a base atual da politica.

É este tipo de reversão que é muito difícil da Alemanha contemplar, já que sua economia está indo bem por critérios atuais, assim como a de outros países do norte.

O incentivo para prover mais recursos não existe, e a tentação é sugerir que cada pais tem que resolver seus próprios problemas. A direção desde o início da crise tem sido de austeridade, mas ela é hostil ao crescimento.

EXAME.com – Mas se a austeridade não é boa, o que explica a Espanha, que cortou muito evai melhordo que muitos de seus vizinhos?

Hall – A economia da Espanha está melhorando, mas partindo de uma base bem baixa. Ela tem vantagens que Grécia e Portugal não tem, como uma base industrial desenvolvida, que está sendo explorada pelo governo. Mas o cenário geral é de crescimento modesto e com altos níveis de desemprego, o que cria problemas políticos.

EXAME.com – Mas justamente: a sensação é que nunca haverá crescimento suficiente para diminuir de verdade o desemprego, que já era alto no pré-crise e chega a 50% da juventude em alguns países. Há alguma saída para isso?

Hall – A crise do euro, apesar de séria, distraiu a Europa dos seus problemas de crescimento no longo prazo. A única esperança está em cada país criar uma economia do conhecimento que explora novas tecnologias e potencializa uma força de trabalho bem educada.

E há razão para se preocupar com o Sul, onde os níveis de educação terciária são bem mais baixos, assim como o nível de pesquisa e desenvolvimento. A Europa precisa investir em capital humano e produção de alto valor agregado que vai gerar exportações nesta nova economia.

O perigo é que neste processo, percam gerações inteiras. É sabido que se as pessoas com seus 20 anos não se estabelecem no mercado de trabalho, elas sofrem perdas pelo resto de suas vidas. Então uma geração toda está em jogo.

EXAME.com – E permitir mais imigrantes, também não seria positivo?

Hall – Sim, em termos econômicos, imigração é um benefício para a maior parte dos países, mas na Europa, isso está envenenando a política. É também resultado da recessão, que deixa as pessoas preocupadas com seu status e sustento, e é quando tipicamente direcionam seu medo para estrangeiros e imigrantes.

Não há um caminho claro para resolver este dilema. Os partidos radicais inibem as politicas de imigração mesmo onde não chegam ao poder, e alguns europeus já questionam o direito dos cidadãos se moverem dentro da própria UE.

O que me encoraja é ver a reação popular grande à Frente Nacional na França, assim como a da Alemanha contra a violência que os imigrantes estão sofrendo lá.

EXAME.com – E uma possível saída do Reino Unido do UE, preocupa?

Hall – Os dois sobreviveriam a um divórcio sem desastre, provavelmente com um acordo de livre comércio. Na medida que o referendo foi estabelecido, mais da metade da população já se posicionou a favor de ficar na UE e só um terço contra.

Isso é particularmente verdadeiro entre os jovens, que apoiam mais a UE do que os velhos ao redor da Europa, mesmo onde o desemprego da juventude é bem alto. Acho que este é o sinal mais esperançoso para o bloco hoje.

EXAME.com – Olhando para tudo isso, dá pra dizer que mais integração é ao mesmo tempo o caminho mais vantajoso e mais improvável?

Hall – A grande ironia é que economistas e muitos oficiais concluíram que para o euro dar certo, é preciso mais integração fiscal e politica. E ao mesmo tempo, o efeito da crise foi persuadir os eleitores que mais integração seria indesejável. Então há uma cisão crescente entre as visões da elite politica europeia e dos europeus comuns sobre isso: é este o paradoxo que encara a Europa.

Apesar de toda a cooperação que evocou entre os estados, a crise fez retroceder muito a causa da integração em si e não espero ver grande progresso nessa direção por talvez mais uma década.

A boa noticia é que dá pra levar uma moeda comum sem mais integração politica; isso só requer um BCE com a capacidade de apoiar governos (como já vem fazendo) e uma união bancária mais desenvolvida, onde também há progresso.

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