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2015 exigirá remédios amargos para "sarar" economia

São Paulo - Do meio de todas as divergências de ideários que marcaram o embate entre campanhas nessas eleições, emerge um consenso: a economia brasileira está numa armadilha de desaceleração do crescimento e alta da inflação. Desatar esse nó será o desafio do novo governo. Passado o embate eleitoral, é chegada a hora de separar […]

Dinheiro: nota de cem reais presa por correntes (Marcos Santos/USP Imagens)

Vanessa Barbosa

Publicado em 27 de outubro de 2014 às 09h10.

São Paulo - Do meio de todas as divergências de ideários que marcaram o embate entre campanhas nessas eleições , emerge um consenso: a economia brasileira está numa armadilha de desaceleração do crescimento e alta da inflação. Desatar esse nó será o desafio do novo governo. Passado o embate eleitoral, é chegada a hora de separar o que é discurso de campanha e o que deve e pode ser feito para "sarar" o doente.

Analistas e consultores da área econômica ouvidos por EXAME.com são unânimes em afirmar que 2015 precisa ser um ano de ajustes e reformas (algumas amargas) para reduzir a inflação, retomar credibilidade e atrair investimentos.

CORTES SEVEROS

O primeiro desafio chama-se ajuste fiscal. "O Brasil vem passando por um processo amplo de expansão fiscal, que segue duas óticas: aumento de gastos e redução de alíquotas. Isso tem que ser revisto, ainda que a gente entre em um mundo mais complicado", diz o economista Juan Jensen, da Tendências Consultoria.

Reduzir despesas de custeio da máquina governamental, nos gastos com pessoal e também com programas sociais são medidas necessárias, segundo o economista, que alerta para a trajetória crescente do endividamento público do país. Não mudar essa rota implica risco do Brasil ter sua classificação de crédito (ou rating) rebaixada.

"É claro que ao limitar gastos, o governo acaba batendo em várias frentes. Mas o ano ruim é necessário para começar a colher bons frutos. Sem isso, teremos um cenário continuamente ruim", reforça.

Para o economista da FGV/IBRE Vinicius Botelho, as várias desonerações feitas pelo governo nos últimos anos, como a do IPI de veículos e da folha de pagamento, levaram a uma arrecadação menor, que contribui para o superávit primário baixo (economia para o pagamento de juros da dívida pública).

"Os impostos colocados para reposição dos que foram exonerados não tiveram impacto semelhante na arrecadação. Isso leva à necessidade de aumentar impostos", acredita.

Segundo ele, reduzir despesas é mais difícil, já que algumas são vinculadas ao crescimento do PIB nominal, como os gastos com saúde.

"Além disso, temos a tendência de envelhecimento da população, que diminui a arrecadação. Esse [aumento de imposto] é um ajuste inevitável. Se o governo não fizer isso, o mercado responderá do seu jeito", afirma.

Botelho defende que, no momento atual, o urgente é tirar a economia do lugar ruim e colocar num trilho bom, do que necessariamente chegar ao destino. "Nós ainda temos margem de manobra, nossa divida pública ainda é baixa. Mas a partir do momento em que a nossa margem de manobra piorar, podemos voltar a viver o pesadelo de deterioração da economia", alerta.

De acordo com o presidente da Strategos Consultoria, Telmo Schoeler, um aumento da carga tributária inviabiliza as empresas e faz o Brasil perder competitividade.

"Em matéria de imposto, só existe um caminho, redução de carga tributária. O que deve sustentar um país é o somatório de suas empresas e não o governo. Num país como o Brasil, vamos ter que pensar quem manda aqui. Se é o cidadão, que vota, você deve reduzir imposto. Esta é uma reforma que terá que ser feita", defende.

SUBSÍDIOS

Como o consumo das famílias é parte importante do PIB, nos últimos quatro anos, o governo lançou mão de desonerações e subsídios, como os dados à gasolina e eletricidade, para estimular a produção e o consumo.

Tais medidas não saem de graça. O passivo de desonerações e subsídios para o próximo governo é estimado em pelo menos R$300 bilhões.

"Tal realidade traz à tona a necessidade de realinhamento dos preços administrados", destaca Clodoir Vieira, da Compliance. "É preciso corrigir a defasagem nos preços."

"O aumento da gasolina tem que vir. A Petrobras do jeito que está não aguenta, ela está ficando sem capacidade de investimento e precisa voltar a ter lucro. Sem isso, ela perde capacidade de investimento e corre risco de estagnar no futuro", diz.

A alta da eletricidade também é necessária, segundo ele. "A sociedade ainda vai ter que pagar por isso. Vai ser amargo principalmente para as industrias porque gera aumento do custo fixo. Mas não tem como evitar esse reajuste", acredita.

Botelho, da FGV/IBRE, adverte que o não reajuste da eletricidade ou da gasolina acaba levando ao aumento da demanda em momento de escassez. "O reajuste dos preços faz com que os setores reflitam sua real rentabilidade", explica.

Pelos cálculos de Jensen, da Tendências, tal liberação pode fazer com que a inflação fique um pouco acima da meta, em 6%. "Mas é um caminho para trazer a inflação para o centro da meta nos próximos anos", pondera.

O economista defende que, para aliviar o orçamento, o governo também precisa mexer na política parafiscal, que envolve a capitalização dos bancos públicos.

"É fundamental que o Brasil pare de emitir dividia para capitalizar bancos públicos, que chegam a 10% do PIB. Isso não pode continuar, tem custos. Esse tipo de capitalização precisa ser interrompido, paro o banco voltar a viver do próprio rendimento", sugere.

Para ele, o banco estatal BNDES deveria trabalhar com restrições, direcionando seus investimentos para onde os benefícios sociais são maiores, como em projetos de infraestrutura.

Em grande medida, a atuação do BNDES nos últimos anos contribuiu para abalar a credibilidade do governo, segundo os analistas.

Os cenhos franzidos voltaram-se para a controvertida política de criação de "campeãs nacionais", onde o estado investia em algumas empresas do setor privado a fim de criar gigantes brasileiras para competir no mercado externo.

Vinicius Botelho, da FGV, critica tais práticas voluntariosas de estímulos, defendendo a horizontalização das políticas de incentivos.

Segundo ele, as condições de acesso das empresas precisam ser mais justas e ter limites. "Quando diminui o nível de concessão, você faz com que os empresários sejam mais produtivos do que simplesmente ir pedir empréstimo em Brasília".

A NOVA CLASSE

Ao contrário do que pensa boa parte dos analistas ouvidos pela reportagem, André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, avalia que o próximo governo vai ter uma margem muito pequena do ponto de vista macroeconômico para fazer ajustes severos. O maior desafio, para ele, será lidar com a "classe C".

Perfeito explica que o surgimento dessa nova classe gerou queda na rentabilidade da economia. Quando o salário sobe, em geral, a margem de lucro cai. Mas esse processo está sendo mais forte do que o pensado.

Ao mesmo tempo, a elevação do consumo tem gerado constrangimento na inflação. Como moderar o consumo dessa classe sem que o salário suba fortemente, questiona.

"Vai elevar a taxa de juros e transformá-la em d e e de novo? Não dá pra subir mais a taxa de juros. A desaceleração da economia é resultado da elevação da taxa de juros, que já saiu de 7% pra 11%. É uma mudança estrutural que desafia o governo vindouro".

"Em contrapartida, o consumo das famílias também já cresceu bastante e não é razoável pensar que vai continuar igual", pondera. "O próximo presidente não tem margem pra fazer muita coisa. Mas seja qual for a mudança, ele tem que fazer isso de forma suave pra não matar a última fonte", conclui.

Para sarar o doente, também é preciso saber dosar o remédio.

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São Paulo - Do meio de todas as divergências de ideários que marcaram o embate entre campanhas nessas eleições , emerge um consenso: a economia brasileira está numa armadilha de desaceleração do crescimento e alta da inflação. Desatar esse nó será o desafio do novo governo. Passado o embate eleitoral, é chegada a hora de separar o que é discurso de campanha e o que deve e pode ser feito para "sarar" o doente.

Analistas e consultores da área econômica ouvidos por EXAME.com são unânimes em afirmar que 2015 precisa ser um ano de ajustes e reformas (algumas amargas) para reduzir a inflação, retomar credibilidade e atrair investimentos.

CORTES SEVEROS

O primeiro desafio chama-se ajuste fiscal. "O Brasil vem passando por um processo amplo de expansão fiscal, que segue duas óticas: aumento de gastos e redução de alíquotas. Isso tem que ser revisto, ainda que a gente entre em um mundo mais complicado", diz o economista Juan Jensen, da Tendências Consultoria.

Reduzir despesas de custeio da máquina governamental, nos gastos com pessoal e também com programas sociais são medidas necessárias, segundo o economista, que alerta para a trajetória crescente do endividamento público do país. Não mudar essa rota implica risco do Brasil ter sua classificação de crédito (ou rating) rebaixada.

"É claro que ao limitar gastos, o governo acaba batendo em várias frentes. Mas o ano ruim é necessário para começar a colher bons frutos. Sem isso, teremos um cenário continuamente ruim", reforça.

Para o economista da FGV/IBRE Vinicius Botelho, as várias desonerações feitas pelo governo nos últimos anos, como a do IPI de veículos e da folha de pagamento, levaram a uma arrecadação menor, que contribui para o superávit primário baixo (economia para o pagamento de juros da dívida pública).

"Os impostos colocados para reposição dos que foram exonerados não tiveram impacto semelhante na arrecadação. Isso leva à necessidade de aumentar impostos", acredita.

Segundo ele, reduzir despesas é mais difícil, já que algumas são vinculadas ao crescimento do PIB nominal, como os gastos com saúde.

"Além disso, temos a tendência de envelhecimento da população, que diminui a arrecadação. Esse [aumento de imposto] é um ajuste inevitável. Se o governo não fizer isso, o mercado responderá do seu jeito", afirma.

Botelho defende que, no momento atual, o urgente é tirar a economia do lugar ruim e colocar num trilho bom, do que necessariamente chegar ao destino. "Nós ainda temos margem de manobra, nossa divida pública ainda é baixa. Mas a partir do momento em que a nossa margem de manobra piorar, podemos voltar a viver o pesadelo de deterioração da economia", alerta.

De acordo com o presidente da Strategos Consultoria, Telmo Schoeler, um aumento da carga tributária inviabiliza as empresas e faz o Brasil perder competitividade.

"Em matéria de imposto, só existe um caminho, redução de carga tributária. O que deve sustentar um país é o somatório de suas empresas e não o governo. Num país como o Brasil, vamos ter que pensar quem manda aqui. Se é o cidadão, que vota, você deve reduzir imposto. Esta é uma reforma que terá que ser feita", defende.

SUBSÍDIOS

Como o consumo das famílias é parte importante do PIB, nos últimos quatro anos, o governo lançou mão de desonerações e subsídios, como os dados à gasolina e eletricidade, para estimular a produção e o consumo.

Tais medidas não saem de graça. O passivo de desonerações e subsídios para o próximo governo é estimado em pelo menos R$300 bilhões.

"Tal realidade traz à tona a necessidade de realinhamento dos preços administrados", destaca Clodoir Vieira, da Compliance. "É preciso corrigir a defasagem nos preços."

"O aumento da gasolina tem que vir. A Petrobras do jeito que está não aguenta, ela está ficando sem capacidade de investimento e precisa voltar a ter lucro. Sem isso, ela perde capacidade de investimento e corre risco de estagnar no futuro", diz.

A alta da eletricidade também é necessária, segundo ele. "A sociedade ainda vai ter que pagar por isso. Vai ser amargo principalmente para as industrias porque gera aumento do custo fixo. Mas não tem como evitar esse reajuste", acredita.

Botelho, da FGV/IBRE, adverte que o não reajuste da eletricidade ou da gasolina acaba levando ao aumento da demanda em momento de escassez. "O reajuste dos preços faz com que os setores reflitam sua real rentabilidade", explica.

Pelos cálculos de Jensen, da Tendências, tal liberação pode fazer com que a inflação fique um pouco acima da meta, em 6%. "Mas é um caminho para trazer a inflação para o centro da meta nos próximos anos", pondera.

O economista defende que, para aliviar o orçamento, o governo também precisa mexer na política parafiscal, que envolve a capitalização dos bancos públicos.

"É fundamental que o Brasil pare de emitir dividia para capitalizar bancos públicos, que chegam a 10% do PIB. Isso não pode continuar, tem custos. Esse tipo de capitalização precisa ser interrompido, paro o banco voltar a viver do próprio rendimento", sugere.

Para ele, o banco estatal BNDES deveria trabalhar com restrições, direcionando seus investimentos para onde os benefícios sociais são maiores, como em projetos de infraestrutura.

Em grande medida, a atuação do BNDES nos últimos anos contribuiu para abalar a credibilidade do governo, segundo os analistas.

Os cenhos franzidos voltaram-se para a controvertida política de criação de "campeãs nacionais", onde o estado investia em algumas empresas do setor privado a fim de criar gigantes brasileiras para competir no mercado externo.

Vinicius Botelho, da FGV, critica tais práticas voluntariosas de estímulos, defendendo a horizontalização das políticas de incentivos.

Segundo ele, as condições de acesso das empresas precisam ser mais justas e ter limites. "Quando diminui o nível de concessão, você faz com que os empresários sejam mais produtivos do que simplesmente ir pedir empréstimo em Brasília".

A NOVA CLASSE

Ao contrário do que pensa boa parte dos analistas ouvidos pela reportagem, André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, avalia que o próximo governo vai ter uma margem muito pequena do ponto de vista macroeconômico para fazer ajustes severos. O maior desafio, para ele, será lidar com a "classe C".

Perfeito explica que o surgimento dessa nova classe gerou queda na rentabilidade da economia. Quando o salário sobe, em geral, a margem de lucro cai. Mas esse processo está sendo mais forte do que o pensado.

Ao mesmo tempo, a elevação do consumo tem gerado constrangimento na inflação. Como moderar o consumo dessa classe sem que o salário suba fortemente, questiona.

"Vai elevar a taxa de juros e transformá-la em d e e de novo? Não dá pra subir mais a taxa de juros. A desaceleração da economia é resultado da elevação da taxa de juros, que já saiu de 7% pra 11%. É uma mudança estrutural que desafia o governo vindouro".

"Em contrapartida, o consumo das famílias também já cresceu bastante e não é razoável pensar que vai continuar igual", pondera. "O próximo presidente não tem margem pra fazer muita coisa. Mas seja qual for a mudança, ele tem que fazer isso de forma suave pra não matar a última fonte", conclui.

Para sarar o doente, também é preciso saber dosar o remédio.

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