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Pesquisa acadêmica no Brasil: um George Soros faz falta

Bem que o bilionário húngaro poderia complementar o orçamento – como fez na Rússia em 1992

PROTESTOS CONTRA CORTES DO MEC: na pós-graduação, para estudar sem bolsa, é preciso ter bastante ajuda financeira da família / Fernando Frazão/Agência Brasil
DR

Da Redação

Publicado em 30 de setembro de 2019 às 20h16.

Última atualização em 30 de setembro de 2019 às 20h34.

Quando bolsas de pesquisa cientifica foram congeladas pelo governo Bolsonaro em agosto, logo imaginei que o dinheiro voltaria a ser disponibilizado rapidamente. Fui otimista demais. Só agora, quase dois meses depois, o ministro Marcos Pontes, da pasta de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, confirmou que os recursos para o mês de outubro foram liberados pelo Ministério da Economia. Também o Ministério da Educação anunciou o desbloqueio de quase R$ 2 bilhões, e parte desse montante será destinado a bolsistas. Como o governo tem pouca simpatia pelo trabalho acadêmico – especialmente de “humanas” –, era fácil interpretar o bloqueio de verbas como uma maneira de reprimir discursos dissonantes do patriótico estimulado pelo presidente. Parece, agora, que era somente falta de dinheiro mesmo.

Afinal, professores universitários são um grupo de interesse com bastante poder. Têm espaço na mídia à vontade. São tidos como inovadores com salários baixos, ao mesmo tempo admirados e injustiçados pela sociedade brasileira. O discurso tem forte apelo e muito mais força do que o dos funcionários do Ibama que não têm dinheiro para colocar gasolina nos carros que usam a serviço.

Mas a pindaíba continua. Vários alunos meus começam a se questionar se vale a pena fazer pós-graduação sem garantia de bolsa. Para estudar sem bolsa, é preciso ter bastante ajuda financeira da família ou trabalhar simultaneamente – o que prejudica muito a qualidade da pesquisa.

Situação análoga, em grau bem maior, ocorreu com os pesquisadores russos quando a União Soviética colapsou em 1991. No ano seguinte, 28 mil cientistas ficaram sem financiamento. Aí veio George Soros, o bilionário húngaro, para resolver a situação. Deu um cheque de 500 dólares para os pesquisadores mais produtivos. Àquela altura, a renda média do cidadão russo era 300 dólares por ano. (A renda média do brasileiro é cerca de R$ 1,300.) Os pesquisadores que receberam essa ajuda ficaram mais tempo na carreira cientifica do que os outros e publicaram mais em revistas acadêmicas prestigiosas. (Esses dados estão no artigo “Saving Soviet Science: The Impact of Grants When Government R&D Funding Disappears”, publicado por Ina Ganguli no American Economic Journal: Applied Economics em 2017.)

Quem sabe alguém abre um edital para encontrar nosso Soros?

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