Dobradinha Lira-Haddad divide oposição e sedimenta governabilidade
Sucesso na agenda econômica leva Lula a acenar publicamente sobre possível reeleição
Vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos
Publicado em 7 de julho de 2023 às 10h08.
Última atualização em 7 de julho de 2023 às 10h12.
- Com economia à frente da ideologia, presidente da Câmara e ministro da Fazenda isolam base leal a Bolsonaro e radicais da esquerda;
- Operação política reduz resistência legislativa a Lula e estimula primeiras manifestações públicas admitindo candidatura à reeleição;
- Tensão entre Bolsonaro e Tarcísio não representa cisão definitiva, mas é pedagógica sobre a ascendência da economia sobre o debate político.
A operação montada pelo governo federal e por Arthur Lira para aprovar a reforma tributária no crepúsculo do semestre legislativo evidencia o poder da economia como vetor de divisão da oposição e consolidação da governabilidade de Lula.
Leia mais:O que vai mudar com a reforma tributária? Veja os principais pontos da proposta
O presidente, cuja base fiel conta hoje com pouco menos de 140 votos na Câmara, alcança o quórum constitucional de 308 deputados com folga nas ocasiões em que Lira assume informalmente a coordenação política do Planalto e remove resistências da maioria dos partidos de centro-direita, predominantes na Casa.
O modus operandi é conhecido: farta liberação de emendas parlamentares, Diário Oficial repleto de nomeações que estavam paralisadas e promessas de reforma ministerial, com fatias mais generosas do orçamento federal aos novos aliados.
Toda essa concertação de fatores impacta o plenário no rito expresso, de urgência, que diminui a chance de resposta da oposição, e entrega ao presidente da Câmara as rédeas do que chama de "pauta de interesse do país" –expressão a que ele recorre, de forma discricionária, para estabelecer distinção com as demandas do governo do PT.
Usando esse expediente, que lhe confere um verniz de estadista em meio a tantas denúncias de irregularidades, Lira entregou ao Planalto troféus políticos como o marco fiscal e agora a pedra fundamental da simplificação do sistema tributário–premissas para a aceitação da gestão lulista no mercado financeiro, em fatia expressiva do empresariado e entre os formadores de opinião.
Trata-se de um tripé de medidas que busca aproximar o Congresso Nacional da até agora bem-sucedida agenda conduzida pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), tornando o "centrão" sócio da melhora nas condições gerais da economia.
Com os indicadores favoráveis de inflação (sobretudo o preço de alimentos), o câmbio estabilizado em patamar bem inferior ao do período eleitoral e taxas promissoras de geração de empregos, aumenta a disposição da classe política, especialmente o chamado "baixo clero", em cooperar com o poder Executivo.
A percepção de que a economia vai bem e o PIB pode surpreender, inclusive com queda nos juros e mais acesso a crediário às vésperas do Natal, tende a relegar a segundo plano as severas divergências de natureza ideológica entre o Congresso e Lula.
A tensão entre Tarcísio e Bolsonaro
Um sinal da potência do instrumento econômico de desagregação de forças oposicionistas foi vislumbrado em Brasília durante a semana, tendo como protagonistas Tarcísio de Freitas e Jair Bolsonaro.
O governador paulista, interessado em se distanciar do núcleo mais ideológico do bolsonarismo, tratou de entrar nas tratativas em favor da reforma e topou até uma entrevista coletiva ao lado de Haddad, ex-rival na disputa pelo Bandeirantes, durante a qual ambos demonstraram convergências em torno do texto a ser apreciado em plenário.
Simultaneamente, o ex-presidente liderava um ruidoso movimento contra a reforma, mobilizando sua base para pressionar parlamentares e assumindo a frente da articulação do seu partido, o PL, de maior bancada.
O episódio ainda não representa uma cisão definitiva entre a criatura e o criador, mas é pedagógico sobre a ascendência da economia sobre o debate político, sobretudo após a recente decisão do TSE que tornou Bolsonaro inelegível. Mesmo mantendo a beligerância nos discursos e contratando crises sucessivas em razão do clima de palanque permanente, Lula fornece ao seu "superministro" da Fazenda as peças para, em parceria com o reabilitado Lira, acelerar a divisão da direita, potencializando o pragmatismo do centro e expandindo a base de apoio para implementar a agenda imprescindível ao seuprojeto de reeleição.Não à toa, o petista já começa a admitir publicamente que pretende concorrer a novo mandato.
O governo deve continuar sofrendo derrotas na pauta de valores, costumes e nos temas prioritários para as bancadas do agro e evangélica, as mais influentes na Câmara. Tampouco será simples para o Planalto rever decisões tomadas pelo Legislativo na gestão anterior, como as micro-reformas e os marcos legais. Está precificado para o PT e para Lula que esse cenário instável só mudará a partir de 2025, com a virtual mudança de comando da mesa diretora. E essa transição depende da popularidade do presidente, movida essencialmente por fatores econômicos. Ou seja: o que hoje ajuda Lira, figura ainda bastante contestada e hostilizada no Planalto, amanhã poderá levá-lo ao calvário.
*Fábio Zambeli, 50 anos, é jornalista com pós-graduação em comunicação pública. Atualmente é vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos. Especialista em monitoramento de risco institucional, tem 31 anos de experiência em cobertura política em veículos e agências de São Paulo e Brasília. Atuou como repórter, chefe de reportagem, colunista e editor da Folha de S. Paulo, repórter especial e coordenador editorial da Associação Paulista de Jornais. Foi diretor da FSB Comunicação, com especialização em estratégia, análise de conjuntura, gestão de contas públicas e relações governamentais. Liderou, durante as eleições, a equipe de análise da plataforma JOTA, especializada no acompanhamento dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para C-Level de empresas e executivos do mercado financeiro.
- Com economia à frente da ideologia, presidente da Câmara e ministro da Fazenda isolam base leal a Bolsonaro e radicais da esquerda;
- Operação política reduz resistência legislativa a Lula e estimula primeiras manifestações públicas admitindo candidatura à reeleição;
- Tensão entre Bolsonaro e Tarcísio não representa cisão definitiva, mas é pedagógica sobre a ascendência da economia sobre o debate político.
A operação montada pelo governo federal e por Arthur Lira para aprovar a reforma tributária no crepúsculo do semestre legislativo evidencia o poder da economia como vetor de divisão da oposição e consolidação da governabilidade de Lula.
Leia mais:O que vai mudar com a reforma tributária? Veja os principais pontos da proposta
O presidente, cuja base fiel conta hoje com pouco menos de 140 votos na Câmara, alcança o quórum constitucional de 308 deputados com folga nas ocasiões em que Lira assume informalmente a coordenação política do Planalto e remove resistências da maioria dos partidos de centro-direita, predominantes na Casa.
O modus operandi é conhecido: farta liberação de emendas parlamentares, Diário Oficial repleto de nomeações que estavam paralisadas e promessas de reforma ministerial, com fatias mais generosas do orçamento federal aos novos aliados.
Toda essa concertação de fatores impacta o plenário no rito expresso, de urgência, que diminui a chance de resposta da oposição, e entrega ao presidente da Câmara as rédeas do que chama de "pauta de interesse do país" –expressão a que ele recorre, de forma discricionária, para estabelecer distinção com as demandas do governo do PT.
Usando esse expediente, que lhe confere um verniz de estadista em meio a tantas denúncias de irregularidades, Lira entregou ao Planalto troféus políticos como o marco fiscal e agora a pedra fundamental da simplificação do sistema tributário–premissas para a aceitação da gestão lulista no mercado financeiro, em fatia expressiva do empresariado e entre os formadores de opinião.
Trata-se de um tripé de medidas que busca aproximar o Congresso Nacional da até agora bem-sucedida agenda conduzida pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), tornando o "centrão" sócio da melhora nas condições gerais da economia.
Com os indicadores favoráveis de inflação (sobretudo o preço de alimentos), o câmbio estabilizado em patamar bem inferior ao do período eleitoral e taxas promissoras de geração de empregos, aumenta a disposição da classe política, especialmente o chamado "baixo clero", em cooperar com o poder Executivo.
A percepção de que a economia vai bem e o PIB pode surpreender, inclusive com queda nos juros e mais acesso a crediário às vésperas do Natal, tende a relegar a segundo plano as severas divergências de natureza ideológica entre o Congresso e Lula.
A tensão entre Tarcísio e Bolsonaro
Um sinal da potência do instrumento econômico de desagregação de forças oposicionistas foi vislumbrado em Brasília durante a semana, tendo como protagonistas Tarcísio de Freitas e Jair Bolsonaro.
O governador paulista, interessado em se distanciar do núcleo mais ideológico do bolsonarismo, tratou de entrar nas tratativas em favor da reforma e topou até uma entrevista coletiva ao lado de Haddad, ex-rival na disputa pelo Bandeirantes, durante a qual ambos demonstraram convergências em torno do texto a ser apreciado em plenário.
Simultaneamente, o ex-presidente liderava um ruidoso movimento contra a reforma, mobilizando sua base para pressionar parlamentares e assumindo a frente da articulação do seu partido, o PL, de maior bancada.
O episódio ainda não representa uma cisão definitiva entre a criatura e o criador, mas é pedagógico sobre a ascendência da economia sobre o debate político, sobretudo após a recente decisão do TSE que tornou Bolsonaro inelegível. Mesmo mantendo a beligerância nos discursos e contratando crises sucessivas em razão do clima de palanque permanente, Lula fornece ao seu "superministro" da Fazenda as peças para, em parceria com o reabilitado Lira, acelerar a divisão da direita, potencializando o pragmatismo do centro e expandindo a base de apoio para implementar a agenda imprescindível ao seuprojeto de reeleição.Não à toa, o petista já começa a admitir publicamente que pretende concorrer a novo mandato.
O governo deve continuar sofrendo derrotas na pauta de valores, costumes e nos temas prioritários para as bancadas do agro e evangélica, as mais influentes na Câmara. Tampouco será simples para o Planalto rever decisões tomadas pelo Legislativo na gestão anterior, como as micro-reformas e os marcos legais. Está precificado para o PT e para Lula que esse cenário instável só mudará a partir de 2025, com a virtual mudança de comando da mesa diretora. E essa transição depende da popularidade do presidente, movida essencialmente por fatores econômicos. Ou seja: o que hoje ajuda Lira, figura ainda bastante contestada e hostilizada no Planalto, amanhã poderá levá-lo ao calvário.
*Fábio Zambeli, 50 anos, é jornalista com pós-graduação em comunicação pública. Atualmente é vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos. Especialista em monitoramento de risco institucional, tem 31 anos de experiência em cobertura política em veículos e agências de São Paulo e Brasília. Atuou como repórter, chefe de reportagem, colunista e editor da Folha de S. Paulo, repórter especial e coordenador editorial da Associação Paulista de Jornais. Foi diretor da FSB Comunicação, com especialização em estratégia, análise de conjuntura, gestão de contas públicas e relações governamentais. Liderou, durante as eleições, a equipe de análise da plataforma JOTA, especializada no acompanhamento dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para C-Level de empresas e executivos do mercado financeiro.