Exame.com
Continua após a publicidade

Articulações no governo indicam aperto tributário e regulatório em 2024

Medidas do final do ano reforçam mobilização do Executivo para aumentar arrecadação e regulação, com impacto ainda a ser medido nos investimentos privados

Análise: Articulações no governo indicam aperto tributário e regulatório em 2024 (Ricardo Stuckert/ PR/Divulgação)
Análise: Articulações no governo indicam aperto tributário e regulatório em 2024 (Ricardo Stuckert/ PR/Divulgação)

Enquanto os números positivos da economia brasileira e o cenário externo favorável animam o mercado na virada do ano, as últimas medidas anunciadas pelo governo federal ou em fase de gestação indicam que segmentos expressivos do empresariado terão um 2024 de aperto tributário e regulatório.

É o que se vê no pacote divulgado pelo Ministério da Fazenda para aumentar a arrecadação e também nas articulações que rondam o Planalto em favor da regulamentação de plataformas e sinalizam mudanças em agências reguladoras.

A comemoração ruidosa pela aprovação da reforma tributária no Congresso eclipsou a apreensão que domina setores econômicos graúdos na composição do PIB nacional: o texto promulgado pelos parlamentares, embora virtuoso conceitualmente, trará ao ambiente legislativo uma verdadeira guerra na tramitação dos projetos de leis complementares. São eles que vão definir alíquotas, regras de exceção, regimes diferenciados e outros itens fundamentais para a previsibilidade jurídica de operação empresarial no país.

Somada a essa insegurança, que tem potencial para abalar programas de investimentos de curto e médio prazos, a equipe de Fernando Haddad confirmou as expectativas de que fará esforço adicional para recolher recursos na iniciativa privada para fazer frente à expansão dos gastos sociais e tentar manter o orçamento perto da meta estabelecida no arcabouço fiscal.

Muitas dessas medidas estão consignadas na rubrica de “subsídios” e “privilégios” pelo time da Fazenda, mas devem enfrentar forte resistência política e de instâncias empresariais influentes em Brasília.

Entre os exemplos mais tangíveis deste final de ano estão os limites estabelecidos para compensações de créditos devidos pela União e reconhecidos judicialmente, a reoneração da folha de pagamento de 18 setores (tema recém-debatido e barrado pelos deputados e senadores) e a revogação gradativa do programa de incentivo à área de eventos (implementada no pós-pandemia e que interessa muito ao centrão, em especial na região Nordeste).

Todas as iniciativas passarão pelo crivo da classe política. É bastante provável que parte delas seja desidratada já na largada das atividades parlamentares em 2024. 

Congresso revisará e tende a desidratar medidas anunciadas pela equipe econômica do governo no começo de 2024 - Crédito: Leandro Fonseca/EXAME (Leandro Fonseca/Exame)

Efeito colateral

O empenho pelo equilíbrio fiscal de Haddad, celebrado pelos agentes financeiros, atesta que o ajuste que se pretende adotar no ano que se aproxima continuará tendo o aumento de receitas como foco e não o corte de despesas.

Trata-se de uma conduta que pode impactar investimentos que estão sendo preparados para o país e têm potencial de geração de emprego e renda, visto que empreendedores devem iniciar mais um exercício financeiro com dúvidas sobre o tamanho da mordida dos impostos, sejam eles federais, estaduais ou municipais. Para muitos deles, é melhor ter previsibilidade sobre um aumento de carga que a imprecisão sobre o montante que será recolhido pelo Fisco.

Na mesma esteira, ajustes no Imposto de Renda das pessoas físicas e jurídicas devem ser endereçados pelo Ministério da Fazenda em 2024, com vistas a profissionais liberais e contribuintes que teriam excessivos abatimentos em suas declarações ou adotariam manobras contábeis legais para escapar das garras da Receita Federal.

Mutirão digital

Se a convicção de que novas medidas arrecadatórias virão sobre a iniciativa privada vem sendo ratificada no crepúsculo de 2023, outras evidências sobre o apetite regulatório do Executivo federal ganharam tração nas últimas semanas.

Usando episódios que envolvem invasão de contas de autoridades, ameaças a governantes no ambiente virtual e tragédias associadas ao mau uso das redes sociais, articuladores de Lula se lançaram numa ofensiva para retomar o mais rapidamente possível quaisquer iniciativas que possam regular as plataformas digitais e adotar normas ditas de “cibersegurança”.  

Aliados do presidente não escondem a frustração com as dificuldades para aprovar novas regras de controle no primeiro ano de mandato e prometem um mutirão já a partir de janeiro para envolver a sociedade civil, formadores de opinião e enfrentar a resistência dos congressistas de oposição.

O movimento tende a se espraiar por outras searas da nova economia, sobretudo os aplicativos e plataformas de transporte e de entrega, que hoje dão emprego a milhões de brasileiros. É aguardado para o início do ano o envio de um projeto do Executivo para disciplinar as atividades e estabelecer parâmetros e obrigações sociais para as empresas do segmento.

Ainda no âmbito regulatório, alas numerosas do Congresso Nacional, em consórcio com o núcleo político do governo, planejam acelerar trocas nas agências, encurtando os mandatos de conselheiros indicados por gestões anteriores. A operação pode ser validada inclusive pelo Tribunal de Contas da União, órgão de assessoramento do Legislativo, mirando mudanças na Anatel, Aneel, Anvisa, ANS e Ancine.

Promessa é dívida

Nada disso, registre-se, é surpreendente para quem acompanhou a campanha de 2022. Todo esse pacote de arrecadação e regulação foi amplamente defendido na disputa eleitoral pela equipe de Lula, que venceu com 51% dos votos válidos no segundo turno mais equilibrado pós-redemocratização. Também foi tema de discussão na fase transição de governos e esteve onipresente nos discursos do presidente desde sua posse.

As promessas de colocar os mais pobres no orçamento público e os ricos no imposto de renda e fechar o cerco ao que se convencionou chamar de “discurso de ódio” nas redes sociais são verdadeiros mantras da nova gestão petista e foram, de alguma forma, referendadas nas urnas. 

Com o governo usufruindo de mais apoio político e robusta retaguarda institucional, a tendência é de que saiam do campo retórico para a prática no segundo ano de mandato. 

O alcance das providências desejadas por Lula e seu entorno, contudo, dependerá do arranjo político a ser amadurecido com o Congresso de centro-direita, agora mais pragmático que ideológico.