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O poder nocivo dos 0,01% mais ricos

A obsessão com déficits e gastos sociais foi profundamente destrutiva e manteve o desemprego muito mais alto durante muito mais tempo

Dólares (iStock/Getty Images)
Dólares (iStock/Getty Images)
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Paul Krugman

Publicado em 3 de julho de 2019 às, 12h38.

Última atualização em 4 de julho de 2019 às, 11h48.

Outro dia, um estudante que estava no “Desigualdade em Números”, evento de uma semana de duração apresentado pelo Centro de Estudos sobre a Desigualdade Socioeconômica da Universidade da Cidade de Nova York, me fez uma pergunta muito boa: Por que nós falamos “1%”? A expressão costuma ser usada em referência à superelite econômica, o tipo de gente que viaja de uma de suas mansões à outra em jatos particulares. No entanto, o ponto de partida para ser sócio do clube do 1% é de cerca de apenas US$ 400 mil por ano.

Não há necessidade alguma de ter dó das pessoas dessa classe, que experimentam um nível de conforto – até mesmo de requinte – e de segurança inimaginável para, ora, 99% do país. Mas ser parte da plutocracia tem um preço muito mais alto. O que as pessoas realmente querem dizer quando falam em 1% é na verdade mais algo na linha de 0,01%, as poucas milhares de pessoas que de fato vivem em um universo social e material diferente do resto de nós.

Até certo ponto, isso sempre foi verdade; A América nunca foi uma sociedade de iguais. Mesmo durante as décadas de 50 e de 60, quando nós nos víamos como um país de classe média, as rendas do 0,01% do topo eram mais de 100 vezes maiores do que as de uma família típica. Porém, hoje essa diferença está quase na casa dos 400 para 1. Além disso, o crescimento dessa diferença não aumentou apenas o poder de compra dessa elite, mas expandiu também seu poder político.

Como Benjamin Page, Jason Seawright e Matthew Lacombe apontam em seu excelente livro “Billionaires and Stealth Politics” (“Bilionários e Políticas Ocultas”, em tradução livre do inglês), grande parte desse poder é empregada silenciosamente. Existem alguns bilionários liberais, como George Soros e Warren Buffet, mas eles são bastante atípicos, seja nas posições que ocupam quanto na disposição que demonstram em discutir abertamente seus pontos de vista. A maioria dos bilionários emprega suas fortunas silenciosamente em defesa de cortes de impostos para si mesmos e cortes de benefícios para as classes média e baixa, causas impopulares que, apesar disso, têm uma tendência a prosperar politicamente. Engraçado ver como a coisa funciona.

Mas isso não significa apenas que o 0,01% consegue comprar influência política. Na maioria das vezes, eles conseguem definir até mesmo os termos da discussão política.

Recentemente, eu decidi escrever algumas ideias que tive a respeito de como isso aconteceu logo no rescaldo da crise financeira de 2008, quando de algum modo quem eu costumava chamar de Gente Bastante Séria decidiu que combater o desemprego em massa não era a prioridade, mas uma “reforma de privilégios”, também conhecida como cortes na Previdência Social e no Medicare. De algum modo, essas ideias acabaram virando uma postagem de 1.800 palavras em um blog. A versão resumida para quem estiver sem tempo é que muitos jornalistas e “centristas” internalizaram os interesses e preferências dos ricos, e imaginaram que essas posições estabeleceram os limites das políticas razoáveis.

Infelizmente, muito aquém de levar a uma política sensata, a obsessão com déficits e gastos sociais foi profundamente destrutiva, e manteve o desemprego muito mais alto durante muito mais tempo do que o necessário.

Será que algo assim vai acontecer de novo? Certamente – se não durante a próxima campanha presidencial, com toda certeza caso um democrata seja eleito para a Casa Branca.

Portanto, estejam preparados, e lembrem-se sempre: os ricos podem ser diferentes de você e de mim, mas eles não são mais inteligentes do que nós e, além disso, não há razão para acreditar que o que é bom para bilionários é bom para a América.