Dados vão forçar o “Grande Reset”
No Brasil, estamos vendo um avanço no debate sobre ESG, mas ainda sem o engajamento direto, pessoal e decisivo de muitos líderes representativos
Karina Souza
Publicado em 6 de fevereiro de 2021 às 13h37.
O Fórum Econômico Mundial desse ano foi apropriadamente chamado de "Grande Reset". As conversas de Davos, que aconteceram em ambiente virtual, giraram em torno de cinco tópicos:
1. Criando sistemas econômicos coesos, sustentáveis e resilientes;
2. Impulsionando a transformação e o crescimento responsável da indústria;
3. Aprimorando a gestão de nossos bens comuns globais;
4. Aproveitando as tecnologias da Quarta Revolução Industrial (ou a automação contínua da fabricação tradicional e das práticas industriais, usando tecnologia inteligente moderna);
5. Promoção da cooperação global e regional.
De uma perspectiva de negócios, talvez ninguém expressou melhor do que Larry Fink, presidente e CEO da BlackRock, a visão para o papel das empresas: “As expectativas do público em relação à sua empresa nunca foram maiores. [...] Toda empresa deve não apenas visar o desempenho financeiro, mas também mostrar claramente como faz uma contribuição positiva para a sociedade. Sem um senso de objetivo, nenhuma empresa, seja pública ou privada, pode atingir todo o seu potencial."
Na dimensão política, esse “Grande Reset” é materializado pela nova administração nos Estados Unidos. Em sua primeira semana no cargo, o presidente Biden deu início à mais ambiciosa agenda ambiental da história dos Estados Unidos, com um compromisso surpreendente de levar os EUA a uma emissão líquida zero de carbono até 2050. Além disso Biden, assinou a reintegração dos EUA ao Acordo de Paris.
Uma decisão cheia de simbolismo para marcar a volta dos EUA ao palco mundial: “Bem-vinda, de volta, América” estampou na manchete o jornal italiano La Stampa. É animador ver líderes empresariais e políticos, como o presidente Biden e o CEO da BlackRock, Larry Fink, abordarem os desafios globais com tanta urgência e objetividade. É nesse ambiente que ‘inovação para o bem’ está se tornando o novo normal.
No Brasil, estamos vendo um avanço no debate sobre ESG, mas ainda sem o engajamento direto, pessoal e decisivo de muitos líderes representativos. Essa discrição talvez se explique, além do fator histórico patrimonialista, pelo momento extremista na política em que qualquer alinhamento público com pautas de avanço civilizatório pode ser encarado como “oposição” ao projeto pensado para o Brasil.
Vimos isso fortemente no ano passado em relação ao debate das queimadas na Amazônia. Também existe no país a concepção de que inovação e disrupção de mercado seriam necessariamente ESG, o que não é correto: nem toda inovação e nem toda disrupção geram externalidades positivas para a sociedade como um todo, mesmo que gerem valor para os empreendedores e o grupo de clientes.
Tive a oportunidade de participar de uma dessas discussões, em uma sessão paralela do Davos Virtual. Dividi o debate com o Head Global de ESG da farmacêutica Pfizer, o Diretor de Impacto Humano de Humanitário da Salesforce e a Vice-presidente de Desenvolvimento Sustentável da consultoria Wood Plc. O tema da mesa era o papel que a informação teria na construção desse reset.
Ficou muito claro para mim que o grande avanço na ESG, que vai ser o catalisador desse reset, é a informação. É a partir da disponibilidade e da capacidade que temos hoje de analisar um número quase infindável de dados que vai ser possível quantificar o impacto social não econômico de cada produto, e, a partir daí, o consumidor vai reagir positiva ou negativamente. Até o mesmo o governo vai ser capaz de traçar políticas públicas customizadas para cada produto.
Essa reconfiguração será uma transformação para uma forma diferente de fazer negócios, medida não apenas pelas lentes estreitas do lucro e do crescimento do PIB, mas por meio de outras referências importantes que afirmarão a relevância das externalidades não-financeiras.
Em um futuro não muito distante, vamos poder checar, da mesma maneira como se checam as calorias de um iogurte na sua embalagem, qual é o índice de contribuição social daquele produto para a sociedade, o qual vai envolver o processo produtivo, ingredientes, embalagem, tudo compilado e indicado com um índice que inevitavelmente será definido universalmente.
Será essa ampla disponibilidade de informações que vai motivar a mudança de postura nas empresas, pois "o sapo não pula por boniteza, mas porém por precisão", como ensinou o poeta Guimarães Rosa.
*Paulo Dalla Nora Macedo é investidor em inovação e especialista em ESG
O Fórum Econômico Mundial desse ano foi apropriadamente chamado de "Grande Reset". As conversas de Davos, que aconteceram em ambiente virtual, giraram em torno de cinco tópicos:
1. Criando sistemas econômicos coesos, sustentáveis e resilientes;
2. Impulsionando a transformação e o crescimento responsável da indústria;
3. Aprimorando a gestão de nossos bens comuns globais;
4. Aproveitando as tecnologias da Quarta Revolução Industrial (ou a automação contínua da fabricação tradicional e das práticas industriais, usando tecnologia inteligente moderna);
5. Promoção da cooperação global e regional.
De uma perspectiva de negócios, talvez ninguém expressou melhor do que Larry Fink, presidente e CEO da BlackRock, a visão para o papel das empresas: “As expectativas do público em relação à sua empresa nunca foram maiores. [...] Toda empresa deve não apenas visar o desempenho financeiro, mas também mostrar claramente como faz uma contribuição positiva para a sociedade. Sem um senso de objetivo, nenhuma empresa, seja pública ou privada, pode atingir todo o seu potencial."
Na dimensão política, esse “Grande Reset” é materializado pela nova administração nos Estados Unidos. Em sua primeira semana no cargo, o presidente Biden deu início à mais ambiciosa agenda ambiental da história dos Estados Unidos, com um compromisso surpreendente de levar os EUA a uma emissão líquida zero de carbono até 2050. Além disso Biden, assinou a reintegração dos EUA ao Acordo de Paris.
Uma decisão cheia de simbolismo para marcar a volta dos EUA ao palco mundial: “Bem-vinda, de volta, América” estampou na manchete o jornal italiano La Stampa. É animador ver líderes empresariais e políticos, como o presidente Biden e o CEO da BlackRock, Larry Fink, abordarem os desafios globais com tanta urgência e objetividade. É nesse ambiente que ‘inovação para o bem’ está se tornando o novo normal.
No Brasil, estamos vendo um avanço no debate sobre ESG, mas ainda sem o engajamento direto, pessoal e decisivo de muitos líderes representativos. Essa discrição talvez se explique, além do fator histórico patrimonialista, pelo momento extremista na política em que qualquer alinhamento público com pautas de avanço civilizatório pode ser encarado como “oposição” ao projeto pensado para o Brasil.
Vimos isso fortemente no ano passado em relação ao debate das queimadas na Amazônia. Também existe no país a concepção de que inovação e disrupção de mercado seriam necessariamente ESG, o que não é correto: nem toda inovação e nem toda disrupção geram externalidades positivas para a sociedade como um todo, mesmo que gerem valor para os empreendedores e o grupo de clientes.
Tive a oportunidade de participar de uma dessas discussões, em uma sessão paralela do Davos Virtual. Dividi o debate com o Head Global de ESG da farmacêutica Pfizer, o Diretor de Impacto Humano de Humanitário da Salesforce e a Vice-presidente de Desenvolvimento Sustentável da consultoria Wood Plc. O tema da mesa era o papel que a informação teria na construção desse reset.
Ficou muito claro para mim que o grande avanço na ESG, que vai ser o catalisador desse reset, é a informação. É a partir da disponibilidade e da capacidade que temos hoje de analisar um número quase infindável de dados que vai ser possível quantificar o impacto social não econômico de cada produto, e, a partir daí, o consumidor vai reagir positiva ou negativamente. Até o mesmo o governo vai ser capaz de traçar políticas públicas customizadas para cada produto.
Essa reconfiguração será uma transformação para uma forma diferente de fazer negócios, medida não apenas pelas lentes estreitas do lucro e do crescimento do PIB, mas por meio de outras referências importantes que afirmarão a relevância das externalidades não-financeiras.
Em um futuro não muito distante, vamos poder checar, da mesma maneira como se checam as calorias de um iogurte na sua embalagem, qual é o índice de contribuição social daquele produto para a sociedade, o qual vai envolver o processo produtivo, ingredientes, embalagem, tudo compilado e indicado com um índice que inevitavelmente será definido universalmente.
Será essa ampla disponibilidade de informações que vai motivar a mudança de postura nas empresas, pois "o sapo não pula por boniteza, mas porém por precisão", como ensinou o poeta Guimarães Rosa.
*Paulo Dalla Nora Macedo é investidor em inovação e especialista em ESG