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O financiamento e apoio político na era ESG

Um compromisso ESG nos negócios não vai compensar o suporte à políticos que criam um universo paralelo ao não reconhecerem o desafio climático, para ficar apenas em um exemplo

Todas as empresas e todos os líderes empresariais que se engajaram no apoio e ou financiamento dos movimentos que deram suporte a essa visão são corresponsáveis pela criação desse ambiente tóxico que Charles Koch citou (manusapon kasosod/Getty Images)
AM

André Martins

Publicado em 14 de janeiro de 2021 às 10h14.

Última atualização em 14 de janeiro de 2021 às 12h45.

Na quarta-feira, seis de janeiro deste novo ano, aconteceu o evento mais deplorável e menos surpreendente da história moderna da democracia americana: um grupo de típicos apoiadores do Presidente Trump invadiu o Capitólio durante o processo de certificação das eleições de novembro de 2020. Depois do episódio, assistimos a uma enxurrada de análises que ligavam a ação dos partidários de Trump ao chamado que o Presidente fez no dia anterior, em um comício chamado “Save America”. Eu não concordo com essa visão e penso que a responsabilidade é muito anterior ao comício. Também penso que esta precisa ser partilhada com muito mais gente e não apenas Trump.

Uma das provas disso é que, mesmo após a invasão, dezenas de parlamentares republicanos votaram contra a certificação das eleições, em consonância com o desejo dos invasores do Capitólio. Ou seja, os deputados e senadores votaram de acordo com os homens vestidos com pele de urso, rosto pintado e chifres, que tinham desfilado horas antes pelo ambiente, cantando, entre outras coisas, “Enforquem Mike Pence”. Não existe justificativa para um voto nessa direção depois desse espetáculo dantesco.

Prevendo que o movimento de busca das responsabilidades mais ampla ocorreria, as empresas de tecnologia trataram de tomar ações para bloquear o próprio presidente e um aplicativo que estava se tornando um refúgio para extremistas. No mesmo caminho, empresas como a rede de hotéis Marriot, a Amazon, a Dow Química, a DELL, a AirBnB e a seguradora Red Cross anunciaram a suspensão das doações para os parlamentares que votaram contra a certificação das eleições americanas. E o Citibank, o JP Morgan, o Goldman Sachs e outras instituições financeiras anunciaram que estavam suspendendo todas as doações para “reavaliação das políticas internas de financiamento.” Todas são ações que mostram uma preocupação legítima e bem-vinda, entretanto elas não apagam o debate em relação ao comportamento no passado. Um compromisso ESG nos negócios não vai compensar o suporte à políticos que criam um universo paralelo ao não reconhecerem o desafio climático, para ficar apenas em um exemplo.

Um dos maiores doadores para movimentos políticos nos Estados Unidos, o bilionário Charles Koch abriu o debate sobre a responsabilidade no passado e realizou uma mea-culpa em seu mais recente livro, “Believe in People”. Ao lado de seu irmão, David Koch, que morreu em 2019, ele ajudou a impulsionar o movimento Tea Party e a ala extrema-direita do Partido Republicano nos Estados Unidos. No livro, Koch analisa que o sectarismo empurra os partidos para extremos, com políticas que são destrutivas. E pergunta: “A América pode sobreviver como país se nossos cidadãos desprezam uns aos outros?” Ele mesmo dá a resposta: “Rapaz, que besteira nós fizemos”.

Este é o contexto que gostaria de frisar: ninguém com senso crítico, especialmente nenhum executivo ou empresário que chegou a cargos de lideranças, pode alegar que o que assistimos no dia seis de janeiro foi uma surpresa. Trump se elegeu em 2016, dizendo que não aceitaria o resultado das eleições se ele não fosse o vencedor. Já a partir da posse, o que se viu foram quatro anos de criação de uma realidade paralela, na qual a imprensa e as instituições eram sempre pintadas como inimigas do “povo”. Tudo isso com fomento ao ódio e ao divisionismo. Essa obviedade não impediu que muitas empresas dessem declarações de apoio ao presidente em várias ocasiões, assim como vários CEOs não tinham nenhum constrangimento em posar para fotos em eventos na Casa Branca com o Presidente. Enquanto isso se diziam compromissados com a criação de valor para toda sociedade.

Todas as empresas e todos os líderes empresariais que se engajaram no apoio e ou financiamento dos movimentos que deram suporte a essa visão são corresponsáveis pela criação desse ambiente tóxico que Charles Koch citou. Não é razoável a explicação de que esse engajamento era uma contraposição a movimentos de sindicatos, ONGs e outras entidades que defendem uma pauta mais alinhada com a esquerda e portando menos amigável para o ambiente de negócios. Esse investimento pode ter alcançado algum retorno positivo no curto prazo, com aprovação de um pacote de corte de impostos, mas vai ter um enorme custo negativo no longo prazo, com as feridas que deixou na sociedade.

Assim como o mundo empresarial passou a debater que o modelo de negócio das empresas não é sustentável se buscar apenas o resultado no curto prazo, com uma estratégia que comprometa o longo prazo, devemos ter o mesmo comportamento em relação aos seus posicionamentos e apoios políticos. Ou seja, fazer uma óbvia canibalização no seu mercado deveria penalizado nas duas situações. No Brasil, onde assistimos, nos últimos anos, um crescimento de empresários e movimentos empresariais com o apetite de apoio e financiamento político muitas vezes mimetizando a lógica dos EUA, devemos ficar atentos para que os erros que mancharam os empresários nos EUA não continuem a ser repetidos. É lugar comum no mundo dos negócios que é muito mais barato aprender com o erro dos outros. Essa é uma bela oportunidade.

*Paulo Dalla Nora Macedo é economista e investidor em inovação

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Uma das provas disso é que, mesmo após a invasão, dezenas de parlamentares republicanos votaram contra a certificação das eleições, em consonância com o desejo dos invasores do Capitólio. Ou seja, os deputados e senadores votaram de acordo com os homens vestidos com pele de urso, rosto pintado e chifres, que tinham desfilado horas antes pelo ambiente, cantando, entre outras coisas, “Enforquem Mike Pence”. Não existe justificativa para um voto nessa direção depois desse espetáculo dantesco.

Prevendo que o movimento de busca das responsabilidades mais ampla ocorreria, as empresas de tecnologia trataram de tomar ações para bloquear o próprio presidente e um aplicativo que estava se tornando um refúgio para extremistas. No mesmo caminho, empresas como a rede de hotéis Marriot, a Amazon, a Dow Química, a DELL, a AirBnB e a seguradora Red Cross anunciaram a suspensão das doações para os parlamentares que votaram contra a certificação das eleições americanas. E o Citibank, o JP Morgan, o Goldman Sachs e outras instituições financeiras anunciaram que estavam suspendendo todas as doações para “reavaliação das políticas internas de financiamento.” Todas são ações que mostram uma preocupação legítima e bem-vinda, entretanto elas não apagam o debate em relação ao comportamento no passado. Um compromisso ESG nos negócios não vai compensar o suporte à políticos que criam um universo paralelo ao não reconhecerem o desafio climático, para ficar apenas em um exemplo.

Um dos maiores doadores para movimentos políticos nos Estados Unidos, o bilionário Charles Koch abriu o debate sobre a responsabilidade no passado e realizou uma mea-culpa em seu mais recente livro, “Believe in People”. Ao lado de seu irmão, David Koch, que morreu em 2019, ele ajudou a impulsionar o movimento Tea Party e a ala extrema-direita do Partido Republicano nos Estados Unidos. No livro, Koch analisa que o sectarismo empurra os partidos para extremos, com políticas que são destrutivas. E pergunta: “A América pode sobreviver como país se nossos cidadãos desprezam uns aos outros?” Ele mesmo dá a resposta: “Rapaz, que besteira nós fizemos”.

Este é o contexto que gostaria de frisar: ninguém com senso crítico, especialmente nenhum executivo ou empresário que chegou a cargos de lideranças, pode alegar que o que assistimos no dia seis de janeiro foi uma surpresa. Trump se elegeu em 2016, dizendo que não aceitaria o resultado das eleições se ele não fosse o vencedor. Já a partir da posse, o que se viu foram quatro anos de criação de uma realidade paralela, na qual a imprensa e as instituições eram sempre pintadas como inimigas do “povo”. Tudo isso com fomento ao ódio e ao divisionismo. Essa obviedade não impediu que muitas empresas dessem declarações de apoio ao presidente em várias ocasiões, assim como vários CEOs não tinham nenhum constrangimento em posar para fotos em eventos na Casa Branca com o Presidente. Enquanto isso se diziam compromissados com a criação de valor para toda sociedade.

Todas as empresas e todos os líderes empresariais que se engajaram no apoio e ou financiamento dos movimentos que deram suporte a essa visão são corresponsáveis pela criação desse ambiente tóxico que Charles Koch citou. Não é razoável a explicação de que esse engajamento era uma contraposição a movimentos de sindicatos, ONGs e outras entidades que defendem uma pauta mais alinhada com a esquerda e portando menos amigável para o ambiente de negócios. Esse investimento pode ter alcançado algum retorno positivo no curto prazo, com aprovação de um pacote de corte de impostos, mas vai ter um enorme custo negativo no longo prazo, com as feridas que deixou na sociedade.

Assim como o mundo empresarial passou a debater que o modelo de negócio das empresas não é sustentável se buscar apenas o resultado no curto prazo, com uma estratégia que comprometa o longo prazo, devemos ter o mesmo comportamento em relação aos seus posicionamentos e apoios políticos. Ou seja, fazer uma óbvia canibalização no seu mercado deveria penalizado nas duas situações. No Brasil, onde assistimos, nos últimos anos, um crescimento de empresários e movimentos empresariais com o apetite de apoio e financiamento político muitas vezes mimetizando a lógica dos EUA, devemos ficar atentos para que os erros que mancharam os empresários nos EUA não continuem a ser repetidos. É lugar comum no mundo dos negócios que é muito mais barato aprender com o erro dos outros. Essa é uma bela oportunidade.

*Paulo Dalla Nora Macedo é economista e investidor em inovação

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