Sobre pessoas que são felizes apenas quando não estão trabalhando
'Demorei um bom tempo para atingir o meu patamar atual. Hoje, para mim, trabalhar é me divertir'
Da Redação
Publicado em 29 de maio de 2022 às 14h42.
Na semana passada, fui a um jantar na casa de amigos queridos e conheci pessoas interessantíssimas, algumas delas fora do universo político-econômico/corporativo no qual geralmente circulo. Aproveito essas oportunidades com denodo. É uma forma de oxigenar o cérebro e arejar ideias, conhecendo as nuances de mundos sobre os quais detenho poucas informações.
No meio da conversa, um dos convidados, com cerca de quarenta anos, disse que nunca trabalhava pelas manhãs. “Eu tiro esse tempo para mim”, explicou. “Só faço as coisas que eu gosto, como ir à academia, ler e cuidar da minha saúde”. Repliquei: “Geralmente começo a trabalhar às 6 e meia da manhã e, com intervalos, vou até às dez da noite. E adoro cada minuto do dia”.
O rapaz se justificou. Enquanto ele falava, me lembrei que nem sempre tive essa disposição para o trabalho. Por isso, não levei a discussão adiante.
Quando era muito jovem, sentia o peso da responsabilidade das minhas funções e sofria com isso. Este comportamento me impedia de desfrutar totalmente o lado bom de trabalhar. Somente depois dos 27 anos é que passei a encarar com naturalidade o ônus e os compromissos que vinham acompanhados do contracheque.
Mesmo assim, em diversas passagens de minha vida profissional, não me senti devidamente motivado e talvez tivesse achado incrível a ideia do meu interlocutor (reservar a manhã para cuidar de questões pessoais). Em certas ocasiões, o problema estava na natureza do meu trabalho em si: fazer algo que não provoca entusiasmo é muito ruim para qualquer ser humano. Em outras passagens, porém, o desafio estava na chefia. É extremamente difícil adorar seu trabalho quando seu chefe não tem inteligência emocional ou não possui coerência em seu método de cobrança.
Demorei um bom tempo para atingir o meu patamar atual. Hoje, para mim, trabalhar é me divertir. Cada momento do meu dia de semana é recheado de aprendizados e descobertas. Nos finais de semana, tenho de me controlar para não transformar cada conversa em uma entrevista. Ou para não escrever todos nos sábados e domingos. O meu desafio, inclusive, é ficar longe do computador (mas especificamente, do programa Word) e não acompanhar o noticiário. É bom enfatizar a palavra “desafio”, pois nem sempre consigo desligar a cabeça.
O que leva alguém amar o que faz, a ponto de querer trabalhar todo o momento? Essa resposta tem ingredientes individuais e cada pessoa vai produzir uma explicação diferente. No meu caso, o trabalho tem três características que me colocam em uma espécie de paraíso profissional. A primeira: ser jornalista atiça a minha curiosidade e me leva a uma expansão contínua de conhecimento. Ao mesmo tempo, é uma profissão que me faz conversar com pessoas novas o tempo todo, ampliando meus horizontes e me levando a questionar seguidamente minhas ideias. Por fim, possuo a chance de fazer diariamente algo que amo: escrever.
Enquanto ouvia aquele rapaz que tira as manhãs para fazer apenas o que gosta, me lembrei de uma música dos anos 1960, chamada “Five O’Clock World”, da banda americana The Vogues. A melodia usa uma base de violões acústicos e cordas, semelhante à “Wall of Sound” do produtor Phil Spector, para abraçar um arranjo vocal muito diferente da maioria dos sucessos da música pop. Mas a letra é que chama atenção. Ela conta a história de um rapaz que se realiza apenas depois que ele deixa seu trabalho às cinco da tarde.
Acabei fazendo um balanço interno: quantas vezes eu me senti plenamente realizado profissionalmente? A resposta não foi muito animadora: talvez isso tenha ocorrido somente em metade de minha vida profissional. Mas isso não quer dizer que a outra metade foi desperdiçada. Ao longo de todo esse tempo, aprendi muito e recolhi um repertório que hoje é importantíssimo para minha atividade atual. Além disso, desenvolvi minha capacidade de resistir às dificuldades que surgem em nossa trajetória.
O resultado? Não sinto que estou trabalhando – e sim me divertindo.
Chegar à minha idade e ter esse sentimento é um verdadeiro privilégio. Espero que o rapaz que conheci no jantar consiga se sentir dessa maneira em um futuro próximo – e não seja mais um prisioneiro de suas manhãs felizes.
Five O’Clock World – The Vogues
Up every morning just to keep a job (Levanto todas manhãs para manter meu emprego)
I gotta fight my way through the hustling mob (Tenho de encontrar meu caminho pela multidão apressada)
Sounds of the city pounding in my brain (Sons da cidade bombando na minha cabeça)
While another day goes down the drain (yeah, yeah) (Enquanto outro dia escorre pelo ralo)
But it’s a five o’clock world when the whistle blows (Mas é o mundo das cinco horas quando o apito toca)
No one owns a piece of my time (Ninguém mais é dono de um pedaço do meu tempo)
And theres a five o’clock me inside my clothes (E há um mundo das cinco horas dentro de mim)
Thinking that the world looks fine, yeah (Pensando que o mundo é bonito, sim)
Oh-de-lay-ee-ee
Trading my time for the pay I get (Trocando o meu tempo pelo salário que recebo)
Living on money that I ain’t made yet (Vivendo do dinheiro que ainda não ganhei)
I’ve been going trying to make my way (Eu estou tentando levar a vida do meu jeito)
While I live for the end of the day (yeah, yeah) (Enquanto eu existo para o final do dia)
Cuz it’s a five o’clock world when the whistle blows (Porque é o mundo das cinco horas quando o apito toca)
No one owns a piece of my time (Ninguém possui nenhum pedaço do meu próprio tempo)
Theres a long-haired girl who waits, I know (E tem uma garota de cabelos longos que eu conheço)
To ease my troubled mind, yeah (Que acalma minha mente problemática)
Oh-de-lay-ee-ee
In the shelter of her arms everything’s ok (No Abrigo dos seus braços tudo está ótimo)
When she talks then the world goes slipping away (Quando ela fala o mundo começa a desaparecer)
And I know the reason I can still go on (E eu sei qual é a razão para prosseguir)
When every other reason is gone, (yeah, yeah) (Quando as outras razões desaparecem)
In my five o’clock world she waits for me (No meu mundo das cinco horas, ela espera por mim)
Nothing else matters at all (Nada além disso importa)
Cuz every time my baby smiles at me (E toda a vez que ela sorri para mim)
I know that’s all worthwhile, yeah (Eu sei que tudo vale a pena)
Oh-de-lay-ee-ee
Na semana passada, fui a um jantar na casa de amigos queridos e conheci pessoas interessantíssimas, algumas delas fora do universo político-econômico/corporativo no qual geralmente circulo. Aproveito essas oportunidades com denodo. É uma forma de oxigenar o cérebro e arejar ideias, conhecendo as nuances de mundos sobre os quais detenho poucas informações.
No meio da conversa, um dos convidados, com cerca de quarenta anos, disse que nunca trabalhava pelas manhãs. “Eu tiro esse tempo para mim”, explicou. “Só faço as coisas que eu gosto, como ir à academia, ler e cuidar da minha saúde”. Repliquei: “Geralmente começo a trabalhar às 6 e meia da manhã e, com intervalos, vou até às dez da noite. E adoro cada minuto do dia”.
O rapaz se justificou. Enquanto ele falava, me lembrei que nem sempre tive essa disposição para o trabalho. Por isso, não levei a discussão adiante.
Quando era muito jovem, sentia o peso da responsabilidade das minhas funções e sofria com isso. Este comportamento me impedia de desfrutar totalmente o lado bom de trabalhar. Somente depois dos 27 anos é que passei a encarar com naturalidade o ônus e os compromissos que vinham acompanhados do contracheque.
Mesmo assim, em diversas passagens de minha vida profissional, não me senti devidamente motivado e talvez tivesse achado incrível a ideia do meu interlocutor (reservar a manhã para cuidar de questões pessoais). Em certas ocasiões, o problema estava na natureza do meu trabalho em si: fazer algo que não provoca entusiasmo é muito ruim para qualquer ser humano. Em outras passagens, porém, o desafio estava na chefia. É extremamente difícil adorar seu trabalho quando seu chefe não tem inteligência emocional ou não possui coerência em seu método de cobrança.
Demorei um bom tempo para atingir o meu patamar atual. Hoje, para mim, trabalhar é me divertir. Cada momento do meu dia de semana é recheado de aprendizados e descobertas. Nos finais de semana, tenho de me controlar para não transformar cada conversa em uma entrevista. Ou para não escrever todos nos sábados e domingos. O meu desafio, inclusive, é ficar longe do computador (mas especificamente, do programa Word) e não acompanhar o noticiário. É bom enfatizar a palavra “desafio”, pois nem sempre consigo desligar a cabeça.
O que leva alguém amar o que faz, a ponto de querer trabalhar todo o momento? Essa resposta tem ingredientes individuais e cada pessoa vai produzir uma explicação diferente. No meu caso, o trabalho tem três características que me colocam em uma espécie de paraíso profissional. A primeira: ser jornalista atiça a minha curiosidade e me leva a uma expansão contínua de conhecimento. Ao mesmo tempo, é uma profissão que me faz conversar com pessoas novas o tempo todo, ampliando meus horizontes e me levando a questionar seguidamente minhas ideias. Por fim, possuo a chance de fazer diariamente algo que amo: escrever.
Enquanto ouvia aquele rapaz que tira as manhãs para fazer apenas o que gosta, me lembrei de uma música dos anos 1960, chamada “Five O’Clock World”, da banda americana The Vogues. A melodia usa uma base de violões acústicos e cordas, semelhante à “Wall of Sound” do produtor Phil Spector, para abraçar um arranjo vocal muito diferente da maioria dos sucessos da música pop. Mas a letra é que chama atenção. Ela conta a história de um rapaz que se realiza apenas depois que ele deixa seu trabalho às cinco da tarde.
Acabei fazendo um balanço interno: quantas vezes eu me senti plenamente realizado profissionalmente? A resposta não foi muito animadora: talvez isso tenha ocorrido somente em metade de minha vida profissional. Mas isso não quer dizer que a outra metade foi desperdiçada. Ao longo de todo esse tempo, aprendi muito e recolhi um repertório que hoje é importantíssimo para minha atividade atual. Além disso, desenvolvi minha capacidade de resistir às dificuldades que surgem em nossa trajetória.
O resultado? Não sinto que estou trabalhando – e sim me divertindo.
Chegar à minha idade e ter esse sentimento é um verdadeiro privilégio. Espero que o rapaz que conheci no jantar consiga se sentir dessa maneira em um futuro próximo – e não seja mais um prisioneiro de suas manhãs felizes.
Five O’Clock World – The Vogues
Up every morning just to keep a job (Levanto todas manhãs para manter meu emprego)
I gotta fight my way through the hustling mob (Tenho de encontrar meu caminho pela multidão apressada)
Sounds of the city pounding in my brain (Sons da cidade bombando na minha cabeça)
While another day goes down the drain (yeah, yeah) (Enquanto outro dia escorre pelo ralo)
But it’s a five o’clock world when the whistle blows (Mas é o mundo das cinco horas quando o apito toca)
No one owns a piece of my time (Ninguém mais é dono de um pedaço do meu tempo)
And theres a five o’clock me inside my clothes (E há um mundo das cinco horas dentro de mim)
Thinking that the world looks fine, yeah (Pensando que o mundo é bonito, sim)
Oh-de-lay-ee-ee
Trading my time for the pay I get (Trocando o meu tempo pelo salário que recebo)
Living on money that I ain’t made yet (Vivendo do dinheiro que ainda não ganhei)
I’ve been going trying to make my way (Eu estou tentando levar a vida do meu jeito)
While I live for the end of the day (yeah, yeah) (Enquanto eu existo para o final do dia)
Cuz it’s a five o’clock world when the whistle blows (Porque é o mundo das cinco horas quando o apito toca)
No one owns a piece of my time (Ninguém possui nenhum pedaço do meu próprio tempo)
Theres a long-haired girl who waits, I know (E tem uma garota de cabelos longos que eu conheço)
To ease my troubled mind, yeah (Que acalma minha mente problemática)
Oh-de-lay-ee-ee
In the shelter of her arms everything’s ok (No Abrigo dos seus braços tudo está ótimo)
When she talks then the world goes slipping away (Quando ela fala o mundo começa a desaparecer)
And I know the reason I can still go on (E eu sei qual é a razão para prosseguir)
When every other reason is gone, (yeah, yeah) (Quando as outras razões desaparecem)
In my five o’clock world she waits for me (No meu mundo das cinco horas, ela espera por mim)
Nothing else matters at all (Nada além disso importa)
Cuz every time my baby smiles at me (E toda a vez que ela sorri para mim)
I know that’s all worthwhile, yeah (Eu sei que tudo vale a pena)
Oh-de-lay-ee-ee